[etnolinguistica] PR or no PR
Meira, S.
S.Meira at LET.LEIDENUNIV.NL
Mon Feb 17 13:39:34 UTC 2003
Alô amigos,
[Andres:]
>E verdade que, ceteris paribus, e preferivel achar uma verdadeira
>explicac,ao do que atribuir algo ao acaso ou falar em fenomeno areal, mas
>o problema aqui e que os chamados "prefixos relacionais" NAO SAO um
>fenomeno homogeneo. A noc,ao de "prefixo relacional" e perniciosa porque
>ela esta definida de tal maneira ("marcador de contiguidade entre nucleo e
>complemento, etc. etc.") que ela pode ser utilizada para botar coisas das
>mais diversas no mesmo saco (por exemplo, os "aplicativizadores nominais"
>do Kaingang com a flexao de terceira pessoa das linguas Je setentrionais,
>com os "relacionais verdadeiros" das linguas Tupi,...; ate um fenomeno de
>juntura fonologica pode entrar nessa definic,ao). Por outro lado, se a
>coisa e um fenomeno suficientemente superficial ("morfologia esquisita na
>margem esquerda de um nucleo"), a hipotese de um fenomeno areal e tao
>ou mais plausivel do que a hipotese das relac,oes geneticas.
Eu não pularia assim tão depressa para a idéia do
fenômeno areal. Tudo o que sabemos sobre áreas lingüísticas
leva a crer que, se bem que qualquer coisa possa teoricamente
ser emprestada (veja-se o livro de Kaufman & Thomason, no
estudo do caso do grego falado na Turquia), certas coisas são
as primeiras e outras as últimas. O inglês, por exemplo, tomou
até morfemas gramaticais de empréstimo ao francês -- o sufixo
-ment, que pode ser usado com termos de origem germânico, como
em "shipment" -- mas, quando isso acontece, o empréstimo de itens
lexicais também é massivo (pois ele é muito mais fácil de acontecer
do que o empréstimo de itens gramaticais e, por isso, dadas as
condições de contato, ocorre em muito maior quantidade), como é
o caso entre o inglês e o francês. Note-se que as "esquisitices"
gramaticais do francês -- os pronomes "y" e "en", o pretérito
imperfeito dos verbos, etc. -- não penetraram no inglês. Eu
compararia os prefixos relacionais, caso existam, a idiossincrasias
dessa ordem (que, por sinal, também estão entre os maiores
obstáculos para a aquisição do francês como segunda língua --
outra razão pelo qual são mais difíceis de se difundir). Seria
preciso encontrar, paradoxalmente, outros paralelismos desse
tipo, bem como muitos empréstimos, para que a hipótese areal viesse
a fazer sentido (veja-se o caso dos Bálcãs, exemplo padrão, onde há
várias características gramaticais que podem ser mencionadas: o
futuro perifrástico, os artigos pospostos, a substituição do infinitivo
por construções subordinadas com verbos finitos, etc., bem como um
número considerável de empréstimos; não vejo nada disso -- ainda --
na situação das línguas envolvidas na hipótese tukajê.) Apenas
uma característica -- e sem empréstimos? Se esse for o quadro
final, seria melhor contrapor à hipótese genética a idéia de
ser tudo mero acaso, coincidência, inovações paralelas,
do que propor um fenômeno areal.
