Mission ários, lingüístic a indígena e a bíblia

joao at JANDRADES.COM.BR joao at JANDRADES.COM.BR
Mon Oct 8 23:14:27 UTC 2007


Caríssimos,

Sobre toda esta discusão, crei que o único consenso seja que não vivemos em um mundo estático, tudo está em movimento e as sociedades indígenas fazem parte deste todo. Lembro-me que nesta lista foi comemorado o fato de termos o primeiro indígena Doutor em Letras ou Lingüística, ora, este universo científico também não fazia parte do mundo indígena e agora faz. Assim como, antes, não existiam índios missionários e agora há, entretanto, este fato nós não comemoramos, apenas rechaçamos.
Diante disto, creio que haja uma certa falta de reflexão sobre o nosso próprio trabalho junto a essas comunidades.
Respondendo a questão do Eduardo existe entre os Wapixana de Roraima um senhor wapixana, que hoje deve estar com 87 anos, que traduziu o novo testamento para a língua wapixana. Não tenho elementos para dizer se a tradução é boa ou ruim, só sei que a base para a tradução foi uma edição de bolso feito para os jovens de linguagem bem simplificada. Como resultado, independente das quentões religiosas, temos um imenso inventário lingüístico (wapixana) reunindo mais de 300 páginas, que podem dar margem a diversas análises, lingüísticas, antropológicas, etc.

Abraços 

João Paulo Jeannine A. Carneiro  

  ----- Original Message ----- 
  From: Eduardo Ribeiro 
  To: etnolinguistica at yahoogrupos.com.br 
  Sent: Friday, October 05, 2007 8:34 PM
  Subject: [etnolinguistica] Missionários, lingüística indígena e a bíblia


  Caros colegas,

  A mensagem do Sandro tem o mérito de ampliar a discussão. Afinal, a atuação de lingüistas missionários é apenas uma faceta das relações entre pesquisadores em geral e as comunidades indígenas (e, não menos importante, o papel histórico do Estado e da própria academia). Se queremos avaliar estas questões de maneira racional, é bom que levemos em consideração os fatos e nos abstenhamos de alusões históricas pouco relevantes. Falar da inquisição, mencionar os crimes cometidos em nome de Deus, pode até vir ao caso, se estamos prontos para admitir também que alguns dos piores crimes dos últimos séculos foram cometidos em nome da ciência (ou pseudo-ciência). Fanatismo, seja com verniz religioso ou científico, é sempre uma má idéia. 

  Criticar missionário é tarefa fácil. Mais fácil ainda (dado o ambiente favorável) é formar um coro anti-missionário, com palavras de ordem, "fora isso", "basta daquilo", à la PC do B. Mas não nos esqueçamos que esta é uma lista de discussão sobre o estudo científico de línguas indígenas; eu, como assinante da lista, esperaria que cada mensagem contribuísse com um mínimo de informação adicional, que seja relevante para os demais usuários. Opiniões são, naturalmente, bem vindas, mas é bom que sejam motivadas por preocupações concretas, calcadas na experiência profissional de cada um (como Renato Athias, em sua mensagem original, fez). Uma aversão pessoal, pura e simples, a missionários, ou à religião, não seria razão suficiente. Do contrário, corremos o risco de cairmos no simplismo -- que é, infelizmente, o rumo que esta "discussão" está tomando, na minha opinião. 

  Lamentar que as culturas indígenas estejam mudando é ignorar o óbvio: toda e qualquer cultura muda (e tentativas de mantê-las puras facilmente descambam para o fascismo). Por mais paradoxal que isto pareça, mudança pode ser um sinal de vitalidade cultural. Basta dar uma olhada nos vários empréstimos pré-colombianos espalhados pelas línguas do continente para ver que, por mais "isoladas" que tais culturas fossem, sempre havia intercâmbios culturais -- e, com eles, mudança. Lamentável é quando tais mudanças se dão por imposição, seja à força de armas ou do poderio econômico. Neste caso, a principal crítica que tenho com relação aos missionários diz respeito ao seu oportunismo: acabam se beneficiando das vicissitudes históricas dos índios (massacres, doenças, penúria, descaso das autoridades) para atingir seus objetivos. O que aconteceria se ambas as culturas se encarassem como iguais? 

  Uma questão que considero interessante, no caso de traduções bíblicas, diz respeito ao grau de adaptação cultural alcançado (ou alcançável). Imagino que, entre os evangélicos, haveria pouco espaço para isto, embora eu desconheça as possíveis regras que norteiam seus esforços de tradução (alguém saberia?). E como os textos são traduzidos por missionários estrangeiros, vindos de uma tradição cultural completamente alheia, o texto bíblico acaba sendo uma espécie de aberração -- uma pereba cultural, digamos. Este parece ser o cenário mais comum, mas estou interessado em exemplos de um cenário alternativo: traduções, parciais que sejam, feitas espontaneamente por falantes nativos (sem a coordenação de indivíduos alheios à comunidade). Haveria exemplos deste tipo, no caso das Américas?

