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            <p><!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.0 Transitional//EN">


<DIV><FONT face="Arial" size="2"><STRONG><FONT face="Verdana" color="#ff0000">Revista 
Pesquisa FAPESP - Abril 2007 - Edição 134<BR></FONT></STRONG><FONT face="Verdana" color="blue" size="2">Humanidades > História</FONT></FONT></DIV>
<DIV><FONT face="Arial" size="2"><FONT face="Verdana" color="blue" size="2"><FONT face="Arial" color="#000000"></FONT></FONT></FONT> </DIV>
<DIV><FONT face="Arial" size="2"><FONT face="Verdana" color="blue" size="2"><FONT face="Arial" color="#000000"><A href="http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3207&bd=1&pg=1&lh">http://www.revistap<wbr>esquisa.fapesp.<wbr>br/?art=3207&bd=1&pg=1&lh</A>=</FONT></FONT></FONT></DIV>
<DIV><FONT face="Arial" size="2"><FONT face="Verdana" color="blue" size="2"><FONT face="Arial" color="#000000"></FONT><FONT face="Arial" color="#000000"></FONT><FONT face="Arial" color="#000000"></FONT><FONT face="Arial" color="#000000"></FONT><BR></FONT>
<HR>
</font></DIV>
<DIV><FONT face="Times New Roman" color="red" size="4"><STRONG>Um sertão chamado 
Brasil<BR></STRONG></FONT><FONT face="Times New Roman" size="3">No centenário da 
Comissão Rondon, o país ainda padece dos mesmos males<BR></FONT><FONT face="Times New Roman"><FONT color="blue" size="3">Carlos 
Haag<BR></FONT></FONT><BR></DIV>
<P>Na sua rústica sabedoria, o vaqueiro Riobaldo, protagonista de <EM>Grande 
sertão: veredas</EM>, de Guimarães Rosa, deixou-nos um enigma que até hoje nos 
devora: “O sertão está em toda parte”. Para uns, ele é o Brasil sem fim, com uma 
pequena parcela de civilização cercada pela barbárie. Para outros, o sertão 
infindo é sinônimo da grandeza potencial à espera de ser descoberta e 
conquistada. Se a descoberta do tema do sertão é mérito de Euclides da Cunha, a 
visão da nação por ser construída nesse “Brasilzão” é de Cândido Mariano da 
Silva Rondon (1865-1958). “Seu legado capta os temas patrióticos e nacionalistas 
da incorporação e construção do Estado. ‘Brasil, país do futuro’ foi o lema 
desenvolvimentista da nação no século XX. Essa imagem de um Brasil imenso, rico 
em minérios à espera de serem explorados, nasceu em parte com a Comissão de 
Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMTA), a 
Comissão Rondon”, observa o brasilianista Todd A. Diacon, autor de um perfil do 
marechal, recém-lançado no Brasil pela Companhia das Letras.</P>
<P>Num paradoxo notável, é no centenário da célebre expedição, iniciada em 1907, 
a mando do presidente Afonso Pena, que o atual governo federal anuncia, em seu 
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a intenção de pavimentar a BR-364, 
no Acre, estrada que acompanha exatamente o trajeto da linha telegráfica 
iniciada há cem anos por Rondon. Hoje, como no século passado, o Estado 
brasileiro pretende aumentar sua presença nos rincões distantes, com a crença de 
que, levando a infra-estrutura ao sertão, o progresso chegará. Rondon não 
pensava muito diferente. “Ele julgava que desenvolver a estrutura era importante 
justamente porque prometia facilitar os esforços para moldar os habitantes do 
noroeste do Brasil em cidadãos do ‘seu Brasil’”, observa Diacon. O dilema 
rosiano do sertão nos persegue, mesmo retransformado? “No passado, a utopia 
geográfica via o país como uma imensa frente pioneira.</P>
<P>A estrada terminava na boca da mata. Aos olhos de alguns, parecia suficiente 
levar a picada mais adiante; o progresso faria o resto. Hoje sabemos que não é 
assim. É preciso vencer a grande fronteira da desigualdade, desbravar um futuro 
mais humano, abrir estradas de oportunidades. Recriar a idéia de nação com base 
no interesse coletivo”, afirmou o presidente Lula em 2005 ao relançar o Projeto 
Rondon (criado em 1967). “A justiça social representa agora aquilo que o 
telégrafo simbolizou no passado, quando o marechal Rondon percorreu o país à 
frente da CLTEMTA.” E como caminhou. De maio de 1907 até janeiro de 1915, Rondon 
