Comentários sobre a reportagem "Índios por imposição" - Revista Veja

aurearsh aurearsh at YAHOO.COM.BR
Fri Dec 30 16:38:01 UTC 2005


Caros colegas,

Apesar de não ser um assunto "limitadamente lingüístico", quero 
fazer alguns comentários sobre a reportagem: "Funai obriga 
imigrantes a ser índios", publicada pela Revista Veja, edição 1936, 
nº 51 de 14 de dezembro de 2005 e ainda socializar com vocês a carta 
que a colega Ema Marta Dunck escreveu a Veja, assim que lemos a 
reportagem. 
A Reportagem da Revista Veja é declaradamente parcial, demonstra de 
forma "escancarada" que está do lado dos proprietários de terras na 
fronteira do Brasil com a Bolívia. Bem, nem preciso dizer que a 
carta da colega ainda não foi e, acredito, nem será publicada. De 53 
cartas recebidas na semana de circulação da revista, três cartas 
foram publicadas: a do Sr. Paulo Resende, diretor Executivo da 
Associação dos Proprietários Rurais de Mato Grosso, do Padre Ângelo 
Jayme Venturelli, de Campo Grande, MS e do Sr. André Coelho Barbosa, 
Produtor rural da região de Campo Grande, MS. Como vemos, vozes que 
sempre silenciaram, oprimiram e exploraram os Chiquitano – o Estado, 
a Igreja e o Fazendeiro. Devo esclarecer que outros segmentos da 
Igreja estão na luta em favor dos Chiquitano, representantes da 
Igreja de Cáceres, o CIMI e CNBB de Cuiabá, MT.
Eu e a Ema Marta estudamos a língua Chiquitano em duas comunidades 
brasileiras e nosso trabalho, juntamente com outros estudos 
antropológicos, têm ajudado a provar a permanência desse grupo do 
lado brasileiro antes mesmo da tal delimitação da fronteira entre 
Brasil e Bolívia. Recentemente foi publicado a Identificação da 
primeira Área Indígena Chiquitano no Brasil – Portal do Encantado. 
Isto, de certa forma, "ouriçou" os fazendeiros da região e, de 
quebra, seus amigos políticos, inclusive o Governador do Estado de 
Mato Grosso. Desde então, a guerra contra os Chiquitano brasileiros 
está declarada, políticos têm "montado" audiências públicas e o 
governo do estado ameaça cortar benefícios públicos estaduais para 
as comunidades, inclusive o reconhecimento da escola indígena dessas 
duas comunidades. 
Por isso, aproveitando este nosso espaço de debates e informações, 
procurei informá-los da situação, pois assim acreditamos propagar a 
existência e a luta dos Chiquitano brasileiros.
Um abraço a todos os colegas do grupo... Que o Ano Novo traga novas 
esperanças e conquistas e mais possibilidades de trabalho para e com 
os grupos minoritários.
Áurea Santana

Segue a Carta da colega Ema Marta:

Funai obriga imigrantes a ser índios

Em julho de 2005 (UFG) defendi uma dissertação intitulada: "Vozes 
silenciadas: um estudo sociolingüístico dos Chiquitano do Brasil – 
Acorizal e Fazendinha – MT.  Neste estudo faço uma retrospectiva 
histórica dos Chiquitano do Brasil e da Bolívia que, em virtude da 
disputa entre os coroas portuguesa e espanhola, foi separado, 
ficando uma parcela menor no lado brasileiro, o que é possível 
afirmar que há Chiquitanos aqui no Brasil e na Bolivia; além disso 
analiso as influências externas sofridas por essa etnia que os fez 
silenciar/esconder língua e cultura de modo que fossem aceitos pela 
sociedade não-indígena. 
 Gostaria primeiro de dizer que a Bolívia é um país que tem uma 
população em torno de 70% indígena, e que o fato de ser descendente 
de imigrantes bolivianos, só faz é reforçar a etnicidade chiquitano 
do Brasil. Aliás, nós temos índios brasileiros, bolivianos, 
argentinos, australianos entre outros. Não podemos confundir 
nacionalidade com etnicidade. As fronteiras são invenções de 
políticos.
Ao ler a reportagem da Veja não consegui me conter, pois o que vejo 
escrito é o reflexo de uma injustiça social, entre tantas em relação 
aos povos indígenas, cometidas por uma grande maioria de não-índios. 
Explico: Vale ressaltar que foram muitos os fatores que provocaram 
um "esconder-se" do povo. Poderíamos elencar: a morte de milhares de 
indígenas, a ocupação e usurpação do seu território, a escravidão 
pelos colonizadores, a homogeneização de língua (conflito 
lingüístico) nas missões, cristianização e massacre cultural, o 
posterior contato com os fazendeiros que se apossaram de terras 
próximas para plantar e criar gado, a varíola que também provocou a 
morte e a diminuição do grupo, a escola que também teve um papel 
preponderante para o deslocamento da língua, pois o ensino era feito 
na visão não-indígena – currículo, materiais didáticos, calendário, 
as imagens/mensagens veiculadas pela escola – as atitudes negativas 
em relação aos índios; professores não-índios; a convivência com os 
militares do destacamento que aos poucos fez surgir um conflito 
declarado de poder que faz também que os Chiquitano silenciassem e 
perdessem espaço tanto físico como social; a adjetivação recebida 
por eles, o preconceito da sociedade não-indígena, entre tantos 
outros.
É só ler a reportagem da Veja para perceber os "donos do poder" 
conseguiram, no decorrer da história, negar a existência de um povo, 
de uma cultura, de uma língua, de uma identidade e tudo o mais. Por 
que não quero ser índio se a este praticamente tudo é negado? Se é 
considerado por muitos não civilizado? O boato que se ouve é que 
para ser índios tem de usar penas, andar pelado; estereótipos 
criados no decorrer da história. A quem interessa este tipo de 
discurso. Será que não está na hora de revermos nossos conceitos? 
São brasileiros, são índios, muitos ainda falam a língua chiquitano, 
dançam o corussé, rezam na língua chiquitano e tantas outras 
práticas próprias do povo. É preciso devolver a este povo a auto-
estima e ela começa com a regulamentação de suas terras, pois todo 
povo precisa de um território para tirar sua sustentabilidade, para 
reproduzir-se, para sobrevivência. Com isso será possível reforçar 
as redes sociais desta minoria etno-lingüística: os Chiquitano do 
Brasil. Além disso, é o momento de criar uma política educacional de 
vitalidade lingüística e cultural – antes que mais uma língua se 
perca entre as mais de 1300 já massacradas na história do país – que 
atenda às necessidades de Acorizal e Fazendinha e que possa se 
estender às outras comunidades Chiquitano do Brasil.

Ema Marta Dunck Cintra.  dunck at terra.com.br











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