Missionários, lingüística indígena e a bíblia

Eduardo Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Fri Oct 5 23:34:42 UTC 2007


Caros colegas,

A mensagem do Sandro tem o mérito de ampliar a discussão. Afinal, a atuação
de lingüistas missionários é apenas uma faceta das relações entre
pesquisadores em geral e as comunidades indígenas (e, não menos importante,
o papel histórico do Estado e da própria academia). Se queremos avaliar
estas questões de maneira racional, é bom que levemos em consideração os
fatos e nos abstenhamos de alusões históricas pouco relevantes. Falar da
inquisição, mencionar os crimes cometidos em nome de Deus, pode até vir ao
caso, se estamos prontos para admitir também que alguns dos piores crimes
dos últimos séculos foram cometidos em nome da ciência (ou pseudo-ciência).
Fanatismo, seja com verniz religioso ou científico, é sempre uma má idéia.

Criticar missionário é tarefa fácil. Mais fácil ainda (dado o ambiente
favorável) é formar um coro anti-missionário, com palavras de ordem, "fora
isso", "basta daquilo", à la PC do B. Mas não nos esqueçamos que esta é uma
lista de discussão sobre o estudo científico de línguas indígenas; eu, como
assinante da lista, esperaria que cada mensagem contribuísse com um mínimo
de informação adicional, que seja relevante para os demais usuários.
Opiniões são, naturalmente, bem vindas, mas é bom que sejam motivadas por
preocupações concretas, calcadas na experiência profissional de cada um
(como Renato Athias, em sua mensagem original, fez). Uma aversão pessoal,
pura e simples, a missionários, ou à religião, não seria razão suficiente.
Do contrário, corremos o risco de cairmos no simplismo -- que é,
infelizmente, o rumo que esta "discussão" está tomando, na minha opinião.

Lamentar que as culturas indígenas estejam mudando é ignorar o óbvio: toda e
qualquer cultura muda (e tentativas de mantê-las puras facilmente descambam
para o fascismo). Por mais paradoxal que isto pareça, mudança pode ser um
sinal de vitalidade cultural. Basta dar uma olhada nos vários empréstimos
pré-colombianos espalhados pelas línguas do continente para ver que, por
mais "isoladas" que tais culturas fossem, sempre havia intercâmbios
culturais -- e, com eles, mudança. Lamentável é quando tais mudanças se dão
por imposição, seja à força de armas ou do poderio econômico. Neste caso, a
principal crítica que tenho com relação aos missionários diz respeito ao seu
oportunismo: acabam se beneficiando das vicissitudes históricas dos índios
(massacres, doenças, penúria, descaso das autoridades) para atingir seus
objetivos. O que aconteceria se ambas as culturas se encarassem como iguais?

Uma questão que considero interessante, no caso de traduções bíblicas, diz
respeito ao grau de adaptação cultural alcançado (ou alcançável). Imagino
que, entre os evangélicos, haveria pouco espaço para isto, embora eu
desconheça as possíveis regras que norteiam seus esforços de tradução
(alguém saberia?). E como os textos são traduzidos por missionários
estrangeiros, vindos de uma tradição cultural completamente alheia, o texto
bíblico acaba sendo uma espécie de aberração -- uma pereba cultural,
digamos. Este parece ser o cenário mais comum, mas estou interessado em
exemplos de um cenário alternativo: traduções, parciais que sejam, feitas
espontaneamente por falantes nativos (sem a coordenação de indivíduos
alheios à comunidade). Haveria exemplos deste tipo, no caso das Américas?

Abraços,

Eduardo
(http://kawina.wordpress.com)


