[etnolinguistica] PR or no PR

Andres P Salanova kaitire at MIT.EDU
Mon Feb 17 20:17:11 UTC 2003


Como vai Sergio:

Me parecem muito interessantes suas considerac,oes sobre emprestimos e
tudo mais, mas nao me parece que sair por essa tangente vai nos levar a
nada, ja que entramos em terreno puramente especulativo sem sequer
compartilhar os pressupostos (nao vejo a diferenc,a essencial que ha entre
as linguas tradicionalmente chamadas de "crioulas" e as linguas "comuns e
silvestres" que falamos, e mesmo admitindo que ha algo de especial nelas,
nao saberia como excluir essa particularidade do panorama amazonico). Sem
duvida o estudo do que aconteceu na Turquia, nos Balcans, na Inglaterra
apos a invasao normanda, etc. etc. e muito interessante mas pouco
informativo, pois estender qualquer conclusao particular (ha principios
gerais?) ao caso americano exige uma serie de apriorismos que nao estou
disposto a aceitar.

De qualquer maneira, o meu argumento e outro, e e muito simples. O Eduardo
argumenta em favor de certas relac,oes geneticas de longo alcance
envolvendo a familia Je com base em tres coisas, essencialmente. (1)
alguns cognatos; (2) a analise da flexao de pessoa nas linguas Je
setentrionais como prefixos relacionais, e (3) a analise dos
"aplicativizadores nominais" das linguas Je meridionais como prefixos
relacionais. Eu nao tenho nada apostado na hipotese das relac,oes
geneticas ou na hipotese dos fenomenos areais; fico muito contente se
for demonstrado que Je e Tupi, Karaja e Guaykuru, Mebengokre e uma lingua
crioula de base dravidiana, ou o que for que os lingu:istas historicos
quiserem demonstrar. Agradec,o tambem de antemao o convite de trazer dados
para "provar" a minha posic,ao, mas nao tenho nada a provar, alem do que
ja provei. Eu simplesmente duvidei de (2) e de (3), e continuo duvidando,
pois ninguem adiantou nenhum contra-argumento. Falei que a melhor analise
dos "prefixos relacionais" em Mebengokre e a que os unifica com a flexao,
e que esta analise nao so e transferivel as demais linguas Je
setentrionais, como provavelmente e em todas elas sincronicamente mais
adequada do que a analise em que se postulam "prefixos relacionais"
(novamente, isto nao e algo que eu posso demonstrar so, mas aceito que
estou errado se alguem conseguir construir um argumento sincronico contra
minha posic,ao partindo de qualquer uma destas linguas). E falei que o
que acontece em Kaingang e Xokleng esta muito mais longe dos "prefixos
relacionais" do que de uma "aplicativizac,ao nominal" semelhante ao que
acontece em Mebengokre /ngo/ agua --> /kango/ agua com relac,ao a alguma
coisa; /ko/ pau --> /kako/ pau com relac,ao a alguma coisa. Portanto, em
favor da proposta de Eduardo so resta (1) e a semelhanc,a superficial
que apresenta a flexao de pessoa nas linguas Je setentrionais com outras
coisas que nao sao a mesma coisa (me explico?). Quanto a isto ultimo, ha
semelhanc,as entre a flexao por aferese e outros processos morfologicos
dentro mesmo do Mebengokre (ja mencionei o "truncamento" final para criar
formas finitas de verbos; tambem ha uma aferese "estilistica" em certos
vocativos: /nhirwa/ --> /irwa/ mae). Portanto, longe de ser uma
esquisitice gramatical, o truncamento e um recurso morfologico que e em
grande medida independente da flexao de terceira pessoa. Quanto aos
cognatos que Eduardo encontra, esses sim sao evidencia para alguma coisa.
Certamente nao sao evidencia para defenestrar analises sincronicas
consistentes. E no final das contas, tambem nao sao evidencia
suficiente para aceitar sem reservas a hipotese da relac,ao genetica
entre todas estas linguas.

Quanto aos "erros elementais" que podemos evitar, bem, posso estar me
referindo ao fato de que mostrei alguma coisa que ate agora nao foi
contestada, e de que as pessoas deveriam ser conscientes de que se
comparam uma flexao de pessoa com um aplicativo nominal, nao estao
comparando a mesma coisa. Podem ate tentar mostrar como as duas coisas
estao relacionadas, mas isso ate agora nao foi feito. Por isso lamentei
que nossa discussao sobre aplicativos nominais tenha terminado tao
rapidamente, pois acho que e possivel aprender muito mais deles do que de
semelhanc,as superficiais entre a morfologia das linguas.

