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Eduardo Rivail Ribeiro erribeir at MIDWAY.UCHICAGO.EDU
Fri Jan 31 03:40:50 UTC 2003


Prezado Andrés (e demais colegas),
Muito obrigado por sua mensagem. Eu de fato acho que o possuidor com o morfema õ não é o possuidor do nome que vem a seguir (é claro que ainda aguardo evidências gramaticais do tipo que mencionei nas últimas mensagens) e, portanto, concordo plenamente com sua com sua análise do Mebengokre (que pode, provavelmente, aplicar-se às demais línguas Jê do Norte). Acho as evidências que você aponta (a ausência de flexão relacional) cruciais.  

> Do ponto de vista do Mebengokre em si, nao acho que
> "possuidor+nho" seja por sua vez um possuidor, pois nesse caso se
> esperaria encontrar "prefixos relacionais" no nome possuido, o que nao
> acontece.

Quanto à 'homonímia' entre o alienador nhi e o reflexivo, minha sugestão era de fato um tanto mais modesta. Como estamos ainda engatinhando na comparação do Macro-Jê (e ainda mais em níveis mais antigos, Tupí-Karib-Jê), acho extremamente interessante quando é possível encontrar evidências morfológicas que são corroboradas por correspondências fonológicas regulares (e vice-versa).  Por exemplo, algo que me deixou bem animado na comparação de prefixos relacionais em Macro-Jê foi ver que as correspondências morfológicas entre as diferentes línguas do tronco são corroboradas por evidências fonológicas. Um exemplo: Davis (1966) já havia reconstruído para o Proto-Jê uma forma *zy 'semente' (cujos reflexos são fy em Kaingáng, y em Apinajé, e assim por diante); como ele mesmo aponta depois (1968) esta raiz é provavelmente cognata da raiz para 'semente' em Karajá, ty (onde /t/ representa a implosiva alveolar). O prefixo de terceira pessoa da classe II nas línguas Jê atuais é um reflexo deste proto Jê /*z/; não por coincidência, o prefixo Karajá é t-. [No caso de algumas línguas Jê do Norte em que o reflexo do Proto-Jê /*z/ é zero, a existência sincrônica do prefixo pode ser obscurecida; mas o importante é que há correspondências regulares.] Pois bem, em Karajá há uma raiz verbal ty 'tecer' -- homófona, portanto, com a raiz para 'semente'. Imagine, então, meu entusiasmo em descobrir que em Jê há também uma raiz para tecer que é homófona da raiz para semente (reflexos de uma hipotética proto-forma *zy 'tecer'). Isto seria exatamente de se esperar, caso nossas correspondências fonológicas estejam corretas: se ambas as formas eram homófonas na proto-língua, deveriam permanecer homófonas nas línguas derivadas (a menos, é claro, que fatores como analogia perturbem a regularidade na qual se baseia o método comparativo).

Quando mencionei o caso da homonímia entre o reflexivo e o nosso 'alienador', era este tipo de achado que eu tinha em mente. Não importaria sequer se ambos os morfemas derivam da mesma fonte lexical ou não. De qualquer forma, já seria um tijolinho a mais rumo à comparação destas línguas (o fato de que dois morfemas fonologicamente idênticos na proto-língua teriam sobrevivido nas línguas atuais). Então, se são dois morfemas diferentes, é ótimo que preservem a mesma forma tanto em Macro-Jê, quanto em Tupi.  Se são etimologicamente derivados da mesma fonte, ótimo também. Eu, particularmente, acho possível que ambos provenham de uma mesma fonte lexical, que teria se gramaticalizado em duas funções diferentes (como, aliás, Luciana Dourado sugere para o Panará), independentemente. Um nome-classificador, como o nosso õ 'coisa', que, uma vez incorporado ao verbo, saturaria a valência deste. Daí os resultados à primeira vista contra-intuitivos: como você diz, tem-se "o mesmo" morfema aumentando a valência com nomes, mas diminuindo a valência com verbos. Aliás, uma nota com relação ao uso 'aplicativo' de nhi: eu creio que seria pouco apropriado falar em aumento de valência neste caso, pelas razões que você menciona para o Mebengokre. Mesmo com verbos, aplicativos não aumentam necessariamente a valência; sua principal função parece ser 'rearranjar' a estrutura argumental do verbo, permitindo que um outro actante ocorra como objeto direto; o 'velho' objeto direto geralmente perde muitas (senão todas) das suas propriedades de objeto.  Neste caso, os usos verbal e nominal de nhi começariam a soar menos díspares...

Mais uma vez, muito obrigado pela interessantíssima discussão. Espero poder ouvir mais das suas idéias.
Abraços,
Eduardo
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