e seus homens instalaram 1.500 quilômetros da linha telegráfica Cuiabá–Santo 
Antonio do Madeira, cumprindo a missão presidencial que tinha o objetivo de 
ligar à capital federal, pelo fio telegráfico, os territórios do Amazonas, Acre, 
Alto Purus e do Alto Juruá por intermédio da capital de Mato Grosso, já em 
comunicação com o Rio de Janeiro. </P>
<P>Mas o progresso nacional nunca esteve por um fio. Durante todo o ano de 1924, 
por exemplo, as estações mais importantes não enviaram mais do que algumas 
dezenas de telegramas e receberam ainda menos. Qual, então, a importância do 
trabalho de Rondon e a perenidade de sua fama “heróica”? Riobaldo, esperto, é 
quem está com a resposta. “Houve todo um movimento de valorização do sertão que 
acompanhou projetos de construção de ferrovias (vale lembrar que este é também o 
ano do centenário do início da construção da “ferrovia do diabo”, a 
Madeira–Mamoré<wbr>), de delimitação de fronteiras, de saneamento, de mapeamento 
cartográfico. Fortemente associado à presença do Estado, ele reuniu atores 
sociais informados pelo cientificismo dominante entre a intelectualidade”<wbr>, 
explica Nísia Trindade Lima, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz e professora 
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), autora de <EM>Um sertão 
chamado Brasil</EM>. O início do século XX é marcado pela discussão da dualidade 
entre litoral e sertão, presente mesmo na poética de Catulo da Paixão Cearense e 
seu lamento romântico pelo ideal ameçado pelo progresso: “Não há, ó gente, oh 
não/ luar como este do sertão”. Então, não prevalecia a polarização 
barbárie/civilizaçã<wbr>o ao se falar dos grotões nacionais.</P>
<P>“O dito de Riobaldo era correto, uma vez que o sertão pode dizer respeito a 
uma região específica ou até mesmo à imagem usada pelo movimento sanitarista de 
que o sertão começa para além da avenida Central”, analisa Robert Wegner, também 
pesquisador da Casa Oswaldo Cruz. “Esse sertão que está em toda a parte é então 
tanto aquele pólo associado à barbárie em contraposição à civilização como 
aquele de outra dualidade, a da cultura autêntica em oposição à civilização de 
copistas do que se fazia na Europa.” Esse embate reuniu figuras como Euclides da 
Cunha, o marechal Rondon e Oswaldo Cruz.</P>
<P>São os intelectuais que fazem um giro sobre os pés, para lembrar a expressão 
cunhada por Nicolau Sevcenko, e passam a olhar para o interior do país. “Para 
ver o sertão com seus próprios olhos, procurando resolver com telégrafos, 
estradas de ferro e pesquisas aquela profunda ambigüidade da dicotomia sertão 
<EM>versus </EM>litoral, na qual ora um pólo aparece como negativo, ora outro. 
Assim, esses três personagens procuravam aliar o seu embrenhar-se no sertão como 
descoberta de autenticidade à sua ânsia de incorporar estes sertões ao processo 
civilizatório”<wbr>, nota Wegner. Mas havia bem mais em jogo. “As perspectivas que 
valorizam positivamente, ou abordam de forma ambivalente aquele que é visto como 
pólo de atraso e da resistência ao progresso, vêem o sertão como a possibilidade 
do desenvolvimento de uma autêntica consciência nacional”, avalia Nísia. O 
sertão vira tema-chave no pensamento social brasileiro e nos projetos de 
construção da nacionalidade. “Pode-se mesmo afirmar que a idéia de sertão se 
transforma numa metáfora para pensar o Brasil”, escreve a 
pesquisadora.<BR> <BR><STRONG>Nação</STRONG> – Nesse contexto, em fins do 
século XIX, o Rio de Janeiro estava tão distante do interior quanto de Paris ou 
Londres. A sensação era de que havia “um defeito” na nação brasileira que 
parecia não possuir pontos em comum e, nota Diacon, “era preciso construir uma 
nação, ou remodelá-la, de modo que pudesse se tornar algo novo e moderno”. 
Tentou-se, de início, descobrir a “raça brasileira”, mas os teóricos logo se 
defrontaram com a “desagradável” descoberta de que ser moderno era ser branco e 
europeu, mas a maioria dos brasileiros não era nem uma coisa nem outra. 
