[etnolinguistica] voltando à Educação Escolar Indígena

Bruna Franchetto bfranchetto at YAHOO.COM.BR
Sat Aug 9 23:14:53 UTC 2003


Prezados colegas,

A polêmica em torno da ‘eleição’ dos representantes da
ABRALIN junto à Coordenadoria de Apoio às Escolas
Indígenas do MEC parece já ter adormecido. Resolvi
acordar o assunto nesta mensagem, pois imagino que
muitos se perguntaram, e devem estar ainda se
perguntando, as razões do meu silêncio. Não foi por
não ter acompanhado com atenção a discussão ou por não
ter nada a dizer, muito menos por não ter uma posição
definida diante da ‘querelle’. Foi, acreditem, mera
falta de tempo. Para os que não me conhecem,
apresento-me rapidamente (poupando os leitores de um
CV também quilométrico); considero ter competência e
experiência mais do que suficientes e comprovadas para
que minhas palavras sejam tomadas com seriedade. Tenho
formação em filosofia, antropologia e lingüística; sou
professora em duas pós-graduações (Antropologia e
Lingüística, UFRJ), bem como pesquisador 1 do CNPq
(Produtividade Científica); realizo pesquisas sobre
línguas indígenas há 28 anos; no começo dos anos 80
iniciaram minhas atividades em educação indígena e na
política indigenista. De 1993 a 2000 fui membro, como
representante das Universidades federais, junto com
outros colegas, do então Comitê de Educação Escolar
Indígena do MEC, cujo trabalho permitiu a criação e
consolidação de um espaço político, técnico e
administrativo para a educação escolar indígena em
nível federal (com todos seus sucessos, insucessos e
impasses). Lembro que em 2000 o Comitê foi dissolvido
entrando em seu lugar uma comissão permanente composta
somente por representantes dos professores indígenas
(com suas associações). Pelo que eu sei (há mudanças
com a nova gestão da Coordenadoria), os representantes
da ABRALIN e da ABA (Associação Brasileira de
Antropologia), junto com um representante do MEC,
compõem apenas uma comissão permanente, a de avaliação
de projetos, embora possam ser solicitados sempre que
houver necessidade de sua assessoria, bem como podem
propor iniciativas passíveis de serem encampadas pelo
MEC. Hoje oriento alunos de mestrado e doutorado com
projetos de documentação, descrição e análise de
línguas indígenas e com projetos em antropologia da
educação escolar indígena. Aliás, considero que quem
trabalha com educação indígena deve ter uma formação
multidisciplinar e interdisciplinar, pelo menos, em
antropologia e lingüísitica. Hoje coordeno um projeto
de documentação da língua Kuikuro (karib do Alto
Xingu), através da construção de bancos de dados
multidisciplinares e multimídia. Este projeto é
financiado pela Fundação Volkswagen (alemã desde o
pós-guerra sem nenhum vínculo com a fábrica de
automóveis homônima), sem esquecer o apoio fundamental
do CNPq. Nada de petro-dólares...mas euros. A captação
de recursos para a pesquisa no exterior é praxe em
todas as áreas e em lingüística também; nós da chamada
‘lingüística indígena’ descobrimos com atraso essas
fontes de financiamento, mas descobrimos. Nossos
projetos são bons, uma vez que possam competir em
nível internacional, e tais recursos estão permitindo
fazer coisas que jamais conseguiríamos fazer contando
apenas com os financiamentos nacionais. Os resultados
serão visíveis e divulgados nos próximos dois anos.
Sabemos que outros projetos ganharam recentemente
recursos do exterior (incluímos, aqui, apoio a
instituições, como, por exemplo, o Laboratório de
Línguas Indígenas da UnB) e vários outros projetos
estão sendo encaminhados para fundações na Europa e na
América do Norte. Tudo isso é extremamente positivo.
Quero explicitar aqui alguns comentários sobre a
discussão que rolou na Internet:
