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<p>Eu, pelo menos, prefiro essa versao da historia, que saiu na Folha de<br>
SP hoje:<br>
<br>
<a href="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/inde16042007.htm">http://www1.<wbr>folha.uol.<wbr>com.br/fsp/<wbr>ciencia/inde1604<wbr>2007.htm</a><br>
<br>
Tribo do AM causa guerra na lingüística<br>
CLAUDIO ANGELO<br>
EDITOR DE CIÊNCIA<br>
<br>
Uma tribo de caçadores-coletores do sul do Amazonas está colocando<br>
lingüistas e antropólogos em pé de guerra. Segundo um pesquisador, a<br>
língua dos pirahãs, um grupo de 350 pessoas que habitam o rio Maici,<br>
perto da divisa com Rondônia, é tão excepcional que põe em xeque a<br>
principal teoria vigente sobre a linguagem humana. A tese, no entanto,<br>
é contestada por outros lingüistas.<br>
Os pirahãs ficaram famosos entre os acadêmicos devido ao trabalho do<br>
americano Daniel Everett, 55, um ex-missionário cristão que hoje é<br>
professor da Universidade Estadual de Illinois. Ele começou a estudar<br>
a língua da tribo nos anos 1970, com o objetivo (que nunca foi<br>
cumprido) de catequizá-los.<br>
Enquanto aprendia a língua, vivendo numa aldeia pirahã com a mulher e<br>
os filhos, Everett descobriu uma série de peculiaridades no idioma. Os<br>
pirahãs não têm palavras para cores. Usam apenas oito consoantes e<br>
três vogais. Não possuem mitos de criação, não têm tempos verbais, não<br>
fazem arte só sabem contar até três.<br>
Em 2005, Everett publicou no periódico "Current Anthropology" um<br>
artigo no qual afirmava também que a língua pirahã não tem<br>
recursividade, ou seja, a capacidade de formar sentenças encaixando<br>
uma frase na outra. Assim, um pirahã seria capaz de dizer "a canoa de<br>
João", "o irmão de João", mas nunca "a canoa do irmão de João". Como<br>
vivem numa sociedade extremamente simples, onde o que conta é a<br>
experiência imediata (o aqui e agora), os pirahãs, argumenta Everett,<br>
têm sua língua (e, portanto, seu pensamento) limitados pela cultura<br>
-um caso único.<br>
O trabalho caiu como uma bomba no meio lingüístico. Se Everett<br>
estivesse certo, o idioma pirahã seria um sério desafio à teoria da<br>
Gramática Universal. Desenvolvida pelo influente lingüista americano<br>
Noam Chomsky, a teoria afirma que todos os seres humanos possuem uma<br>
faculdade inata da linguagem, uma espécie de "órgão da linguagem" no<br>
cérebro. Essa capacidade independeria do meio cultural, tendo sido<br>
impressa nos circuitos cerebrais do Homo sapiens pela evolução. E a<br>
principal marca dessa faculdade é justamente a recursividade.<br>
Uma exceção a essa regra significaria ou que os pirahãs não são<br>
humanos ou que o arcabouço intelectual chomskiano -sob o qual se<br>
formaram gerações de lingüistas- está falido. Everett, é claro, aposta<br>
na segunda hipótese.<br>
<br>
Bombando<br>
A tese de Everett sobre como a chamada "experiência imediata" limita a<br>
competência lingüística dos pirahãs saiu do domínio da academia na<br>
semana passada e se espalhou como rastilho de pólvora na imprensa<br>
popular. Uma reportagem de 20 páginas intitulada "O Intérprete - Será<br>
que uma tribo remota da Amazônia virou do avesso nossa compreensão da<br>
linguagem?" foi publicada na prestigiosa revista americana "The New<br>
Yorker" e citada por jornais on-line, revistas e blogs nos EUA e no<br>
Brasil.<br>
No entanto, no final do mês passado, antes de a "New Yorker" ir para a<br>
banca, um trio de lingüistas dos EUA e do Brasil postou no site<br>
especializado Lingbuzz um artigo contestando ponto a ponto o trabalho<br>
de Everett. Andrew Nevins, da Universidade Harvard, David Pesetsky,<br>
