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<br><br>
<blockquote type=cite class=cite cite><font size=2>
Comentários sobre o documento de Storto & Sândalo<br><br>
O documento se refere a
uma 'reivindicação' não formalizada de<br>
professores indígenas, mas contém uma argumentação de ordem
técnica, </font><br>
<font size=2>muito mais própria de uma polêmica no campo da lingüística.
Na década dos </font><br>
<font size=2>anos 70, o SIL (Summer Institute of Linguistics)
reivindicava esse mesmo tipo de<br>
padronização para as diferentes línguas indígenas na América
Latina, no que<br>
se refere às suas propostas ortográficas, polemizando tanto com
os<br>
lingüistas das Universidades, que trabalhavam na descrição dessas
línguas, </font><br>
<font size=2>quanto com as ordens religiosas que tradicionalmente tinham
adaptado a ortografia </font><br>
<font size=2>do espanhol. E também nesse caso, para dar 'legitimidade' ao
debate, eram<br>
usadas as reclamações dos índios, num e outro sentido.<br>
É interessante que o
campo de polêmica se instale na questão<br>
ortográfica. Quando foi declarada oficial a língua Quechua (1973),
houve<br>
uma discussão que reflete uma questão chave: a escrita é uma prática
social e a<br>
ortografia é uma instituição histórica, sujeita a esses
conflitos<br>
ideológicos. O sistema vocálico do quechua está composto por
três<br>
vogais: /a/, /i/ e /u/. No momento de decidir quais seriam as
grafias para<br>
esses sons, os lingüistas, entre os quais há falantes nativos,
propuseram<br>
(a), (i) e (u) para representá-los. A Academia Cusquenha de Quechua
retrucou com<br>
indignação que era insultante a língua espanhola ter cinco vogais e
o<br>
quechua somente três. A questão foi resolvida negociando. Os lingüistas
admitiram<br>
que os alofones [e] e [o] deviam ser incorporados, assinalando os
contextos, em<br>
função da 'reivindicação', mas principalmente porque se reconhecia
a<br>
situação de contato que tinha determinado essas atitudes. </font><br>
<font size=2> Uma conseqüência
desse ´racha´ pode ser observado na forma de escrever o </font><br>
<font size=2>nome dessa língua: na parte peruana, se escreve quechua com
o permitido [e], e, </font><br>
<font size=2>no Equador, se escreve quichua. O principal aspecto que deve
ser levado em conta é a </font><br>
<font size=2>natureza histórica e social da escrita e da ortografia,
portanto, entendida como uma<br>
criação coletiva, não como uma questão meramente técnica, embora
dialogue<br>
com esse conhecimento. A forma de conceber a escrita como uma
representação dos<br>
sons corresponde à lingüística dos anos 50 e, talvez, essa
representação<br>
idealizada guarde relação com as representações que as
sociedades<br>
ocidentais elaboraram sobre essa prática social.<br>
Um ponto que merece destaque,
ainda no documento, é a representação<br>
naturalizada da escritura alfabética da língua portuguesa, como
coerente. A<br>
questão está tão ideologizada que o 'nativo' tem dificuldades em
reconhecer<br>
as incoerências gráficas da ortografia alfabética das línguas
oficiais dos<br>
estados modernos, inclusive a língua portuguesa. Grafar um
(h) mudo,<br>
representar o mesmo som com grafias diferentes (x), (ch), são<br>
inconsistências no mesmo sentido argüido no documento. Aqui vai uma
amostra de mais<br>
inconsistências que os nossos filhos aprendem e os pais
toleram:<br><br>
assobio - assovio<br>
covarde - cobarde<br>
covardia - cobardia<br>
quatipuru - acatipuru<br>
quatorze - catorze<br>
quociente - cociente<br>
quota - cota<br>
quotidiano - cotidiano<br>
quotiliquê - quetilquê ( 'coisa, pessoa de pouca importância;
ninharia )<br>
quotista - cotista<br>
quotizar - cotizar<br>
quotizável - cotizável<br>
perda - perca (essa última de uso popular, encontrando-se,
porém,<br>
dicionarizada).<br>
vasculhar - basculhar<br>
vasculho - basculho ('vassoura de cabo comprido para limpeza de
tetos e<br>
paredes altas')<br><br>
Tudo isto devidamente dicionarizado!<br>
É que a questão ideológica, apesar da roupagem técnica, fala mais
alto.<br><br>
Rio de Janeiro, 07 de julho de 2003<br>
Consuelo Alfaro (UFRJ)<br><br>
</font><br>
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