<html><body>
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<DIV><FONT face=Verdana size=2>Prezados colegas,</FONT></DIV>
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<DIV><FONT face=Verdana size=2>Estudando o léxico Kariri, venho deparando com vários empréstimos de origem Tupi-Guarani. Isto, naturalmente, não é nada surpreendente, dada a ampla utilização do 'Tupi da costa' e das Línguas Gerais como línguas francas nos primeiros séculos da colonização (cf. Rodrigues, 'As línguas gerais sul-americanas'; vide referência abaixo) e o fato de que a grande maioria destes empréstimos se refere a itens introduzidos com a chegada dos portugueses ao Brasil.</FONT></DIV>
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<DIV><FONT face=Verdana size=2>Estes empréstimos incluem termos relativos à catequese (<EM><STRONG>waré</STRONG></EM> 'padre', <EM><STRONG>crusá</STRONG></EM> 'cruz', <EM><STRONG>tupã</STRONG></EM> 'Deus'), ferramentas e utensílios (<STRONG><EM>tasi</EM></STRONG> 'enxada', <EM><STRONG>awi</STRONG></EM> 'agulha', <EM><STRONG>cramemu</STRONG></EM> 'caixa', <STRONG><EM>pyca</EM></STRONG> 'banco', <STRONG><EM>waruá</EM></STRONG> 'espelho'), plantas e animais (<STRONG><EM>bacobá</EM></STRONG> 'banana', <STRONG><EM>curé</EM></STRONG> 'porco', <STRONG><EM>sabucá</EM></STRONG> 'galinha'), etnônimos (<STRONG><EM>caraí</EM></STRONG> 'homem branco', <STRONG><EM>tapanhu</EM></STRONG> 'negro) e outros elementos estrangeiros (<STRONG><EM>miapé</EM></STRONG> 'pão', <STRONG><EM>tayu</EM></STRONG> 'dinheiro'), etc. Mesmo alguns termos de origem portuguesa podem ter ingressado no léxico Kariri por intermédio de uma língua Tupi-Guarani (como, por exemplo, <EM><STRONG>cabaru</STRONG></EM> 'cavalo'
e <STRONG><EM>cabara</EM></STRONG> 'cabra').</FONT></DIV>
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<DIV><FONT face=Verdana size=2>Estes termos parecem perfeitamente adaptados à morfologia Kariri (por exemplo, as palavras <EM><STRONG>tayu</STRONG></EM> 'dinheiro', <STRONG><EM>awi</EM></STRONG> 'agulha' e <EM><STRONG>tasi</STRONG></EM> 'enxada', ocorrem, quando possuídas, com o prefixo <STRONG><EM>u-</EM></STRONG>, provável cognato de um morfema que marca posse alienável em outras línguas Macro-Jê). </FONT><FONT face=Verdana size=2>Termos como estes são facilmente encontráveis em várias línguas não-Tupi, incluindo várias línguas Macro-Jê, como o Krenak e o Maxakali.</FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2>A identificação da origem de alguns prováveis empréstimos, no entanto, não é tão simples. Um deles é <EM><STRONG>gorá</STRONG></EM> 'negro', que eu discuti em <A href="http://br.groups.yahoo.com/group/etnolinguistica/message/173">mensagem</A> enviada à lista há alguns meses. Este termo, usado exclusivamente como etnônimo (portanto, um conceito introduzido com a colonização), ocorre também em Borum (Botocudo, Krenák): <STRONG><EM>hinkora, hingora</EM></STRONG> 'negro' (Rudolph 1909:9). Se possível, ficaria grato se alguém pudesse me fornecer respostas para as perguntas que fiz na mensagem referida acima: alguém teria alguma idéia quanto à origem desta palavra? Seria mesmo de origem portuguesa (em última instância), como sugerido anteriormente (por Paula Martins)? Ocorreria em alguma outra língua?</FONT></DIV>
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<DIV><FONT face=Verdana size=2>-------------</FONT></DIV>
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<DIV><FONT face=Verdana size=2>Um outro caso interessante (e, até agora, problemático) é a palavra Kariri <STRONG><EM>s-u-marã</EM></STRONG> 'inimigo (dele)', que é aparentemente idêntica ao Tupi Antigo <STRONG><EM>sumarã</EM></STRONG> 'inimigo' (Barbosa 1956:114). Enquanto a consoante inicial parece ser parte da raiz em Tupi Antigo (de acordo com a descrição do Pe. Lemos Barbosa), em Karirí é claramente um prefixo. Nesta língua, a forma de citação é <STRONG><EM>marã</EM></STRONG> 'inimigo'; a forma com o prefixo <STRONG><EM>u-</EM></STRONG> ocorre quando a raiz é possuída; <STRONG><EM>s-</EM></STRONG> é uma marca de terceira pessoa (cf. <EM><STRONG>dz-u-marã</STRONG></EM> 'meu inimigo', <STRONG><EM>c-u-marã</EM></STRONG> 'nosso inimigo', <STRONG><EM>d-u-marã</EM></STRONG> 'seu (próprio) inimigo').</FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2>O fato de que a palavra é morfologicamente analisável em Kariri, mas não em Tupi, parece apontar para o Kariri como sendo a língua de origem. Mas, complicando um pouco a situação, ocorre também em Tupi a raiz verbal <STRONG><EM>marã</EM></STRONG> 'guerrear'. Em Karirí, a forma para 'guerrear' é <STRONG><EM>maridza</EM></STRONG>, relacionada provavelmente à forma nominal <EM><STRONG>marã</STRONG></EM> (parece haver um sufixo verbalizador <STRONG><EM>-i</EM></STRONG> em Kariri, muito pouco produtivo; <EM><STRONG>-dza</STRONG></EM> é provavelmente o prefixo pluralizador). Mas, não obstante este fato, critérios morfológicos pareceriam indicar o Kariri como sendo a língua-fonte desta palavra, já que <EM><STRONG>s-</STRONG></EM> e <EM><STRONG>u-</STRONG></EM> são morfemas bastante produtivos nesta língua (não sendo segmentáveis no exemplo Tupi, aparentemente).**</FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2>Para solucionar este 'quebra-cabeça' etimológico, recorro, mais uma vez, aos colegas tupinistas da Etnolingüística. Se <EM><STRONG>sumarã</STRONG></EM> pode ser reconstruído para o Proto-Tupi-Guarani (ou mesmo para o Proto-Tupi), ou se esta palavra ocorre em várias línguas da família para as quais não há evidências de contato com o Kariri, é claro que a hipótese de origem Kariri não se sustenta. Seja qual for a solução do problema, o resultado será igualmente interessante: (1) se a palavra é, de fato, de origem Kariri, este seria um dos raros exemplos de empréstimos 'na contramão', já que em geral foram as línguas Tupi-Guarani do leste brasileiro que agiram tradicionalmente como 'exportadores lexicais'; também seria uma testemunha interessante para o tipo de relações mantidas entre os Tupi e os Kariri; (2) se a palavra não é de origem Kariri, este caso demonstraria o quão produtivo o prefixo <STRONG><EM>u-</EM></STRONG> era,
constituindo um exemplo interessante de 'etimologia popular'.</FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2>Desde já, fico muito grato por quaisquer sugestões!</FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2>Abraços,</FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2>Eduardo</FONT></DIV>
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<DIV><STRONG><FONT face=Verdana size=2></FONT></STRONG> </DIV>
<DIV><STRONG><FONT face=Verdana size=2>Referências</FONT></STRONG></DIV>
<DIV><STRONG><FONT face=Verdana size=2></FONT></STRONG> </DIV>
<DIV><FONT size=2><FONT face=Verdana>Barbosa, A. Lemos. <SPAN lang=PT-BR style="mso-ansi-language: PT-BR">1956. <I style="mso-bidi-font-style: normal">Curso de Tupi Antigo</I>. Rio de Janeiro: Livraria São José.<?xml:namespace prefix = o ns = "urn:schemas-microsoft-com:office:office" /><o:p></o:p></SPAN></FONT></FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2>Rodrigues, Aryon. As línguas gerais sul-americanas. Disponível no endereço </FONT><FONT face=Verdana size=2><A href="http://www.unb.br/il/lali/lingerais.htm">http://www.unb.br/il/lali/lingerais.htm</A></FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2>Rudolph, Bruno. 1909. <EM>Wörterbuch der Botokudensprache</EM>. Hamburg: Fr. W. Thaden.</FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2><STRONG>Notas</STRONG></FONT></DIV>
<DIV><STRONG><FONT face=Verdana size=2></FONT></STRONG> </DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2>*Quanto ao título desta mensagem, desculpem, mas não pude resistir...</FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2>**Em princípio, isto é o que se esperaria. 'Transparência etimológica' é geralmente um dos critérios para se determinar a língua de origem de um provável empréstimo. Mas alguns exemplos sugerem cautela. Em Karajá, o termo para 'dever, dívida' é <STRONG><EM>d-ewe.</EM></STRONG> Trata-se obviamente de um empréstimo do português mas, por analogia com várias palavras nativas, como <EM><STRONG>d-èbò</STRONG></EM> 'mão', <STRONG><EM>d-ùra</EM></STRONG> 'penugem' etc., a primeira consoante foi reanalisada como um prefixo.</FONT></DIV>
<DIV><FONT face=Verdana size=2></FONT> </DIV></DIV><BR><BR><DIV>
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<DIV><FONT face=verdana size=1>---------------------------------------</FONT></DIV>
<DIV><FONT face=verdana size=1>"[...] genetic prehistory is not the only kind of linguistic prehistory. In terms of the overall prehistory of unwritten languages it is as rewarding to uncover evidence of earlier contact as it is to find evidence of genetic relationship."</FONT></DIV>
<DIV><FONT face=verdana size=1>(Mary Haas, <EM>The Prehistory of Languages</EM>)</FONT><FONT face=verdana></DIV></FONT></DIV></DIV><p><hr SIZE=1>
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