É claro, tudo isso depende de os "prefixos relacionais"
serem um fenômeno homogêneo. O material que o Eduardo pôs nos
seus artigos apóia essa hipótese: vejo os mesmos tipos
de relações nos exemplos que ele cita. Claro, como ele mesmo admite,
é preciso justificar a comparação desses prefixos com mais material
comparativo entre estas línguas: como saber se as correspondências
apresentadas são regulares? (Nesse ponto, claro, eu, e, creio, Eduardo
também, concordamos com o Andres: as correspondências devem ser regulares
para fundamentar a hipótese). Eduardo cita relativamente pouco material
no seu trabalho; como não sou especialista em línguas (Macro-)Jê,
não tenho como julgá-lo. Os argumentos do Andres, no trabalho do
livrinho do CNWS, parecem consideráveis: as consoantes "relacionais"
não são predizíveis, etc. Em Membengokre, é perfeitamente possível
que a análise relacional não funcione sincronicamente. Mas, no artigo
em questão, os exemplos são apenas do Membengokre, e eu não sei
se uma visão de conjunto da família não alteraria as conclusões,
pelo menos do ponto de vista diacrônico. Afinal, a língua em
questão poderia ter simplesmente lexicalizado um fenômeno que,
em outras línguas, não foi lexicalizado. Eu gostaria de encorajar
o Andres a levar adiante a sua idéia, compliando material das
diversas línguas jê, de modo a demonstrar, se esse for o caso,
que, para a família como um todo, os "prefixos relacionais"
não são um fenômeno homogêneo. Se é verdade que os fenômenos comparados
quando se fala em "prefixos relacionais" formam mesmo um verdadeiro
"balaio de gatos" (aplicativos, junturas fonológicas, etc.), então,
por favor, clareie o ambiente, descrevendo-os e mostrando claramente
as diferenças. É disso que precisamos: trabalhos com muitos dados, a
partir dos quais os padrões (ou sua ausência) se tornem visíveis.
Apenas com base em tais trabalhos será possível julgar se as línguas
jê se encaixam como deveriam nos "relacionais verdadeiros" (quanta
liberdade terminológica nós nos permitimos!) das línguas tupi (e,
eu acrescentaria, das línguas karíb, nas quais o fenômeno é quase
idêntico).
[Sérgio]
> que o
> portugu=EAs tem um monte de empr=E9stimos =E0s l=EDnguas tup=ED, mas n=E3=
o adquiriu
> nenhum
> 'altern=E2ncia' ou 'prefixo' relacional).
[Andres]
>Bem, o motivo para isto provavelmente e que o contato entre o portugues e
>as linguas tupi, se tomamos perspectiva, foi insignificante. Nao sei nada
>do assunto (novamente), mas acredito que em nenhum momento houve diglossia
>entre Lingua Geral e Portugues numa porc,ao muito significativa da
>populac,ao brasileira, como para que houvesse emprestimos alem dos termos
>de flora e fauna (algo virtualmente inevitavel).
>Outrossim, nao me parece que as situac,oes de contato lingu:istico possam
>ser pensadas atraves de um unico modelo. A contribuic,ao lexica das
>linguas africanas ao crioulo haitiano e minima, mas, se Lefebvre tem
>razao, uma serie de elementos gramaticais foram trazidos sem modificac,ao
>significativa das linguas Gbe. Portanto gramatica e lexico nem sempre vao
>um da mao do outro.
Não creio que o contato entre o português e as línguas tupi
foi assim tão insignificante -- as línguas gerais, de fundo tupi,
foram as línguas mais faladas nas colônias durante um bom período
(veja-se a história, anedotal, de que um dos governadores-geral do
Grão Pará, creio que no século XVII ou XVIII, espantou-se ao chegar
a Belém e notar que, ao sair do palácio do governo, não conseguia
encontrar ninguém que falasse português). Veja-se também os artigos
do Aryon sobre línguas gerais. Observem-se também. as palavras de
uso freqüente no português e que são de origem tupi (pereba,
catinga, pindaíba, catucar~cutucar, até mesmo sufixos como -aço
em mulheraço, do tupi "(w)asu", etc.). De modo que me parece
que o contato não foi assim tão "superficial". Concordo que ele,
sem dúvida, não foi o bastante para o empréstimo de formas
gramaticais idiossincráticas como os relacionais; mas isso
é exatamente o que eu queria dizer: é preciso muito contato.
