[etnolinguistica] Re: Sobre relacionais em Munduruku

Dioney Moreira Gomes dioney98 at UNB.BR
Fri Jan 31 10:25:07 UTC 2003


Oi, Gessiane.
Finalmente, podemos trocar idéias. Esse espaço é bem legal.
Bom, primeiramente gostaria de saber o que você pensa do fato de, em Mundurukú,
os marcadores de pessoa serem clíticos. É importante iniciarmos uma conversa
por este tópico para podermos confrontar os marcadores de pessoa com o que
tenho considerado relacionais. Conforme analiso no trabalho que enviei ao
grupo, a relação entre marcadores de pessoa e núcleo é clítica (se dá em nível
de sintagma), contrariando os trabalhos anteriores que consideram os marcadores
de pessoa como prefixos (Crofts 1973, 1985; Gonçalves 1987; Angotti 1998 e
Nunes 2000), inclusive tratando o relacional como marca de 3a pessoa (à exceção
de Angotti e Nunes). Já a relação entre relacional e núcleo é afixal (se dá em
nível de palavra). Não faz sentido pensar em um marcador de pessoa com
comportamento diferente dos demais, ou seja, as pessoas da intralocução são
tratadas gramaticalmente como clíticos, enquanto a pessoa da extralocução é
prefixo. Deixo você pensar um pouco sobre isso e aí retomamos este ponto.
Eu não nego a existência de marcador de 3 pessoa em Mundurukú, pois existe o
marcador o', que ocorre com intransitivos processuais em aspecto perfectivo.
Defendo sim, que "i-" e "t-" têm função relacional e me baseio, entre outras
coisas, em evidências de relação de contigüidade versus não-contigüidade entre
determinante e determinado e nas relações de parentesco histórico entre
Mundurukú e demais línguas do tronco Tupí, em especial línguas da família Tupí-
Guaraní, como Tupinambá e Tapirapé.
Se entendi bem o que você quis dizer, a palavra "dentista" - nuy-'uk'uk-'uk-at
(dente-tirar.RED-HAB-NOM), que começa com "n" (forma de "d" condicionada por
uma vogal nasal) não estaria em função relacional de contigüidade. Mas ao mesmo
tempo em que você diz que não pode existir a forma com "t", você a apresenta
como sendo possível, embora traga um significado diferente. Bom, a questão
principal pra mim foi levantada por você mesma: é possível possuir um dentista
em Mundurukú (pergunta)(não acho o ponto de interrogação). Levantei algumas
nominalizações e te apresento abaixo:

1. i-ba-pak-at-pa (NCNT-CL-ser.vermelho-NOM-CL) '(bananas) vermelhas'. (Crofts,
1973:27)
2. õn t.a-dio-’o-at (eu NCNT.CL/semente-!!-comer-NOM)‘eu sou comedor de
semente’ (Crofts, 1973:43)

Nesses exemplos, nota-se a presença dos relacionais de não-contigüidade "i-"
e "t". Então, o que explicaria o seu exemplo é o fato de um hábito, como você
mesma ressaltou, tornar desnecessária a presença de marcação de não-
contigüidade. Você pode me apresentar mais argumentos e podemos continuar nossa
conversa.
Um abraço.
Dioney

p.s.: Se demorar a te responder, não estranha. Estou em trânsito na próxima
semana (Lyon-Paris) e talvez demore a ter acesso a computador no próximo
laboratório em que vou estar.
Se você puder me enviar por e-mail a sua dissertação de mestrado e trabalhos
publicados, vou ficar muito feliz. Se quiser algo que já publiquei ou minha
dissertação, é só pedir.

Citando globato at interchange.ubc.ca:

> Caro Dioney,
>
> Obrigada por enviar seu artigo sobre marcadores de pessoa em Munduruku. É
> excelente que você tenha trazido a discussão ao grupo.
> No artigo você nega a existência de marcadores de 3pessoa em Munduruku,
> tratando {i-, t-} como prefixos relacionais de não-contiguidade. Concordo com
> você que {d-} foi historicamente um prefixo relacional (adoto aqui a
> terminologia que tem sido utilizada), mas que foi reanalisado como parte da
> raiz (nominal ou verbal). Tenho, no entanto, resistido à hipótese de que {i-,
> t-} não sejam marcadores de 3pessoa. Aliás essa é a hipótese que levanto em
> um trabalho que estou elaborando sobre nomes em Mundurukú. Ainda não o
> concluí, mas o farei disponível assim que terminá-lo.
> O que me leva a supor que {i-, t-} sejam verdadeiros marcadores de 3pessoa é
> a existência de derivações como a para a palavra "dentista" -
> nuy-'uk'uk-'uk-at (dente-tirar.RED-HAB-NOM), literalmente "o que tira dentes
> habitualmente (como profissão)". Em construções como essa {t-} não pode
> ocorrer (*t-uy-'uk'uk-'uk-at), a não ser que se queira dizer "o que tira os
> dentes 'dele' habitualmente". A sentença seria gramatical, embora estranha,
> mas não com a interpretação "dentista".
> Em tais construções {i-, t-} comportam-se exatamente como marcadores de
> pessoa. Se considerarmos que eles prefixos indicando ausência/não
> contiguidade do possuidor, essas construções seriam ideais para eles
> ocorrerem. Não sei como tais construções se manifestam em línguas que
> claramente distinguem contiguidade/não-contiguidade, mas a previsão é de que
> nenhum dos dois apareceria. Se Munduruku não tivesse reanalisado {d-} como
> parte da raiz, creio que a palavra 'dentista' seria "uy-'uk'uk-'uk-at", sem
> determinação de um possuidor já que essa é a interpretação que se obtém para
> a palavra 'dentista'. (Em Português é possível possuir-se dentista, ex., meu
> dentista; não saberia dizer se o mesmo é possível em Mundurukú.)
> Por favor deixe-me saber o que você pensa sobre a questão.
> Obrigada.
>
> --
> Gessiane Picanço
> University of British Columbia
> Dept. of Linguistics
> Buch E270-1866 Main Mall
> V6T-1Z1 Vancouver, BC
> Email: globato at interchange.ubc.ca
>
>
>
>
>


--
Dioney M. Gomes
Doutorando em Lingüística - UnB/IRD (Institut de Recherche pour le
Développement/França)
Tel.: (61)304 1045 e 9961 9342
E-mail: dioney98 at unb.br


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