sobre o Tupinamb á <ç>

Wolf Dietrich dietriw at UNI-MUENSTER.DE
Sat Mar 5 11:38:52 UTC 2011


Caro Eduardo,

A continuação da história fonologica ou da fonologia histórica refere-se à
pronúncia dos grafemas <ç> e <c>.na tradição ortográfica do português, de
outras línguas românicas e do Tupinambá: o português medieval tinha /ts/
grafiado <ç> em palavras como braço (< latim brachium), paço (< lat.
palatium), faça (< lat. faciat), mas também em conhecer (< lat. co(g)noscere),
céu (< lat. caelum), cinco (< latim vulgar *tsinke < latim clássico quinque),
etc. A africada /ts/ simplificou-se em /s/, isto é coincidiu com o fonema /s/
<ss> já existente (come em "fosse", "chegasse", "passar", etc.). Na grafia
portuguesa manteve-se a grafia <ç> para garantir a pronúncia surda - que a
grafia <s> em posição intervocálica não teria garantido. Passar a grafia <ss>,
provávelmente chocava a tradição latinizante da ortografia. A coincidência
começou no sul de Portugal, estendendo-se até a região lisboense, a finais do
século XIII.

Segundo os estudos iniciados por Aryon Rodrigues, o Tupinambá caraterizava-se
pela evolução do fonema */ts/ do Proto-Tupi-Guarani reconstruido a /s/. A
despeito disso, encontramos a grafia <ç> em Anchieta, no Vocabulário na Língua
Brasílica e  ainda no Dicionario Portuguez-Braziliano de 1795. Parece-me
provável que a grafia <ç> se considerasse, apesar de ser unívoca, como mais
elegante que <s> ou <ss> para o Tupinambá.
Não acho plausível a teoria do Mansur Guérios já que está em contradição com
os fatos linguísticos da história do português. Dado o peso de Lisboa e do sul
de Portugal na emigração portuguesa ao Brasil, é pouco provável que a
pronúncia da africada /ts/ tenha chegado ao continente americano. O Tupinambá
já não conhecia esta pronúncia do Proto-Tupi-Guarani. Trata-se, por
conseguinte, de uma mera tradição gráfica no caso de <ç>.

O espanhol apresenta uma evolução paralela à do português. O /ts/ do espanhol
antigo fundiu-se com /s/ do castelhano meridional, chamado andaluz, que é a
base do espanhol americano. No castelhano do Centro mantem-se como fonema
distinto de /s/ até hoje, só que a pronúncia passou à fricativa interdal (<th>
surda do inglês), típica do espanhol europeu.
No francês antigo, a africada /ts/ manteve-se até o fim mesmo do período do
francês antigo (finais do século XIII) Em palavras como ciel 'céu', cité
'cidade' ou cent 'cem', mas também em "nation", passou a /s/. Em posição
final, como em (vous) chantez, (vous) écrivez emudeceu, provávelmente depois
de ter passado por -/s/.
O fenômeno da evolução é o mesmo em todas estas língua, e também nas línguas
Tupi-Guarani: A africada se semplifica e o /s/ passa fácilmente a /h/ (como no
guarani em posição intervocálica) ou a zero (como no mbyá, por exemplo).

Abraços,

Wolf



Eduardo Rivail Ribeiro schrieb am 2011-03-04:
> Prezados,

> Em um artigo de 1980, "Transcrição portuguesa de um fonema Tupi"
> (http://www.etnolinguistica.org/artigo:guerios-1980), Mansur Guérios
> levanta uma hipótese fascinante sobre a pronúncia do som transcrito
> geralmente como <ç, c> no Tupí Antigo. A pronúncia, segundo ele, não
> seria como fricativa (/s/), mas uma "africada sibilante surda".
> Guérios apóia-se não apenas na reconstrução do Proto-Tupi *ts (Hanke,
> Morris Swadesh e Aryon D. Rodrigues 1958), mas também na história do
> uso dos grafemas portugueses <ç> e <c>.

> O que pensam os colegas tupinistas (e os estudiosos do português
> antigo) quanto à plausibilidade desta hipótese?

> Desde já, obrigado por qualquer informação a respeito.

> Abraços,

> Eduardo

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