Cenário Indígena Brasileiro

Renato Athias renato.athias at GMAIL.COM
Thu Jul 13 18:14:12 UTC 2006


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O Cenário Indígena Brasileiro e a Atuação Missionária Evangélica



Por Ronaldo Lidorio

30/03/06

Nos últimos 500 anos o pensamento coletivo brasileiro não mudou a ponto de
gerar uma diferença visível em termos de abordagem e interação com o
indígena e sua sociedade. No cenário leigo o índio ainda é visto por alguns
como selvagem, por vezes como herói, ignorante ou, ainda, como representante
de uma cultura superior e pura. Poucos pararam para escutá-lo nos últimos
cinco séculos, e havia muito a ser dito.

No meio acadêmico fala-se sobre a desmistificação da identidade indígena.
Creio que precisamos primeiramente desmistificar a nós mesmos, repensar
nossas expectativas em relação a essa sociedade com a qual convivemos por
séculos sem compreendê-la, e passar a interpretá-la de forma igualitária na
dignidade e respeitosa nas diferenças.

Calcula-se que havia 1,5 milhão2 de indígenas no Brasil do século 16, os
quais, irreparavelmente, somam hoje não mais de 350 mil. Infelizmente essa
realidade etnofágica vai muito além das estatísticas e das palavras, pois é
composta por faces, vidas, histórias e culturas milenares, as quais têm
sofrido ao longo dos séculos a devassa dos conquistadores, a forte imposição
socioeconômica e perdas sociais tremendas. Permita-me redefinir os termos
desta afirmação. Os conquistadores não são os outros. Somos nós.

A sociedade indígena ainda vive hoje sob o perigo de extinção. Não
necessariamente extinção populacional, mas igualmente severa, quando se
perde língua, história, cultura e direito de ser diferente e pensar
diferente convivendo em um território igual.

Segundo Lévy-Strauss, a perda lingüística é um dos sinais de declínio de
identidade étnica e decadência de uma nação. Ao observarmos tal sinal,
percebemos quão desolador é o cenário.  Michael Kraus afirma que 27% das
línguas sul-americanas não são mais aprendidas pelas crianças. 3 Isso
significa que um número cada vez maior de crianças indígenas perde seu poder
de comunicação a cada dia.

Aryon Rodrigues estima que, na época da conquista, eram faladas 1.273línguas,
4 ou seja, perdemos 85% de nossa diversidade lingüística em 500 anos.
Luciana Storto chama a atenção para o Estado de Rondônia, onde 65% das
línguas estão seriamente em perigo por não serem mais aprendidas pelas
crianças e por terem um ínfimo número de falantes.

Precisamos perceber que a perda lingüística está associada a perdas
culturais complexas, como a transmissão do conhecimento, formas artísticas,
tradições orais, perspectivas ontológicas e cosmológicas. No processo de
transição, quando a língua materna cai em desuso, normalmente há o que
podemos chamar de "geração perdida": um vácuo cultural atinge uma geração
inteira. Ou seja, no processo de perda lingüística e migração para o
português, os grupos indígenas passam por um processo de adaptação quando já
não têm mais fluência na língua materna nem aprenderam o suficiente o
português para uma comunicação mais profunda. Tal processo em média não dura
menos que três décadas. Esse é um momento de perigo, em que a identidade
indígena é autoquestionada e muitos valores e, sobretudo, seu poder de
comunicação e transmissão de conhecimento são perdidos. Perdem-se também os
sonhos.

Na tentativa de repensar a realidade de nossos irmãos indígenas é preciso
filtrar a informação sobre a atuação missionária evangélica em relação a
eles. A contribuição evangélica, na tentativa de relacionamento com a
sociedade indígena nacional, teve início com a influência holandesa no
século 16 e permanece hoje representada por um grande número de organizações
que tenta reduzir os prejuízos sofridos. Isso se traduz em um sem-número de
biografias daqueles que deram a vida, na impossibilidade de darem mais, para
minimizar alguns dos efeitos do extermínio social indígena de séculos.

Dentro de um vasto universo de ações sociopolíticas percebemos que a força
evangélica missionária se destacou especialmente em três áreas: preservação
lingüística (com a grafia e conseqüente preservação de diversas línguas — e
muito ainda está sendo feito); educação (tanto na língua materna, com forte
destaque, quanto na educação formal em programas governamentais); e saúde
(tanto de base, nas comunidades, quanto também organizacional, em clínicas e
hospitais). Permita-me pontuar: o evangelho jamais será motivo de alienação
social ou imposição de credo. É, ao contrário, motivação para uma contínua
tentativa de se recuperar as perdas humanas nos segmentos mais sofridos.

Ainda há muito a ser feito. É necessário caminhar.

Notas
[1] FONSECA, Ernesto. *Breve história da colonização*. Lisboa: 1897.
2 Antropólogos da  ALAB  falam em 5 milhões.
3 KRAUSS, Michael. *The world's languages in crisis*.
4 RODRIGUES, Aryon. Línguas indígenas — 500 anos de descobertas e perdas.
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