On 10/4/07, C. Sandro Campos <csampos at yahoo.de > wrote:
>
>   Ainda apenas para botar mais lenha na fogueira que acenderam, gostaria
> de fazer uma pergunta que não me deixa em paz: a presença intensa de
> pesquisadores em áreas indígenas, a profusão de projetos  sobre vários temas
> propostos aos índios, criação de cursos universitários, surgimento de cargos
> remunerados de professores nas aldeias, manejo com câmeras, encontros
> indígenas, além do surgimento entre os índios de uma espécie de filosofia de
> levar vantagem em tudo (conseqüência talvez das nossas constantes e
> lucrativas ofertas) não são também tão nefastos quanto a tentativa por
> missionários de levar aos índios "a mensagem de Deus"? Faço a comparação
> porque, como vejo,  também essas ações que fazemos acontecer descaracterizam
> a cultura e a rotina dos índios...
> Adianto que não sou religioso e muito menos missionário, quero apenas
> debater sobre o tema de modo mais crítico.
> Aguardo...
>
> *Valdir Vegini < vvegini at gmail.com> * schrieb:
>
>  Apenas para botar mais lenha na fogueira, aqui força de expressão e não
> aquele método milhares de vezes utilizado pelos catesquisas durante longo
> período da cristianização das almas atéias: quando Colombo chegou
> às Índias Ocidentais notou que os "selvagens" viviam em harmonia e felizes,
> mas faltava-lhes a conversão ao cristianismo!  Pra quê? Recentemente, o
> banzer do Vaticano afirmou  os indígenas foram atraídos e não catequisados.
> Alguém ainda acredita nisso além dos vaticanólogos??????????
>
> Em 01/10/07, Victor A. Petrucci <vicpetru at hotmail.com> escreveu:
> >
> >   Caros Amigos Listeiros
> >
> > Mais de uma vez pronunciei-me sobre a presença de missionários em
> > terras indígenas e quanto mais leio e pesquiso mais tenho certeza de
> > que isso é inaceitável. A tentatíva espúria de substituir o Estado, de
> > dar apoio às carências de nossos irmãos indígenas é apenas a cunha
> > para dominá-los com as idéias também espúrias de um deus alienígena.
> >
> > É necessário nos posicionarmos claramente sobre isso.
> >
> > Defender suas culturas, preservar suas línguas são ações incompatíveis
> > com um trabalho missionário catequético. Sabemos que essa catequese é
> > radical e interfere profundamente na vida das comunidades.
> >
> > Veja o trecho de uma brilhante tese de mestrado recentemente divulgada
> > em nossa lista, dedicada ao estudo da fonologia Taurepang, que nos dá
> > um exemplo real do que ocorre:
> >
> > "2.5 - A evangelização e sua importância na vida dos índios Taurepang"
> >
> > "No que se refere à religião, os Taurepang do lado brasileiro são
> > praticantes da religião Adventista do Sétimo Dia. Os dias de sábado
> > são guardados zelosamente para a prática do culto, que ocorrem em
> > língua indígena e em português ou espanhol, dependendo da competência
> > comunicativa dos falantes. A vida deste grupo está marcada pelas
> > outrinas e atividades da igreja. Da mesma forma, os hábitos
> > Alimentícios são orientados por meio da religião. A prática adventista
> > proíbe-lhes a pajelança, antiga prática xamanística anterior ao
> > contato com os missionários, que consiste na invocação dos espíritos
> > para promover um ato de cura..."
> >
> > KATIA NEPOMUCENO PESSOA (2006 - RECIFE)
> >
> > FONOLOGIA TAUREPANG E COMPARAÇÃO PRELIMINAR DA FONOLOGIA DE LÍNGUAS DO
> > GRUPO PEMÓNG (FAMÍLIA CARIBE
> >
> > Katia parabéns por sua coragem de tocar no assunto.
> >
> > Exemplos como este existem às centenas. Alguém pode imaginar uma
> > cultura sem pajelança? O que significa uma comunidade indígena com
> > regras alimentares impostas sem respeito? O que significa ter que
> > banhar-se com roupa como os amigos citaram em mensagens anteriores? O
> > que significa a presença nefasta de missionários no dia a dia das
> > comunidades?
> >
> > Até quando vão nos empulhar com pílulas douradas quando vemos que as
> > culturas estão sendo destruídas por fanáticos religiosos. Onde está a
> > FUNAI que não aplica seus próprios estatutos?
> >
> > Nossa mensagem frente a tais agressões e violações dos direitos
> > indígenas é uma só e volto a repetí-la nesta lista:
> >
> > FORA COM A INTERFERÊNCIA RELIGIOSA NAS ÁREAS INDÍGENAS.
> >
> > Estudar língua e cultura indígena é incompatível com alteração de
> > costumes da comunidade.
> >
> > Um abraço a todos.
> >
> > Victor A. Petrucci
> >
> >
>
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