[etnolinguistica] Algumas notas sobre prefixos relacionais

Eduardo Rivail Ribeiro erribeir at MIDWAY.UCHICAGO.EDU
Sun Feb 2 20:26:40 UTC 2003


Prezado Andrés,
Infelizmente, não saberia lhe informar sobre quando seria o próximo Encontro
Macro-Jê.  Talvez os colegas de Brasília possam nos esclarecer isso. Quanto
aos relacionais: não há, na minha opinião, qualquer diferença entre o que o
colega Dioney e outros lingüistas chamam de 'relacionais de não
contigüidade' e os marcadores de terceira pessoa. Trata-se da mesma coisa.
Como disse na minha mensagem, acho um equívoco chamar os marcadores de
terceira pessoa de 'relacionais', porque obscurece a realidade dos
'verdadeiros' relacionais (d- em Karajá, r- em Tupinambá, etc.), criando
lacunas paradigmáticas artificiais.
Já havia lido o artigo de vocês ('Ergatividade cindida') e concordo
essencialmente com ele. É muito acurado, de um ponto de vista sincrônico, .
Aliás, acho que seria ótimo se vocês o divulgassem (enviando o link) para os
membros da lista (já que poucos no Brasil terão tido acesso a ele, uma vez
que foi publicado no exterior, não?). Mas, como o meu interesse principal é
histórico-comparativo, acho que seria interessante observar que, de um ponto
de vista diacrônico, a situação em Mebengokre não seria tão diferente assim
do que observamos nas demais línguas do tronco, como o Karajá. Vários dos
exemplos (vários, mas não todos) que vocês mencionam como tendo a terceira
pessoa indicada pela supressão da consoante inicial envolveriam, na
proto-língua, as familiares alternâncias entre uma marca de terceira pessoa
(reflexo do Proto-Jê *z-) e o prefixo relacional propriamente dito (reflexo
do Proto-Jê *ñ-/*j-). A transparência de tais alternâncias seria perturbada
pelo fato de que, em várias línguas Jê do Norte, o reflexo do Proto-Jê *z- é
zero.  Isto ocorre não apenas em começo de palavra (ambiente em que teríamos
as alternâncias morfológicas mencionadas acima), mas também em outras
posições. Por exemplo, a palavra para 'fogo', reconstruída por Davis como
*kuzy, teria se tornado *kuy em línguas do complexo dialetal Kayapó
(incluindo Apinajé), com o desenvolvimento, posteriormente, de um glide,
resultando em kuwy, kuvy.
Como menciono de passagem no meu artiguinho sobre os relacionais em Jê e
Karajá, vários fatores contribuem para a obsolescência dos prefixos
relacionais em diferentes línguas. Em Karajá, tais fatores seriam de uma
natureza semântico-sintática mais profunda: o enfraquecimento da distinção
entre nomes obrigatoriamente possuídos e nomes alienáveis e, com verbos, o
desenvolvimento de morfemas de voz, valência e direção que se interpoem
entre o tema verbal e o argumento absolutivo. Em algumas línguas Jê do
Norte, fatores fonológicos como o que menciono acima. Em Jê Central e
Meridional, talvez, o desenvolvimento de novos morfemas para a terceira
pessoa ('ele' vs. 'ela'). Etc.
Acho que sua mensagem é indubitavelmente relevante para a discussão sobre os
relacionais e, por isso, estou tomando a liberdade de reenviá-la com esta
resposta para a lista.
Abraços,
Eduardo





----- Original Message -----
From: "Andres P Salanova" <kaitire at MIT.EDU>
To: "Eduardo Rivail Ribeiro" <erribeir at midway.uchicago.edu>
Sent: Sunday, February 02, 2003 9:04 AM
Subject: Re: [etnolinguistica] Algumas notas sobre prefixos relacionais


> Alo Eduardo
> Voce por acaso sabe quando vai ser o proximo encontro Macro-Je,
> que seria realizado em Brasilia?
> Em outras coisas, nao estou conseguindo acompanhar a discussao em
> torno dos prefixos relacionais; se posso ser ingenuo, qual e mesmo a
> diferenc,a entre eles e a flexao de terceira pessoa? Se a flexao de pessoa
> funciona de maneira "parcialmente referencial" (i.e., ela esta em
> distribuic,ao complementar com sintagmas nominais plenos, mas uma serie de
> deslocamentos do SN sao suficientes para que ela aparec,a), ela nao e tao
> diferente de outros sistemas de concordancia conhecidos (cliticos mais
> ClLD em algumas linguas romanicas, por exemplo). Por outro lado, a noc,ao
> de "contiguidade", do meu ponto de vista, nao tem como ser uma noc,ao
> sintatica. Ha diversas relac,oes estruturais (que devem ser enumeradas)
> que tem como efeito na superficie que dois constituintes sejam ou nao
> contiguos, mas a contiguidade em si nao pode ser um elemento primitivo,
> exceto talvez na fonologia. Portanto acho que, pelo menos em Mebengokre e
> um par de outras linguas Je que tive a oportunidade de ver, relacionais =
> flexao de 3a pessoa + uma morfologia um pouco peculiar (em muitos casos,
> nao concatenativa). Para o Mebengokre, defendemos esse ponto de vista em
> um artigo meu e da Amelia que voce talvez tenha, mas que pode baixar de
> http://mit.edu/kaitire/www/Docs/ErgMeben.pdf.
> Se voce acha que esta mensagem pode servir ao debate que esta se
> desenrolando na lista, fique a vontade de dar cc a lista quando me
> responder. So achei que a discussao se tornou especifica demais para eu
> entende-la, e preciso destes esclarecimentos.
> Um abrac,o,
> Andres
>
> Andres Pablo Salanova
> http://mit.edu/kaitire/www




Eduardo Rivail Ribeiro
Department of Linguistics (University of Chicago)
Museu Antropológico (Universidade Federal de Goiás)
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