Pensadores, como Euclides, se afastaram do ideal da brancura e passaram a prezar 
o “Brasil mameluco”, em que a união de raças era o que fazia do brasileiro 
“antes de tudo, um forte”. Em comum, Rondon e o autor de <EM>Os sertões</EM> 
tinham a formação militar na Escola Militar da Praia Vermelha e o contato com um 
professor positivista, Benjamim Constant. “O seu positivismo advogava a 
neutralidade científica, valorizando o conhecimento positivo, universal, obtido 
pelos sentidos, sendo valorizadas a observação e a experimentação. O positivismo 
desenvolveu toda uma cultura antimetafísica, voltando seus interesses para o 
mundo real, objetivo, palpável, movimentado pela idéia do progresso contínuo, 
baseado na ordem e no progresso”, escreve o geógrafo José Carlos Camargo, da 
Unesp, em seu artigo “O positivismo e a geografia em Rondon”. </P>
<P>“As oposições entre litoral e sertão não seriam, dessa forma, inconciliáveis, 
mas passíveis de solução por meio de um projeto nacional que incorporasse 
efetivamente o interior do país”, analisa Nísia. Como Rondon era um positivista 
ortodoxo, “supôs”, nota Diacon, “que seu trabalho poderia ser o propulsor da 
incorporação de povos indígenas à nação brasileira e da migração de brasileiros 
da costa para as terras férteis; em outras palavras, poderia desencadear a 
unificação física, assim como a emocional e afetiva, de seu país e de sua 
nação”. A admiração de Euclides pelo marechal também incluía a visão de que a 
matéria-prima étnica e social do sertanejo, a sua mistura, seria um fator de 
revigoramento da incipiente civilização brasileira, em especial pelas suas 
raízes indígenas (no caso de Rondon, familiares: sua mãe era descendente de 
índios terena e bororo).</P>
<P>Isso não se restringia ao anedótico, como as cerimônias diárias de 
hasteamento da bandeira com o Hino Nacional ao fundo, num gramofone (símbolo da 
modernidade presente), ao “embrulhar” bebês índios com o pavilhão nacional ou à 
exposição de <EM>slides</EM> com fotografias de símbolos pátrios em noites de 
feriados cívicos, práticas rondonistas de forte cunho positivista (pátria, 
ordem, família). O marechal foi criticado severamente por seu “respeito” aos 
índios. “Rondon e os positivistas desenvolveram sua teoria de que os indígenas 
não eram racialmente inferiores, mas viviam simplesmente num estágio anterior da 
evolução social (mas não racial)”, nota Diacon. Isso, numa época em que para 
muitos brasileiros eminentes o racismo científico explicava os “problemas” dos 
não-brancos do Brasil. </P>
<P><STRONG>Inferior </STRONG>– “Enquanto Rondon estava no sertão implementando 
políticas que não atribuíam importância à raça, intelectuais urbanos como Sílvio 
Romero escreviam sobre a inferioridade racial dos indígenas”, lembra o 
pesquisador americano. Há, é claro, pontos polêmicos, como os levantados por 
Antonio Carlos de Souza Lima em seu livro <EM>Um grande cerco de paz</EM>, que 
problematiza a política de Rondon para os índios e o responsabiliza pelo 
etnocídio a que foram submetidos. Afinal, foram suas descobertas que levaram, em 
1916, à oficialização no Código Civil do paternalismo estatal em relação aos 
índios. “Certamente, o objetivo de Rondon era a transformação dos indígenas em 
brasileiros, a ‘nacionalização’<wbr>, como ele dizia. E, decerto, é justo ressaltar 
que o alvo final da assimilação era o desaparecimento dos índios. Mas também 
cabe reconhecer a natureza ambígua das idéias de Rondon”, observa Diacon. </P>
<P>“Embora preconizasse a assimilação, ele também exigia de seus comandados que 
respeitassem as práticas sociais e religiosas dos índios até que estivessem 
‘prontos’ para o positivismo.” Em 1942, no artigo “Rumo ao Oeste”, Rondon 
mostrou-se totalmente cooptado pelo ideal estado-novista de Vargas de valorizar 
o índio como símbolo da nacionalidade brasileira. “Curiosamente, os índios, que 
representavam uma parcela minúscula da população brasileira, foram de repente 
convocados para o palco da política, onde estão até hoje”, analisa o 
brasilianista Seth Garfield em <EM>As raízes de uma planta que hoje é o 
Brasil</EM>. Rondon foi nomeado por Vargas para dirigir o Conselho Nacional de 
Proteção aos Índios e é durante o governo de Getúlio que foi criado o Dia do 
Índio. “Num futuro dourado”, nota Garfield, “Rondon antevia índios emancipados, 
dividindo as terras de suas reservas ou residindo com não-índios como parte da 
Marcha para o Oeste”. </P>
<P>E o sertão? Na mesma época em que Rondon instalava seus fios, Oswaldo Cruz 
era chamado pela Mamoré Railway Company para tentar realizar a profilaxia da 
malária, que matava os trabalhadores da ferrovia aos milhares. As expedições 
científicas feitas pelo cientista de Manguinhos e por seus colegas trariam um 
novo retrato do Brasil: a doença, não o clima e a raça, seria o problema central 
que atrasava a nação. “O debate sobre a identidade nacional no país agora se 
daria por meio da metáfora da doença”, anota Nísia. “Promove-se a ampliação do 
sentido atribuído à palavra sertão, superpondo-se a critérios geográficos e 
demográficos as idéias de abandono e exclusão. Um sertão caracterizado pelo 
abandono e pela doença. Um sertão desconhecido, mas que era, e é, quase do 
tamanho do Brasil”, pondera.</P>


</p>
    </div>  

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