> não são predizíveis, etc. Em Membengokre, é perfeitamente possível
> que a análise relacional não funcione sincronicamente. Mas, no artigo
> em questão, os exemplos são apenas do Membengokre, e eu não sei
> se uma visão de conjunto da família não alteraria as conclusões,
> pelo menos do ponto de vista diacrônico. Afinal, a língua em
> questão poderia ter simplesmente lexicalizado um fenômeno que,
> em outras línguas, não foi lexicalizado. Eu gostaria de encorajar
> o Andres a levar adiante a sua idéia, compliando material das
> diversas línguas jê, de modo a demonstrar, se esse for o caso,
> que, para a família como um todo, os "prefixos relacionais"
> não são um fenômeno homogêneo.

Acho que isto esta claro, nao? Ainda estou esperando um so exemplo de uma
lingua Je em que os "relacionais" funcionem como relacionais. Acho que
qualquer esforc,o de achar mais evidencias seria perda de tempo da minha
parte.

> Se é verdade que os fenômenos comparados
> quando se fala em "prefixos relacionais" formam mesmo um verdadeiro
> "balaio de gatos" (aplicativos, junturas fonológicas, etc.), então,
> por favor, clareie o ambiente, descrevendo-os e mostrando claramente
> as diferenças.

Ja fiz. Ha alguma semelhanc,a entre os casos descritos alem do aspecto
fonologico? Ah sim, devo dizer que, como Eduardo disse, a unica relac,ao
entre os aplicativos nominais e os "prefixos relacionais" (i.e., flexao de
pessoa) e que alguns dos aplicativos comec,am pelas consoantes que sao
chamadas de prefixos relacionais em outras linguas (desculpe Eduardo, nao
estou transcrevendo textualmente, mas acho que a ideia e esta). Bem, isto
satisfaz as condic,oes de semelhanc,a fonologica.

> Não creio que o contato entre o português e as línguas tupi
> foi assim tão insignificante -- as línguas gerais, de fundo tupi,
> foram as línguas mais faladas nas colônias durante um bom período
> (veja-se a história, anedotal, de que um dos governadores-geral do
> Grão Pará, creio que no século XVII ou XVIII, espantou-se ao chegar
> a Belém e notar que, ao sair do palácio do governo, não conseguia
> encontrar ninguém que falasse português). Veja-se também os artigos
> do Aryon sobre línguas gerais. Observem-se também. as palavras de
> uso freqüente no português e que são de origem tupi (pereba,
> catinga, pindaíba, catucar~cutucar, até mesmo sufixos como -aço
> em mulheraço, do tupi "(w)asu", etc.). De modo que me parece
> que o contato não foi assim tão "superficial". Concordo que ele,
> sem dúvida, não foi o bastante para o empréstimo de formas
> gramaticais idiossincráticas como os relacionais; mas isso
> é exatamente o que eu queria dizer: é preciso muito contato.

Discussao muito interessante, mas novamente irrelevante. Se o governador
se surpreendeu de que ao sair do palacio do governo nao se encontrava
ninguem que falasse portugues, provavelmente dentro do palacio ele nao
conversava muito na lingua geral. Acontece a mesma coisa quando saio de
casa. Em nenhum momento disse que as linguas gerais nao fossem faladas
pela maioria; so disse que o contato com o portugues nunca foi "direto",
no sentido especifico de haver diglossia. Nao tenho realmente
motivos para acreditar ou desacreditar disto, mas de qualquer
maneira os emprestimos lexicais nao provam nada (se eu for um turista
alemao em Belem, em menos de uma semana sei o nome de todas as frutas
exoticas que ha, e se quero fazer grac,a posso ate usar uma ou duas
palavras do portugues regional ao falar com meus conterraneos, mesmo sem
falar portugues). O "-ac,o" e uma piada, nao? Qual e o problema de
estender analogicamente o "-ac,o" de palavras como "estardalhac,o"? Pelo
menos ai voce nao tem que explicar a mudanc,a de acento.

Bem, espero que em algum momento possamos unificar esforc,os para
avanc,ar na hipotese do Macro-Je. Nao quero passar a ideia de que estou
em contra desse tipo de empreitada. Apenas discordo do Eduardo quando ele
descarta uma analise sincronica bem feita com base em uma duzia de
cognatos. Isto, como Sergio disse, e apenas uma diferenc,a "teorica".
Me permito discordar do Sergio neste ponto.

Um abrac,o afetuoso,
		Andres


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