1.	A candidatura de Luciana Storto e Filomena Sândalo,
duas colegas de indiscutível competência e seriedade,
foi correta e teve o saudabilíssimo efeito de
estimular a discussão a partir da louvável
explicitação de uma posição específica a respeito da
questão da ortografização de línguas de tradição oral,
questão importante para a educação escolar indígena e
central para os lingüistas envolvidos nela, embora
certamente não a única questão nesse campo. Luciana e
Filomena não são ingênuas e ignorantes e conhecem a
importância das outras questões de ordem
antropológica, sociológica, política e ideológica.
Aliás, quem é ignorante a este ponto hoje em dia?
Ingênuo ou em má fé é quem as acusa de ingenuidade e,
pior, quem as acusa de fazer parte de uma espécie de
complô capitaneado por ‘estrangeiros’ mal
intencionados.
2.	Parabenizo a escolha de Marília Facó e Wilmar
d’Angelis, que foram apresentados como candidatos por
Aryon Rodrigues, formando chapa concorrente. São e
serão, sem alguma dúvida, excelentes representantes da
ABRALIN e tenho certeza que atuarão com equilíbrio,
sabedoria e competência.
3.	Lamento imensamente os rumos da discussão, cuja
forma e cujo conteúdo cairam, após um digno começo, na
vala da mais escandalosa vulgaridade, em todos os
sentidos que este termo possui. Apareceram figuras
sombrias e desconhecidas que jogaram no lixo o pouco
que a discussão tinha conquistado nos níveis
científico e político. Virou uma caça às bruxas que
não é apenas xenófoba, mas, integralmente, fascista.
Sim, é puro fascismo usar o classicamente fascista
sistema de acusações pedindo a cabeça de estrangeiros,
berrando chavões como “a Amazônia é nossa”, “os índios
são nossos” e outras pérolas do gênero. Nacionalistas,
ufanistas e a direita do mundo inteiro teriam adorado
as mensagens que circularam a partir da CVL. Lamento
que tão poucos colegas tenham se manifestado contra
esse festival de besteiras; as palavras de Wilmar a
esse propósito foram, na minha opinião,
insuficientemente claras e decididas.
3.	Defendo o trabalho de Denny Moore e de todos os
colegas que foram alvo de tais acusações. Peço
desculpas a eles em nome de todos. Denny é pesquisador
de alto nível, ressuscitou das cinzas o setor de
lingüística do Museu Goeldi e formou, bem como
encaminhou para formação, um considerável número de
jovens pesquisadores brasileiros, que não teriam tido
outra oportunidade para descobrir seu talento se não
fosse graças ao Denny e à estrutura por ele montada no
MPEG. Hoje, o setor de lingüística do MPEG é um centro
de excelência reconhecido internacionalmente. Denny
veio dos EUA e escolheu o Brasil para viver e
trabalhar. Eu também sou estrangeira, vim da Itália,
como muitas ondas de emigrantes, e escolhi o Brasil
para viver e trabalhar. Há algo pecaminoso nisso? E os
milhões de euro-descendentes que chegaram aqui para
conquistar o novo mundo e arrasar as populações
nativas, são brasileiros? Paremos por aqui para não
cair na mais ridícula retórica.
4.	Por fim, espero que futuramente a ABRALIN proceda
de outra maneira no que concerne a escolha dos
representantes junto ao MEC. Normalmente, seria tarefa
da nova gestão ou diretoria abrir e conduzir o
processo, através de uma ampla consulta aos seus
membros, escolhendo o momento mais oportuno para uma
eventual eleição, um momento que, de fato, congregasse
o maior número possível de associados. Ou indicando os
nomes como resultado da consulta, que pode ser feita,
hoje, muito bem, via Internet. A discussão deveria
correr paralela ao processo de consulta, tendo a
ABRALIN a responsabilidade de mediar o debate em seus
canais de informação e divulgação.

Um abraço

Bruna Franchetto
Museu Nacional/UFRJ


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