[etnolinguistica] Algumas notas sobre prefixos relacionais

Eduardo Rivail Ribeiro erribeir at MIDWAY.UCHICAGO.EDU
Fri Jan 31 19:58:28 UTC 2003


Dioney,
Muito obrigado pela lista de trabalhos de Rodrigues lidando com a questão dos relacionais (entre outras).  Mas o fato de que não os mencionei não significa desconhecimento da minha parte (sendo eu um ávido leitor das obras do professor Aryon). Significa, simplesmente, que discordo da análise lá apresentada. A análise apresentada em 1953, apesar de mais simples (ou justamente por isso), é, no meu ponto de vista, mais acurada. E não é a mais acurada do ponto de vista comparativo apenas; é a que encontra maior respaldo nos dados da(s) língua(s).

> No meu artigo (Gomes 2001), falo que a classe II (uk'a / João d-uk'a/ t-uk'a: 
> casa, casa de João, casa dele) reanalisou os prefixos relacionais como parte da 
> raiz, mas afirmo também que a função relacional continua existindo (agora, 
> alternância entre itens lexicais provocada por regra sintática) e não disse ter 
> sido ela obscurecida pela regra fonológica regular de alternância entre 
> oclusivas surdas e sonoras. 



Ah, sim. Desculpe-me. Não era minha intenção deturpar o que você diz no seu artigo. Na verdade, estava apenas usando a sua descrição dos fatos para chegar a minhas próprias conclusões (que podem, naturalmente, estar redondamente equivocadas). 

> O fato de os relacionais d- e t- ocuparem paradigmaticamete a mesma posição não 
> é, necessariamente, um tratamento morfológico nem muito menos puramente 
> sintático. Foi bom você ter citado que não é nenhuma excepcionalidade a 
> terceira pessoa não ter um marcador de pessoa específico (isso é um fato para 
> os nomes em Mundurukú e para a classe de verbos estativos, que recebem os 
> mesmos marcadores objetivos de pessoa). 

Naturalmente: terceiras pessoas comumente recebem tratamento especial nas línguas do mundo. Mas continuo achando que este não é exatamente o caso em Tupi ou Macro-Jê, onde claramente parece haver marcadores de terceira pessoa.  Justamente por causa dessas diferenças de tratamento entre a terceira e as demais pessoas a que você refere, acho natural que a terceira pessoa seja expressa através de prefixos, enquanto as demais seriam expressas através de clíticos. Mas, no caso do Tupi, isto reflete simplesmente uma situação diacrônica em que prefixos de terceira pessoa são mais antigos do que os demais. Repare que, em Macro-Jê, além do marcador de terceira pessoa, o prefixo de segunda pessoa também se liga diretamente à raiz. Se observamos as línguas Karib, Tupi e Macro-Jê atuais, é possível imaginar que, na proto-língua (como na maioria das línguas atuais), raízes nominais e verbais (talvez adposições também) teriam uma única posição prefixal, que poderia ser preenchida pelo prefixo relacional (ou o seu ancestral, que, como hipótese, sugiro ter sido o marcador de terceira pessoa) ou outros prefixos que eventualmente existissem, mas não dois prefixos simultaneamente.

Aliás, sobre o tratamento diferenciado da terceira pessoa, um exemplo mais perto de casa: no português coloquial, é comum termos um pronome tônico referindo-se à terceira pessoa objeto, mas os marcadores clíticos de segunda e terceira pessoa sobrevivem: eu vi ele, mas ele me viu e ele te viu. Fosse o português uma língua indígena, já teriam surgido propostas para tratar alternâncias deste tipo como um caso de "split", motivado por hierarquias pessoais, etc. e tal. Quem sabe, né? Mas, apesar das diferenças morfológicas óbvias entre os marcadores de primeira e segunda pessoa, de um lado, e o marcador de terceira, do outro, parece-me claro que todos desempenham a mesma função (como marcadores de objeto).

É ótimo poder trocar idéias sobre lingüística com você (e os demais colegas).
Muitíssimo obrigado, e boa viagem!
Abraço,
Eduardo








 
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