Imprensa: "Amazônia fala 120 línguas indígenas"

Eduardo Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Thu Jan 10 18:44:51 UTC 2008


Transcrevo abaixo matéria publicada há algum tempo no site da Agência
Amazônia (
http://www.agenciaamazonia.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1529&Itemid=112).
Entre outros fatos interessantes, a matéria menciona a importância dos dados
do Arikapú (que conta com apenas dois falantes) para a confirmação da
hipótese de inclusão da família lingüística Jabuti no tronco Macro-Jê
(demonstrada recentemente em estudo comparativo desenvolvido por mim e Hein
van der Voort).

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*Amazônia fala 120 línguas indígenas*

*Segundo o Museu Goeldi,  68% das línguas indígenas tinham pouco estudo ou
nenhum trabalho científico.*

TIAGO ARAÚJO (*)


Quando se fala em extinção, relacionamos imediatamente esse termo com
espécies de fauna e flora. Entretanto, pouco se sabe sobre outras "espécies"
que também estão seriamente ameaçadas: as línguas indígenas.

O Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), a mais antiga instituição de pesquisa
da Amazônia, foi a pioneira no estudo de etnias indígenas na região. Esse
trabalho transformou a instituição em uma referência mundial quando o
assunto é lingüística indígena.

Apesar das dificuldades em obter dados precisos sobre o número atual de
línguas e falantes indígenas existentes, existem alguns levantamentos sobre
a situação lingüística no País. Em um desses trabalhos, Denny Moore,
pesquisador da área de lingüística da Coordenação de Ciências Humanas do
MPEG, fez um levantamento da situação das línguas indígenas brasileiras em
2000. Os resultads indicam que há em torno de 154 línguas indígenas
distintas (exceto dialetos da mesma língua ou nomes de entidades tribais) no
Brasil, sendo que 120 são faladas na Amazônia.

Os dados obtidos mostraram que 68% das línguas indígenas tinham pouco estudo
ou nenhum trabalho científico relacionado.  Isso mostra que existe muito
trabalho lingüístico para ser feito — e rápido!  O mesmo levantamento
identificou 36 das 154 línguas como em perigo de extinção imediata, por
apresentar tanto um número de falantes reduzido quanto falta de transmissão
à geração jovem. Dessas línguas, 33 são faladas na Amazônia.

O desaparecimento de línguas indígenas é uma grande perda para as
comunidades nativas. Afinal, elas são os meios de transmissão da cultura e
pensamento tradicionais e uma parte importante da identidade étnica.  Todas
as línguas têm valor científico, mesmo as que têm poucos falantes.  Por
exemplo, com base em um estudo da língua Arikapú, com somente dois falantes,
foi descoberto recentemente que a família lingüística Jabutí pertence ao
chamado "tronco lingüístico Macro-Jê".

O que isso significa? Quer dizer que este tronco importante se estendeu ao
sul de Rondônia mais de 2.000 anos atrás, forçando uma revisão das idéias
sobre a pré-história dos povos Macro-Jê.  Conclusão: o estudo de uma língua
indígena é importantíssimo, sobre diversos aspectos.

*Como se preserva uma língua?*

A maneira tradicional de descrever uma língua é elaborar uma gramática da
mesma (fonética, fonologia, morfologia e sintaxe), um dicionário e uma
coletânea de textos. Recentemente, foram desenvolvidos novos métodos de
documentação das línguas, focalizados na gravação de amostras, digitalização
e anotação das gravações e no seu uso para revitalização da língua.  Estas
gravações e as suas anotações têm que ser guardadas permanentemente em
arquivos lingüísticos, como o que está presente na Coordenação de Ciências
Humanas do MPEG, com diversos arquivos de áudio e vídeo.

Quais as chances de se manter ou revitalizar uma língua indígena? Quando uma
língua possui pouquíssimos falantes, como a Xipáya no estado do Pará, que
tem somente duas falantes idosas, é impossível imaginar que a comunidade
volte a usar o idioma de seus ancestrais para se comunicar. Porém, mesmo
nestes casos, uma documentação que preserve o conhecimento existente tem
valor para a comunidade, como parte da sua herança cultural e identidade.