colega de Chomsky no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e<br>
Cilene Rodrigues, da Unicamp, afirmam -com base em trabalhos<br>
anteriores do próprio Everett- que o pirahã não apresenta desafio à<br>
Gramática Universal.<br>
<br>
DA REDAÇÃO<br>
No trabalho "A Excepcionalidade do Pirahã: uma reavaliação", os<br>
lingüistas compararam o pirahã com várias línguas e descobriram que o<br>
idioma, longe de ser um "caso excepcional"<wbr>, tem semelhanças com o<br>
alemão, o bengali e o chinês.<br>
A suposta matemática única dos pirahãs, afirmam, é compartilhada por<br>
outras tribos da Amazônia, como os xetás (até mesmo o tupi tinha um<br>
sistema de contagem limitado), que só contam até três. E há, sim,<br>
evidências de recursividade.<br>
<br>
Além disso, Everett tem despertado a fúria de antropólogos e<br>
lingüistas brasileiros, que o acusam veladamente de "monopolizar" os<br>
pirahãs, restringindo o acesso de outros às aldeias, e de pesquisar<br>
sem autorização da Funai (Fundação Nacional do Índio) - o que a sede<br>
da Funai confirma.<br>
"No cerne disso tudo há uma confusão sobre o que é a Gramática<br>
Universal", disse David Pesetsky à Folha. Acho que Everett confundiu a<br>
teoria de Chomsky, Hauser e Fitch", afirmou, referindo-se à sua<br>
reformulação, que Chomsky publicou em 2003 juntamente com Marc Hauser,<br>
de Harvard, e Tecumseh Fitch, da Universidade St. Andrews (Escócia).<br>
"O fato de não se poder dizer em pirahã "A canoa do irmão de João",<br>
por exemplo, existe em alemão. Everett diz que esse fato em pirahã se<br>
deve à cultura extremamente limitada, mas os alemães não têm essa<br>
limitação cultural. Eles navegam na internet. Então, o fato em alemão<br>
não se deve à cultura."<br>
<br>
Sem elaboração Rodrigues afirma que Everett "não tem uma teoria e sim<br>
uma hipótese", que padece de uma "falta de elaboração teórica". "A<br>
experiência imediata, para nós, é uma forma que ele encontrou de<br>
colocar todas as observações que ele acha interessantes no mesmo saco.<br>
Isso é cientificamente frágil", disparou. "E, se fosse assim, por que<br>
a limitação cultural só influencia a linguagem e não outras partes do<br>
sistema cognitivo, como a visão?" -questiona.<br>
Everett publicou no mesmo Lingbuzz uma resposta a Rodrigues e colegas,<br>
a quem chama de "lingüistas de gabinete". Também os acusa de ter usado<br>
seus escritos de 20 anos atrás para refutar sua tese.<br>
"Não há evidência em pirahã de recursividade"<wbr>, disse Everett à Folha,<br>
por e-mail, num português perfeito. "Além do mais, o Chomsky nem<br>
define bem o que ele quer dizer com isso -muito menos o Fitch, que foi<br>
comigo para a aldeia.<br>
Everett, que tem visto de residente permanente no Brasil, diz que<br>
sempre pesquisa com autorização "do delegado da Funai de Porto Velho"<br>
e que sempre estimula, não impede, que outros visitem a área. "No<br>
entanto, os pirahãs quase não falam português e eu sou o único<br>
pesquisador secular que já aprendeu a língua deles."<br>
Tecumseh Fitch diz que a questão ainda está aberta. "[Mas] é um<br>
truísmo que a cultura molda a linguagem. É por isso que o brasileiro<br>
tem a palavra "samba" e escocês tem a palavra "haggis". E daí? As<br>
implicações disso para a Gramática Universal são nulas." Ele continua:<br>
"Everett, como muitos críticos de Chomsky, tem uma concepção própria<br>
da Gramática Universal, contra a qual ele se bate". Mas seus dados<br>
"são tão convincentes quanto a falta de evidência pode ser -ou seja,<br>
não muito". (CA)<br>
<br>
</p>
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