[etnolinguistica] Algumas notas sobre prefixos relacionais

Dioney Moreira Gomes dioney98 at UNB.BR
Sat Feb 1 14:41:09 UTC 2003


Eduardo,
Não me expressei bem. Ao lançar uma parte da bibliografia de Rodrigues tinha em
mente duas coisas: 1) revelar uma parte da minha fundamentação; 2) fornecer aos
demais colegas algumas referências. Me lembro bem da sua paixão
pela "Morfologia do Verbo Tupi" (1953) quando estivemos em Belém em 95. Sei que
você é ávido leitor de Rodrigues. Me perdoe se passei uma idéia errada.
Continuo pensando sobre o tópico em análise e agora que inicio uma inspeção na
subordinação do Mundurukú, percebo que, sistematicamente, uma das orações não é
marcada para pessoa. O fato é que justamente o que tenho tratado como
relacional (e não como 3 pessoa) sobrevive em qualquer contexto de subordinação
que envolva um argumento absolutivo:
1. o'=ju wawa (3Sa=ir chorando) 'Ele foi chorando'. (aqui não há ambiente para
relacional; percebe-se que o marcador de pessoa só ocorre em uma das orações.)
2. o'=t.i mu-dek je-kodododon (3Sa=NCNT.CL CAUS-atravessar INTR-nado) 'Ele
atravessou o rio nadando.
3. akurice y-a-a buje y-aoka kuka o='e (cachorro NCNT-morder se NCNT-matar ASP
3=AUX) 'Ele mataria o cachorro se o mordesse.'
4. t.irem o'=je-kororot puye (NCNT-estar.molhado 3Sa=INTR-nado porque) 'Está
molhado porque nadou.'

Nos exemplos 1 e 2, o marcador de pessoa só ocorre em uma das orações. O mesmo
se dá nos exemplos 3 e 4, porém no verbo sem marca de pessoa está o relacional:
em 3, ele informa a não ocorrência contígua do objeto tanto do verbo "a"
(morder) quanto do verbo "aoka" (matar); em 4, como em qualquer verbo
intransitivo estativo do Mundurukú, o verbo "tirem" está na forma não-contígua,
e o marcador de pessoa está no outro verbo. Assim, se fosse marcador de pessoa
o que trato como relacional não era de se esperar um comportamento similar aos
demais marcadores de pessoa (pergunta). Bom, é apenas um início de discussão e
reflexão, ficarei grato se puder(em) me ajudar a compreender esses fatos.
Um abraço.
Dioney

Selon Eduardo Rivail Ribeiro <erribeir at midway.uchicago.edu>:

> Dioney,
> Muito obrigado pela lista de trabalhos de Rodrigues lidando com a questão dos
> relacionais (entre outras).  Mas o fato de que não os mencionei não significa
> desconhecimento da minha parte (sendo eu um ávido leitor das obras do
> professor Aryon). Significa, simplesmente, que discordo da análise lá
> apresentada. A análise apresentada em 1953, apesar de mais simples (ou
> justamente por isso), é, no meu ponto de vista, mais acurada. E não é a mais
> acurada do ponto de vista comparativo apenas; é a que encontra maior respaldo
> nos dados da(s) língua(s).
>
> > No meu artigo (Gomes 2001), falo que a classe II (uk'a / João d-uk'a/
> t-uk'a:
> > casa, casa de João, casa dele) reanalisou os prefixos relacionais como
> parte da
> > raiz, mas afirmo também que a função relacional continua existindo (agora,
>
> > alternância entre itens lexicais provocada por regra sintática) e não disse
> ter
> > sido ela obscurecida pela regra fonológica regular de alternância entre
> > oclusivas surdas e sonoras.
>
>
>
> Ah, sim. Desculpe-me. Não era minha intenção deturpar o que você diz no seu
> artigo. Na verdade, estava apenas usando a sua descrição dos fatos para
> chegar a minhas próprias conclusões (que podem, naturalmente, estar
> redondamente equivocadas).
>
> > O fato de os relacionais d- e t- ocuparem paradigmaticamete a mesma posição
> não
> > é, necessariamente, um tratamento morfológico nem muito menos puramente
> > sintático. Foi bom você ter citado que não é nenhuma excepcionalidade a
> > terceira pessoa não ter um marcador de pessoa específico (isso é um fato
> para
> > os nomes em Mundurukú e para a classe de verbos estativos, que recebem os
> > mesmos marcadores objetivos de pessoa).
>
> Naturalmente: terceiras pessoas comumente recebem tratamento especial nas
> línguas do mundo. Mas continuo achando que este não é exatamente o caso em
> Tupi ou Macro-Jê, onde claramente parece haver marcadores de terceira pessoa.
>  Justamente por causa dessas diferenças de tratamento entre a terceira e as
> demais pessoas a que você refere, acho natural que a terceira pessoa seja
> expressa através de prefixos, enquanto as demais seriam expressas através de
> clíticos. Mas, no caso do Tupi, isto reflete simplesmente uma situação
> diacrônica em que prefixos de terceira pessoa são mais antigos do que os
> demais. Repare que, em Macro-Jê, além do marcador de terceira pessoa, o
> prefixo de segunda pessoa também se liga diretamente à raiz. Se observamos as
> línguas Karib, Tupi e Macro-Jê atuais, é possível imaginar que, na
> proto-língua (como na maioria das línguas atuais), raízes nominais e verbais
> (talvez adposições também) teriam uma única posição prefixal, que poderia ser
> preenchida pelo prefixo relacional (ou o seu ancestral, que, como hipótese,
> sugiro ter sido o marcador de terceira pessoa) ou outros prefixos que
> eventualmente existissem, mas não dois prefixos simultaneamente.
>
> Aliás, sobre o tratamento diferenciado da terceira pessoa, um exemplo mais
> perto de casa: no português coloquial, é comum termos um pronome tônico
> referindo-se à terceira pessoa objeto, mas os marcadores clíticos de segunda
> e terceira pessoa sobrevivem: eu vi ele, mas ele me viu e ele te viu. Fosse o
> português uma língua indígena, já teriam surgido propostas para tratar
> alternâncias deste tipo como um caso de "split", motivado por hierarquias
> pessoais, etc. e tal. Quem sabe, né? Mas, apesar das diferenças morfológicas
> óbvias entre os marcadores de primeira e segunda pessoa, de um lado, e o
> marcador de terceira, do outro, parece-me claro que todos desempenham a mesma
> função (como marcadores de objeto).
>
> É ótimo poder trocar idéias sobre lingüística com você (e os demais
> colegas).
> Muitíssimo obrigado, e boa viagem!
> Abraço,
> Eduardo
>
>
>
>
>
>
>
>
>
>


--
Dioney M. Gomes
Doutorando em Lingüística - UnB/IRD (Institut de Recherche pour le
Développement/França)
Tel.: (61)304 1045 e 9961 9342
E-mail: dioney98 at unb.br


-------------------------------------------------
Mail enviado através do WebMail/UnB
CPD - Centro de Informática

Para cancelar sua assinatura deste grupo, envie um e-mail para:
etnolinguistica-unsubscribe at yahoogrupos.com.br



Seu uso do Yahoo! Grupos é sujeito às regras descritas em: http://br.yahoo.com/info/utos.html



More information about the Etnolinguistica mailing list