[etnolinguistica] Sobre a suposta origem Tupi dos pronomes do Pirahã
Eduardo Rivail Ribeiro
erribeir at MIDWAY.UCHICAGO.EDU
Sun Feb 8 21:46:10 UTC 2004
Prezado Daniel,
Os argumentos contra a hipótese são aqueles que menciono na minha mensagem (muitos dos quais vocês próprios, os autores, reconhecem). Eu sugiro que você leia minha mensagem com mais atenção. Neste caso, você perceberá que não me limito a dizer que os seus argumentos "não são convincentes", mas aponto aquilo que considero como fraquezas da sua argumentação. A principal delas é o simples fato de que, como vocês admitem, não foram encontrados ("ainda") outros exemplos de empréstimos Tupí-Guaraní em Pirahã.
Ora, a adoção de empréstimos não é um processo seletivo como uma lista de compras. Nas línguas em que há exemplos claros de empréstimos pronominais, há ainda mais exemplos de empréstimos de raízes de outras áreas lexicais. [Neste caso, as línguas que vocês mencionam nas outras seções do artigo acabam servindo de contra-exemplo à sua hipótese para o Pirahã.] Tais exemplos testemunhariam uma situação de contato lingüístico íntimo. Por que, então, o Pirahã emprestaria pronomes, mas não outras palavras?
É claro que há evidências óbvias de contato entre os Pirahã e povos de língua Tupí-Guaraní. Dada a formidável expansão das Línguas Gerais, o mesmo ocorre com a grande maioria dos povos da Amazônia, não? Mas vocês não fornecem evidências suficientes para sugerir uma situação de contato lingüístico intenso que corrobore sua hipótese. Há evidências óbvias de contato cultural e lingüístico entre os Tapirapé e os Javaé, por exemplo. Isto se reflete não apenas na existência de empréstimos de termos referentes a itens comerciais ('cesto', 'feijão', 'araras'), mas de nomes próprios e termos um tanto domésticos, como 'lixo'. Algo assim em Pirahã?
Só mais uma palavrinha com relação aos seus argumentos sintático-semânticos. Vocês dizem, no artigo, que uma evidência adicional para a hipótese de que o pronome hi do Pirahã e o Nheengatu ahe provêem da mesma fonte é o fato de que, "in addition to their use as ordinary third-person pronouns, both are also used as demonstratives--even for non third persons, as in Pirahã hi 7obaa 7ai ti 'I am really smart', literally 'This one/someone sees well, me.'" Esta característica, que vocês descrevem como sendo 'striking' e 'unusual', é de fato muito mais comum do que vocês dão a parecer. Em inglês, se não me engano, pode-se dizer algo como 'I am he who takes your sins away', 'You are he who will die for us', não? Em Kariri, construções assim são formadas com o prefixo de terceira pessoa reflexiva di-; exemplos deste tipo se encontram em várias línguas Macro-Jê.
Lembre-se que não estou tentando dizer que o artigo inteiro está equivocado. As primeiras seções do artigo, que se baseiam em dados de outros autores, se limitam a descrever o que já está provado: que pronomes podem ser emprestados. Isto é ponto pacífico. Mas é justamente naquilo que seria a contribuição original do artigo (ou seja, a comprovação, com dados originais, da possibilidade de se emprestarem sistemas pronominais inteiros) que as evidências são menos sólidas. Eu acho o artigo útil, no entanto, como uma revisão da bibliografia no assunto.
Não me surpreende que você considere a sua hipótese "forte" (e muitos certamente concordarão com você). Eu, por outro lado, "homem de pouca fé" que sou, a acho fraca (e muitos certamente concordarão comigo). Como 'forte' e 'fraco' são termos um tanto subjetivos, é provável que discordemos para sempre (pelo menos até que evidências mais convincentes sejam apresentadas em favor de uma ou outra interpretação).
Portanto, passo a palavra para os outros colegas, para evitar o risco de ficarmos andando em círculos.
Abraços,
Eduardo
----- Original Message -----
From: Daniel Everett
To: etnolinguistica at yahoogrupos.com.br
Sent: Sunday, February 08, 2004 1:41 PM
Subject: Re: [etnolinguistica] Sobre a suposta origem Tupi dos pronomes do Pirahã
Nao vai supreender ninguem que vou responder a carta do Eduardo sobre o emprestimo dos pronomes do Piraha.
Enviei uma copia da carta do Eduardo para Profa. Thomason em Michigan e ate ela tiver tempo de ler, eu nao vou responder com muitos detalhes.
No entanto, encorajo quem estiver interessado no assunto a ler o artigo, que se encontra no meu website e no website de Thomason. O meu URL esta abaixo e o artigo e facil de encontrar. O artigo vai sair ou ja saiu nos Proceedings of the Berkeley Linguistic Society.
Os Piraha e os Mura tem contacto continuo com Nheengatu e Tenharim por mais de 200 anos. Na epoca do emprestimo, e a primeira observacao sobre isso vem do Nimuendaju, os Mura (Piraha e dialeto, provavelmente mutuamente inteligivel) mantinham contacto quase diario com falantes de Nheengatu (como Nimuendaju observa) e com os Tenharim. Isso e facil de estabelecer (os Parintintin, os Tenharim, e os Mundurucu sao quase os unicos grupos indigenas a terem nomes em lingua piraha e os piraha tem muito historias de contacto, como tambem ha bastante evidencia historica). Enquanto as evidencias especificas a favor da nossa hipotese, elas sao foneticas, semanticas e sintacticas.
Eu acho o caso bem forte e que as ideias do Eduardo abaixo simplesmente nao dao conta dos varios argumentos apresentados em nosso trabalho. Por outro lado, a minha observacao a etnolinguistica foi de fato, como Eduardo observa, menos cautelosa que a do artigo. Isso e natural, devido a natureza bem menos informal de uma lista tal como esta que um artigo publicado.
Diria que, se Eduardo tiver realmente alguns argumentos contra as nossa hipoteses (ele nao apresenta nenhum na realidade na sua carta), entao a maneira mais util seria de publicar uma replica ao nosso estudo.
Ha varios exemplos de emprestimos de pronomes na literatura. E claro que este tipo de emprestimo e considerado impossivel por varios linguistas. A melhor tentativa de responder ao nosso artigo esta sendo elaborado, de fato, por o meu colega aqui de Manchester, Prof. Yaron Matras. Yaron e eu descordamos completamente sobre isso, mas as nossas discussoes sao bem amigaveis. Alias, se for errado a nossa hipotese, quero saber. Nao tenho nenhum dinheiro apostado no negocio, nem compromisso emotivo.
Por outro lado, como disse, vou ver se a Profa. Thomason quer responder. Mas peco primeiro que os interessados leiam o artigo em questao e que as respostas, se quiser fazer nesta lista, sejam bem mais cuidadosos, consideradando cada um de nossos argumentos. Nao basta simplesmente dizer que 'nao me parecem convincentes', ou que 'hi' ocorre em outras linguas (afinal hi 'he' existe em ingles tambem!). Nosso artigo fornece argumentos semanticos, nao somente foneticos.
Agora, deixo aceitar o conselho do Eduardo e voltar a cautela: nao provamos NADA no artigo. Eduardo tem razao. E dissemos que nao provamos NADA. Mas apresentamos o que consideramos um caso forte.
Por outro lado quando expresso a minha opiniao em forum informal, se achar a ideia forte, digo e disse.
Abracos,
Daniel
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Eduardo Rivail Ribeiro
Department of Linguistics/University of Chicago
Museu Antropológico/Universidade Federal de Goiás
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