As idéias de Lefebvre se situam dentro do contexto da evolução
de línguas crioulas, algo sem dúvida fascinante. Se for o caso
que houve crioulização em algum estágio importante (i.e. alguma
protolíngua de uma família) da história das línguas implicadas
na hipótese tukajê, então será relevante. Até o momento, ainda
não vejo razão para supor isso (veja bem, não excluo a possibilidade;
apenas não vejo ainda argumentos). Trata-se, devemos dizer, de
situações bem específicas: populações heterogêneas obrigadas,
a fortiori, a falar na língua dos colonizadores. Há exemplos de
casos isolados de base não-européia (veja-se o estudo da Ana Suelly
sobre o Kokama), mas não vejo como as possíveis relações entre as línguas da
hipótese tukajê
se enquadrariam nesse caso. Afinal, elas são todas extraordinariamente
diferentes umas das outras; o fato de terem o fenômeno dos
relacionais em comum (se isso for mesmo um fato) é uma das
poucas coincidências entre elas. Em comparação, o crioulo
haitiano, mesmo com todas as suas variedades sociais, é
quase homogêneo. Onde está a base para analogia entre
o tukajê e o crioulo haitiano? Se a idéia é sugerir que
gramática pode ser tomada de empréstimo sem vocabulário,
volto a dizer: sim, em situações extremas, como a dos
escravos no Haiti. E o resultado é uma língua crioula,
não uma série de famílias obviamente diferentes com uma
característica em comum. Se a sugestão é que poderia ter
havido uma língua crioula deste tipo em algum lugar na
história das línguas (putativamente) tukajê, então, em que
ponto? A que altura? E como essa língua poderia levar à
situação atual?
Deixe-me tentar sugerir uma hipótese. Menciona-se muito,
em estudos crioulos, como há certas características gramaticais
comuns entre eles, apesar de, muitas vezes, provirem de
situações muito diferentes (crioulos de base francesa no
Haiti, e de base inglesa na Jamaica e no Suriname, com
negros de troncos lingüísticos diferentes em cada caso);
veja-se a "Bioprogram hypothesis" do Bickerton, etc. e tal.
Suponhamos que a idéia seja que as línguas tupi, karíb e jê
seriam originárias, cada uma, de uma proto-língua crioula,
de tal forma que haveria semelhanças gramamticais entre as
três proto-línguas que se transmitiriam para as suas línguas-
filhas com o passar do tempo. Assim, as semelhanças entre elas
não seriam genéticas, mas o resultado de fenômenos de convergência
no desenvolvimento de línguas crioulas. Se esta é a idéia, devo
dizer que os prefixos relacionais seriam exatamente o pior
tipo de fenômeno gramatical para se sugerir como resultado
natural da gênese de uma língua crioula: são idiossincráticos,
estranhos, aparentemente desnecessários, e não são, que eu saiba,
encontrados em nenhuma língua crioula atual.
Vejam vocês, não nego que haja fenômenos areais na
Amazônia. O Dixon, no famigerado livrinho dele, já
sugeriu inclusive uma série de candidatos a características
para definir uma "area lingüística amazônica" (p.ex. a
presença de vogais centrais altas, classificadores nominais
ou resquícios deles, posse marcada no termo possuído e
não no possuidor, sistemas numéricos pequenos, etc.),
características bem diferentes das que se encontram nas
línguas dos Andes, por exemplo. Só não vejo, francamente,
como fazer dos prefixos relacionais um deles (supondo-se,
volto a repetir, que esses prefixos constituam um
fenômeno homogêneo).
[Andres]
>Eu acho que ja sabemos o suficiente sobre os "relacionais" em varias
>linguas como para evitar certas confusoes elementais. E comec,amos a ter
>informac,oes bastantes sobre as linguas Je, por exemplo, como para tentar
>uma comparac,ao que fac,a justic,a a complexidade de sua morfologia.
>(Alias, alguem sabe se tem havido trabalho lingu:istico sistematico -
>publicado - sobre as linguas Je centrais nos ultimos anos?)
Devo dizer que eu não disponho da informação necessária para evitar
essas "confusões elementares". Volto a encorajar o Andres a dispô-la
organizadamente (e abundantemente) em um trabalho no qual ele defenda
o seu ponto de vista. Garanto que serei um dos primeiros a lê-lo e a
incorporá-lo nas minhas idéias sobre a história lingüística sul-americana.
Um abraço para todos,
Sérgio
PS - Andres, obrigado pelo interesse no meu trabalho sobre classes
de palavras. Ainda preciso revisá-lo bastante, e agradeço antecipadamente
os seus comentários.
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