Cipó kupá: uma planta Jê?

Eduardo Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Mon Nov 7 17:53:05 UTC 2005


Caros colegas,
 Falando ainda de plantas cultivadas, uma outra perspectiva interessante é a
possibilidade de a etnobotânica e ciências afins nos fornecerem elementos
auxiliares para a datação e localização de proto-línguas, por exemplo. Mais
uma vez, o caso do
milho<http://br.groups.yahoo.com/group/etnolinguistica/message/385>é
um exemplo: se palavras para 'milho' podem ser reconstruídas para o
Proto-Arawak e o Proto-Carib, como parece ter sido sugerido, e se a entrada
do milho nas terras baixas na América do Sul pode ser datada, isto ajuda a
ter-se uma idéia da profundidade temporal destas famílias. O exemplo que
apresento a seguir, de uma planta comestível cultivada pelos Jê, pode vir a
ser igualmente interessante.
 Trata-se do cipó kupá, que Marília Ferreira menciona em sua tese sobre o
Parkatêjê. Eu andava desconfiado que a palavra para 'mandioca' em Jê Central
(XER *kupa*, XAV '*upa*) seria cognata desta palavra, e não da palavra para
'mandioca' nas línguas Jê do Norte (que Davis reconstrói, com base somente
em línguas Jê do Norte, como **kwyr*). Agora, relendo a *Suma Etnológica
Brasileira *(vol. 1, Etnobiologia, 1987), encontrei uma descrição muito útil
do cipó kupá, em um artigo de Warwick E. Kerr ("Agricultura e seleções
genéticas de plantas", 159-171). Pelo visto, o *kupá* tem mesmo várias
semelhanças com a mandioca, o que corrobora a hipótese de que as palavras
para 'mandioca' em Xerente e Xavante têm a mesma origem que as palavras que,
nas línguas Jê do Norte, designam o cipó kupá.
 *Descrição do kupá. *Como talvez seja do interesse de outros membros do
grupo, transcrevo integralmente abaixo o trecho do artigo que trata do cipó
cupá. Uma fotografia desta planta, extraída do artigo de Kerr, pode ser
vista em http://www.geocities.com/macroje/kupa.jpg.

> [p. 169]
>   "*Cupá *(*Cissus gongylodes* Burch, ex-Baker)
>  O cupá é um cipó da família *Vitaceae* que deve ter sido domesticado há
> no máximo 1.000 anos, uma vez que é conhecido por muito poucas tribos
> (Kayapó, Xerente e Timbíra). Nimuendaju (1946), primeiro antropólogo a
> descrevê-lo entre os Timbíra, bem como Arnaud (1976), acreditam que se trata
> de uma planta tradicional dos grupos Jê setentrionais. A variedade selvagem
> alcança no máximo 1cm de diâmetro enquanto que a melhorada pelos índios
> chega a ter 8cm. É uma verdadeira mandioca arbórea, plantada igualmente por
> meio de manivas (Kerr et alii 1978). Os Kayapó cultivam três variedades: o
> cupá branco (cupá jaca) que é o mais grosso (fig. 9<http://www.geocities.com/macroje/kupa.jpg>),
> o amarelo (*kupá ngrâ ñicá*) e o de casca vermelha (*kupá kamrek*).
> Enterram a maniva verticalmente numa extensão de 20cm, deixando outro tanto
> para fora, geralmente encostado numa árvore.
>  [p.170]
>  Consomem-no assado ou cozido, mas somente os velhos, porque os jovens
> crêem que ficariam com a pele enrugada como a casa do cupá. Esta compreende
> 35% do tubérculo que tem gosto de macaxeira. A umidade do âmago (parte
> comestível) é de 73% a 77%. Contém 1,2% de proteína, 18% de carbohidratos e
> 1% de gordura.
>  Cupá significa matar, em língua Kayapó. Os índios afirmam que o cupá mata
> as árvores sobre as quais sobe, uma vez que produz uma folhagem espessa que
> as cobre por inteiro. Ao derrubarem uma roça deixam alguns pés junto aos
> quais plantam o cupá."
>
  *Nimuendaju e o kupá.* Curt Nimuendaju é provavelmente o autor que mais
enfatiza a importância cultural do kupá entre vários povos Jê. Eis o que ele
diz, em *The Eastern Timbira* (1946, p. 59):