  Abraços,

  Eduardo
  (http://kawina.wordpress.com)




  On 10/4/07, C. Sandro Campos <csampos at yahoo.de > wrote:
    Ainda apenas para botar mais lenha na fogueira que acenderam, gostaria de fazer uma pergunta que não me deixa em paz: a presença intensa de pesquisadores em áreas indígenas, a profusão de projetos  sobre vários temas propostos aos índios, criação de cursos universitários, surgimento de cargos remunerados de professores nas aldeias, manejo com câmeras, encontros indígenas, além do surgimento entre os índios de uma espécie de filosofia de levar vantagem em tudo (conseqüência talvez das nossas constantes e lucrativas ofertas) não são também tão nefastos quanto a tentativa por missionários de levar aos índios "a mensagem de Deus"? Faço a comparação porque, como vejo,  também essas ações que fazemos acontecer descaracterizam a cultura e a rotina dos índios... 
    Adianto que não sou religioso e muito menos missionário, quero apenas debater sobre o tema de modo mais crítico. 
    Aguardo...

    Valdir Vegini < vvegini at gmail.com> schrieb:

      Apenas para botar mais lenha na fogueira, aqui força de expressão e não aquele método milhares de vezes utilizado pelos catesquisas durante longo período da cristianização das almas atéias: quando Colombo chegou às Índias Ocidentais notou que os "selvagens" viviam em harmonia e felizes, mas faltava-lhes a conversão ao cristianismo!  Pra quê? Recentemente, o banzer do Vaticano afirmou  os indígenas foram atraídos e não catequisados. Alguém ainda acredita nisso além dos vaticanólogos?????????? 


      Em 01/10/07, Victor A. Petrucci <vicpetru at hotmail.com> escreveu: 
        Caros Amigos Listeiros

        Mais de uma vez pronunciei-me sobre a presença de missionários em 
        terras indígenas e quanto mais leio e pesquiso mais tenho certeza de
        que isso é inaceitável. A tentatíva espúria de substituir o Estado, de 
        dar apoio às carências de nossos irmãos indígenas é apenas a cunha
        para dominá-los com as idéias também espúrias de um deus alienígena.

        É necessário nos posicionarmos claramente sobre isso.

        Defender suas culturas, preservar suas línguas são ações incompatíveis 
        com um trabalho missionário catequético. Sabemos que essa catequese é 
        radical e interfere profundamente na vida das comunidades. 

        Veja o trecho de uma brilhante tese de mestrado recentemente divulgada
        em nossa lista, dedicada ao estudo da fonologia Taurepang, que nos dá 
        um exemplo real do que ocorre:

        "2.5 - A evangelização e sua importância na vida dos índios Taurepang" 

        "No que se refere à religião, os Taurepang do lado brasileiro são
        praticantes da religião Adventista do Sétimo Dia. Os dias de sábado 
        são guardados zelosamente para a prática do culto, que ocorrem em
        língua indígena e em português ou espanhol, dependendo da competência
        comunicativa dos falantes. A vida deste grupo está marcada pelas
        outrinas e atividades da igreja. Da mesma forma, os hábitos 
        Alimentícios são orientados por meio da religião. A prática adventista 
        proíbe-lhes a pajelança, antiga prática xamanística anterior ao
        contato com os missionários, que consiste na invocação dos espíritos
        para promover um ato de cura..." 

        KATIA NEPOMUCENO PESSOA (2006 - RECIFE) 

        FONOLOGIA TAUREPANG E COMPARAÇÃO PRELIMINAR DA FONOLOGIA DE LÍNGUAS DO
        GRUPO PEMÓNG (FAMÍLIA CARIBE

        Katia parabéns por sua coragem de tocar no assunto.

        Exemplos como este existem às centenas. Alguém pode imaginar uma 
        cultura sem pajelança? O que significa uma comunidade indígena com
        regras alimentares impostas sem respeito? O que significa ter que
        banhar-se com roupa como os amigos citaram em mensagens anteriores? O 
        que significa a presença nefasta de missionários no dia a dia das 
        comunidades?

        Até quando vão nos empulhar com pílulas douradas quando vemos que as
        culturas estão sendo destruídas por fanáticos religiosos. Onde está a 
        FUNAI que não aplica seus próprios estatutos?

        Nossa mensagem frente a tais agressões e violações dos direitos
        indígenas é uma só e volto a repetí-la nesta lista: 

        FORA COM A INTERFERÊNCIA RELIGIOSA NAS ÁREAS INDÍGENAS. 

        Estudar língua e cultura indígena é incompatível com alteração de
        costumes da comunidade.

        Um abraço a todos.

        Victor A. Petrucci








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