Quando há um número razoável de falantes de uma determinada língua indígena
e vontade de transmiti-la às crianças da comunidade, podem ser colocados em
prática diversos métodos de revitalização do idioma:

Ninho de Linguagem: crianças pequenas (que aprendem línguas sem esforço)
passam tempo com os avôs, que falam somente a língua materna.

Mestre e Aprendiz: um falante assume a responsabilidade de ensinar a um
jovem na língua.

Imersão: durante um certo período a comunidade ou uma parte da comunidade
fala somente na língua e os não falantes têm que adquirir um mínimo da
língua para participar.

Alfabetização na Língua Materna: materiais escritos na língua geralmente
aumentam o prestígio da mesma e chamam a atenção da geração mais jovem.

Gravações de Documentação: música, narrativas tradicionais e outros
materiais podem ser gravados e devolvidos à comunidade para familiarizar os
ouvintes, especialmente os jovens, com a língua e com as tradições.

*Sakurabiat, de Rondônia*

Um exemplo de trabalho de revitalização de uma língua indígena foi o
lançamento do livro Narrativas Tradicionais Sakurabiat Mayãp Ebõ, em 2006.
Editado com o objetivo de registrar e ajudar a revitalizar a língua do povo
indígena Sakurabiat, de Rondônia, o livro é uma rica coletânea bilíngüe
multimídia.

Com 276 páginas e um CD-Rom, reúne 25 histórias de cunho moral com as
principais lendas mitológicas da etnia, além de dados lingüísticos e
etnográficos do grupo, ilustrações feitas por crianças da aldeia e ainda
imagens e trechos gravados das narrativas Sakurabiat.

O trabalho é fruto de mais de uma década de estudos da pesquisadora do MPEG
Ana Vilacy Galucio, através do programa de documentação científica das
línguas amazônicas desenvolvido pelo Museu Goeldi. O trabalho motivou toda a
comunidade Sakurabiat remanescente a valorizar novamente a língua e a
cultura do grupo.

*Futuro da lingüística*

Desenvolver lingüística indígena na Amazônia é um grande desafio. Tendo isso
em vista, a partir década de 1980 o Museu Goeldi investiu em seu programa de
lingüística.  O problema na época, que ainda persiste, é a falta de
mão-de-obra: lingüistas bem qualificados que conseguem estudar línguas
indígenas in loco na Amazônia.

É uma tarefa complexa, que exige conhecimento de todas as sub-áreas da
lingüística, além de habilidade de lidar com falantes indígenas e processar
e analisar dados originais. A estratégia adotada foi selecionar alunos para
receber treinamento em análise básica e métodos de campo e seguir para uma
pós-graduação nos melhores centros nacionais e internacionais.

Até agora, 18 bolsistas do Goeldi entraram diretamente na pós-graduação em
lingüística, dos quais 14 no exterior.  Desses, uma dúzia já se doutoraram.

Dos 17 especialistas funcionários de instituições amazônicas brasileiras que
são analistas ativos com línguas indígenas e que têm um doutorado
reconhecido, oito passaram pelo Museu Goeldi, que tem, então, um papel
importante em termos de capacitação de lingüistas para a Amazônia.  Vários
ex-bolsistas da Área de Lingüística do Museu Goeldi, junto com lingüistas
afiliados ao MPEG para fazer pesquisas, fazem parte do grupo de pesquisa
registrado no CNPq, Grupo de Estudos de Línguas Indígenas do Goeldi, o maior
e mais qualificado grupo de pesquisa em línguas indígenas do País.


(*) O jornalista trabalha na Agência Museu Goeldi. Colaboraram na
reportagem: Ana Vilacy Galucio, Geiva Pianco e Denny Moore (CCH/MPEG).
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