Imprensa: "Voc=?ISO-8859-1?Q?=EA_?=fala nheengatu?"

Eduardo Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Tue May 15 13:45:52 UTC 2012


Mais uma contribuição do Estadão pro desconhecimento das línguas indígenas:
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,voce-fala-nheengatu-,858800,0.htm

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Você fala nheengatu?
09 de abril de 2012 | 3h 05

José de Souza Martins, de O Estado de S.Paulo

Se não fala, vai ter muita dificuldade para viver em São Paulo,
transitar ou mesmo conversar. Vá que você coma algo que lhe faça mal
às pacueras ou que tenha um parente muquirana que lhe negue uns
trocados quando precise. O que fará você quando alguém lhe disser que
está com dor nos óio, coceira na orêia, brigado com a muié, palavras
portuguesas com pronúncia nheengatu?

Na metrópole, há 34 estações com nome nheengatu, sem contar os nomes
de ruas e os nomes de pessoas, como Iara ou Maíra. Quem não fala
nheengatu nem pode tomar os trens, usar o metrô ou utilizar os ônibus
da cidade. Como vai dizer aqueles nomes, escritos nessa língua, para
comprar um bilhete ou pedir uma informação?

Não poderá transitar pela Rua da Tabatinguera, a mais antiga de São
Paulo, de quando a gente de Piratininga fazia fuxico em nheengatu e ia
para a beira do Rio Tamanduateí buscar tabatinga para caiar as casas.
Não poderá cruzar a ponte para ir à Mooca, não por medo dos tamanduás.
Não poderá nem mesmo passear pelo Vale do Anhangabaú, sob o qual passa
o ribeirão em que outrora Anhangá assombrava os índios com seus
malefícios e sua água envenenada, que, mais tarde se descobriu,
continha arsênico. Vade retro! E como morar na Vila Prudente e estudar
na Cidade Universitária, tendo que cruzar a Mooca, o Anhangabaú e o
Butantã? Só falando nheengatu. E menos ainda passar o domingo com a
família no Ibirapuera.

A Mooca em que, no século 17, o opulento Manuel João Branco criava
gado, que administrava o ouro do Jaraguá, em nheengatu, e o gastava em
português. O mesmo Manuel João que circulava em Lisboa carregado numa
rede paulista por índios levados de São Paulo, aos quais dava ordens
em nheengatu, quando para lá foi levar um pequeno cacho de bananas, de
ouro, para presentear e bajular o rei de Portugal, Dom João IV, o
Afortunado.

Se viajar de trem e não conseguir relaxar a língua para dizer os nomes
nheengatu, não chegará ao Ipiranga, Tamanduateí, Utinga, Capuava,
Guapituba, Paranapiacaba ou, no lado oposto, Piqueri, Pirituba,
Jaraguá, Caieiras, Jundiaí. Nem sei como Dom Pedro foi proclamar a
Independência verde e amarela no rio vermelho do Ipiranga, se não
falava nheengatu. Ou falava e não sabia?

E coitado de quem tiver de ir a Carapicuíba, Itapecerica ou Embu.
Cuidado, é só pedra e cobra! Se for a Mogi das Cruzes por
Itaquaquecetuba, Itaquera, Guaianases, dá no mesmo, pedra e cobra. A
cobra de Mogi o esperará nas Cruzes.

Mas, se você consegue falar esses nomes todos e não se perde, saiba
que apesar da proibição da língua nheengatu pelo rei de Portugal, em
1727, você é bilíngue: pensa em português, língua estrangeira, e fala
em nheengatu, a língua brasileira.

Pena que na escola não nos digam isso. O fantasma do rei de Portugal
ainda manda em nossa educação.

-- 
Eduardo Rivail Ribeiro, lingüista
http://etnolinguistica.org/perfil:9
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