Tupinamb á uúba vs. uubá

Eduardo Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Mon Mar 5 04:30:05 UTC 2012


Caro Wolf,

Muito obrigado pelas explicações (como sempre, de uma profundidade
muito esclarecedora). Fico contente em saber que este par é algo encontrado em outras línguas da família, onde também não parece ter explicação sincrônica óbvia. Aliás, preciso esclarecer, para os colegas, que o uso da expressão "par mínimo" neste caso não é do grande Lemos Barbosa, mas meu; usei-a entre aspas para dar a idéia de que a adotava informalmente, num sentido morfológico, em vez de fonológico. Fiquei imaginando se a forma oxítona (u'ybá) conteria um elemento de composição homófono da raiz para 'fruto, fruta', á (Lemos Barbosa 1967:19), que leva à ocorrência de "pares mínimos" semelhantes (por exemplo, yb-a 'pé [de plantas]' vs. yb-á 'fruto [do pé de]'; Lemos Barbosa 1967:160). Mas, pelo visto, se existiu tal elemento, ele já não seria analisável sincronicamente.

Como não-tupinista, meu interesse por estas formas do Tupi Antigo (ou
Tupinambá) se relaciona à investigação de empréstimos desta língua a
línguas Macro-Jê. Discrepâncias na adaptação de empréstimos -- no que diz respeito ao acento, por exemplo -- poderiam ser explicadas pela existência de formas variáveis como estas. Por exemplo, em Kipeá (família Karirí), todos os empréstimos de palavras paroxítonas em português ou no Tupinambá perdem a sílaba final (port. balaio > Kipeá bará, etc.). Exceto, aparentemente, por um: a palavra para 'banana' (Kipeá bacobá < Tupinambá pacob-a; Lemos Barbosa 1967:119). Embora eu o tenha tratado como exceção, em artigo recente (http://www.etnolinguistica.org/artigo:ribeiro-2009), é possível que o empréstimo tenha simplesmente vindo de pacob-á 'banana (fruta)', em vez de pacob-a.*

Na falta de um dicionário científico da "língua mais usada na costa do
Brasil", é ótimo poder contar com os trabalhos de autores como Lemos
Barbosa e Edelweiss (que, apesar de não se julgarem "lingüistas", fizeram várias contribuições originais para o conhecimento da língua); mas é um verdadeiro privilégio poder contar com a generosidade dos colegas da lista, que inclui alguns dos maiores especialistas no assunto. Portanto, uma vez mais, obrigado!

Abraços,

Eduardo

* Obrigado ao Emerson (http://www.etnolinguistica.org/perfil:122) por
refrescar minha memória do que diz respeito a estas formas, pacob-a vs. pacob-á. Se possível, alguém poderia me informar se, e onde, em fontes dos séculos XVI e XVII, a forma oxítona teria sido documentada?


2012/3/2 Wolf Dietrich <dietriw at uni-muenster.de>

>
>
> Caro Eduardo,
>
> Acho que não se trata, em primeiro lugar, de um "par mínimo" porque um "par
> mínimo"como este tem o mesmo valor explicativo como o par mínimo das formas
> verbais portuguesas "pararam" - "pararão".
> As formas "uubá" e "uúba" são da língua geral. Em Tupinambá (ou Tupi
> Antigo)
> as formas eram "u'ybá" 'cana' e "u'yb" 'flecha". Com o -a do caso
> argumentativo se chega a "u'ýb-a". Trata-se, portanto, de formas
> morfológicas
> e morfossintáticas diferentes, a forma "u'ybá" podendo conter o sufixo zero
> para caso argumentativo ou não.
> Eu vejo aqui dois problemas, conectados um com o outro, que ainda não posso
> resolver: O problema morfológico é a aparente formação "subtractiva" ou
> regressiva na passagem de "u'ybá" a "u'yb", já que penso que,
> semanticamente,
> do material se passa ao objeto feito com esse material. Neste caso,
> "u'ybá" é
> um lexema inanalizável. Se não fosse assim, surgiriam outros problemas:
> Qual é
> a natureza do elemento -á em "u'ybá" e qual é a relação semântica entre
> "u'yb"
> e "u'ybá"?
> Formas comparáveis nos dialetos modernos são, por exemplo, Kayabi "u'yp"
> 'flecha' - "u'ywá" 'taquara grossa". Em outras línguas encontram-se
> cognatos
> para 'flecha' (Parakanã o'yw, Parintintin u'yv ou y'yv, Tapirapé ohyp,
> Kamayura y'yp, Mbyá u'y, Guarani paraguaio hu'y, Guarani do Chaco
> (Chiriguano)
> uy, uvy, Siriono ruu, uu, Yuki ruu), mas não para a forma "u'ybá". É
> estrano
> que apareça em Montoya (1640), na forma "huîbá" 'cana para flechas', mas
> não
> no Chiriguano do séc. XVIII. O Mbyá tem u'y xa, que é outra palavra.
> Não sei se pares "mínimos" assim são comuns em Tupinambá. Acho que não.
>
> Abraços,
>
> Wolf
>


-- 
Eduardo Rivail Ribeiro, lingüista
http://wado.us



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