> "Ethnographically, however, the kupá is the most important of Timbira
> cultivated species. This creeper ( *Cissus *sp.) has starchy tendrils,
> which attain the thickness of an inch and are baked in earth ovens. It does
> not occur wild; is restricted, so far as my information goes, to the Eastern
> and Western Timbira and the Šerénte, all of them Gê tribes; and is
> pronouncedly xerophil. Accordingly, it is probably a very old cultivated
> species peculiar to these tribes, which could not have borrowed it from
> either Neobrazilians or any of their present Indian neighbors."

 [A informação de Kerr sugere que variedades selvagens do *kupá* de fato
existem, ao contrário do que Nimuendaju parece sugerir na passagem acima.]
Mas o que é importante aqui é o quanto este cipó parece ser importante na
agricultura [de pelo menos grande parte] dos Jê do Norte (e pelo menos parte
dos Jê Centrais). Além dos Timbira Orientais, dos Xerente e dos Kayapó, o *
kupá* parece ter ocorrido também entre os Apinajé, segundo Nimuendaju ( *Os
Apinajé*, 1983, p.69), se bem que seu plantio estaria aparentemente em
desuso já então:

> "A antiga e típica planta de cultivo dos Timbíra, Kayapó e Xerénte, a *
> kupá* (*Cissus sp.*), hoje só excepcionalmente é cultivada."

As implicações disto para o estudo lingüístico comparativo são
interessantes. Se a palavra ocorre, como parece ser o caso, em línguas Jê
Centrais e Jê Setentrionais (que, juntas, formam um subgrupo dentro da
família Jê, o Jê Amazônico*), seria possivelmente reconstruível para o
Proto-Jê Amazônico. E se esta é uma planta restrita aos Jê Setentrionais e
Centrais, é possível que tenha sido domesticada exatamente pelos falantes de
Proto-Jê Amazônico. Se é possível datar-se, de maneira aproximada, a
domesticação de plantas e determinar-se o provável local de domesticação,
isto poderia fornecer subsídios interessantes para a datação e localização
dos falantes de Proto-Jê Amazônico.
A estimativa de Kerr ("deve ter sido domesticado há no máximo 1.000 anos")
seria razoavelmente consistente com as estimativas de Urban quanto à
separação entre Jê Central e do Norte (Greg Urban, 'A história da cultura
brasileira segundo as línguas nativas'. In *História dos Índios no
Brasil*(org. por Manuela Carneiro da Cunha, 1998. 2a. edição, p.
87-102).
 Alguém saberia se esta planta é cultivada por outros povos indígenas?
Alguém poderia me informar onde obter informações adicionais sobre sua
distribuição (tanto das variedades cultivadas, quanto das selvagens)? Como
seria designado o cipó kupá em Xerente? Ocorreria também entre os Xavante?
Ocorreria entre outros povos Jê Setentrionais, como os Panará e Suyá?
 Desde já, muito obrigado por qualquer contribuição.
 Abraços,
 Eduardo
 *'Amazônico' aqui, naturalmente, refere-se à localização atual dos povos de
línguas Jê Setentrionais e Centrais, cujos territórios em sua maioria
encontram-se em áreas banhadas por rios da Bacia Amazônica. Não se refere,
naturalmente, a sua localização original, que é exatamente o que se está
tentando determinar com precisão.
 **Uma outra possibilidade é que o termo **kupa* teria se referido
originalmente à mandioca, sendo aplicado posteriormente para se referir ao
cipó kupá. Para ajudar a resolver esta questão, seria interessante saber
como se chamaria o cipó kupá em Xerente (e, quem sabe, em Xavante). Eu não
tenho aqui comigo, infelizmente, o livro *The Serente*, de Nimuendaju (onde
é possível que ele mencione este termo).
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Eduardo Rivail Ribeiro
Museu Antropológico, Universidade Federal de Goiás
Grupo de Pesquisa "Estudos Histórico-Comparativos Macro-Jê"
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