Matéria e entrevista sobre o Ofaié
Mateus Oliveira
oliveira-mateus at UOL.COM.BR
Tue Aug 23 18:51:36 UTC 2005
Segue cópia de uma matéria e de uma entrevista sobre o Ofaié, em que
são ouvidos os colegas Eduardo Ribeiro e Maria das Dores. Esse
material também fui publicado na Folha, no dia 21 de agosto.
Uma língua em extinção
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Em Brasilândia (MS), 11 pessoas são as únicas no mundo que falam
ofaié, idioma prestes a acabar
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EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A BRASILÂNDIA (MS)
A brasileira Francisca da Silva, 92, não fala nem entende o
português. No dia-a-dia, comunica-se quase somente com o seu marido,
João Pereira, 82, na única língua que conhece, o ofaié, seu idioma
nativo. Com ele, relembra a caça e a pesca que lhes asseguravam a
sobrevivência no passado, a expulsão de suas terras tradicionais, às
margens do rio Paraná, no Mato Grosso do Sul, e o assentamento que só
recentemente lhes trouxe alguma paz.
Josilene Martins, 13, não compreende nada do que dizem os vizinhos.
Índia ofaié-xavante como Francisca e João, Josilene, no entanto,
nunca teve a oportunidade de aprender a fala de seu povo, dominada
hoje por apenas 11 dos 68 habitantes da reserva, que fica no
município de Brasilândia, a cerca de 400 km de Campo Grande, capital
sul-mato-grossense.
Sem registro escrito, o ofaié-xavante é uma das 47 línguas em
extinção no Brasil, segundo o "Ethnologue". José de Souza, 30,
cacique da reserva e um dos mais jovens índios da comunidade que
ainda falam fluentemente a língua, conta que entre 1998 e 2000, ele
mesmo, que estudou apenas até a 8ª série, chegou a ensinar
informalmente o ofaié às crianças da comunidade. No entanto, diz ele,
por sugestão da Secretaria Municipal da Educação de Brasilândia, que
mantém ali uma pequena escola, as aulas teriam sido suspensas. O
motivo: o ensino de ofaié estaria atrapalhando "a fixação do
português".
"A gente ficou muito sentido, porque é uma falta de respeito", queixa-
se o cacique. "Antes, tentaram acabar com a gente fisicamente, agora
tentam terminar com a nossa cultura."
Secretário municipal da Educação de Brasilândia desde janeiro deste
ano, Francisco Aparecido Lins afirma que desconhece a decisão da
gestão anterior. E diz que já esteve reunido com o cacique ao menos
duas vezes para discutir a possibilidade de incluir, a partir de
2006, o ofaié como disciplina obrigatória no currículo escolar. Desde
que "eles se proponham a trabalhar seriamente para aprender",
ressalva o secretário.
À espera de uma solução legal para o problema, os ofaié-xavantes vêem
sua língua com dias contados.
"É bastante preocupante porque há pelo menos 18 crianças, com idade
entre 6 e 14 anos, que gostariam de aprender, mas não têm como. Isso,
apesar de a Constituição de 1988 garantir o direito de preservação
das tradições indígenas, além do aprendizado do português. Mas,
sozinhos, não temos recursos para elaborar livros", lamenta o cacique.
O uso
Na comunidade, o ofaié está presente na vida dos índios desde seu
nascimento. Além do nome em português, eles são "batizados" em ofaié.
Sempre com palavras ligadas à natureza, escolhidas no momento do
parto, pelos mais velhos. O cacique, por exemplo, chama-se Kói em sua
língua nativa, palavra que significa "fundo", porque sua mãe o deu à
luz num "lugar profundo". Também seus três filhos receberam
identidades ofaiés: Ariel, 3, chama-se Kouê ("sabiá", porque havia
muitos em volta); Josiele, 7, é Or-te-fô ("menina"), e o mais velho,
Josiel, 10, é Xouê ("fumaça", porque ao nascer, segundo o cacique,
havia forte cerração na comunidade).
A tradição do "batismo" em ofaié, no entanto, também tem perdido sua
força. Neuza da Silva (ou Teng-hô, que significa "algo distante"),
44, não nomeou nenhum de seus seis filhos com palavras de sua língua
nativa. E, embora fale, encontra resistência para ensinar aos mais
jovens.
"Falar não é tão difícil, mas duro é ensinar sem as letras", lamenta
Neuza, cuja expectativa é a elaboração de uma cartilha, missão
assumida pela pesquisadora Maria das Dores de Oliveira, da
Universidade Federal de Alagoas.
"Tento falar com as crianças, mas elas não entendem, aí tenho que
explicar em português. Com a cartilha pode ser que eles se interessem
mais", espera Neuza.
O povo e a fala
De acordo com o lingüista Eduardo Ribeiro, 34, do Museu Antropológico
de Goiânia, a agregação do nome xavante ao ofaié é um engano
etnológico histórico na identificação da tribo. Por muitos anos, o
termo foi usado para identificar quaisquer índios nômades que viviam
no cerrado, como os xavantes originais, do vizinho Mato Grosso.
O lingüista conta que o ofaié tem grande importância científica
porque é a única fala da família de mesmo nome, pertencente ao tronco
lingüistico macro-jê, que abriga, entre outros, o apinajé, o caiapó e
o próprio xavante. Segundo ele, a primeira documentação da fala foi
feita pelo alemão Kurt Unkel, apelidado pelos índios guaranis
de "Nimuendaju", no início do século 20.
Entre as peculiaridades da língua, está a variação de gênero para a
primeira pessoa do singular, ou seja, há um "eu" masculino e outro
feminino.
"Também é interessante observar que o ofaié quase não tem empréstimos
do português e poucos sofreram uma adaptação à fonologia da língua,
como "cachorro", que virou "catchoro". E mais: os ofaiés falam
português com sotaque", aponta.
Ribeiro está nos Estados Unidos, com uma bolsa do Endangered
Languages Documentation Programme, desenvolvendo, desde 2003, um
projeto que visa a elaboração de material didático para o ensino do
ofaié. Ele lamenta que muitas canções, mitos da comunidade e até
mesmo segredos como da fabricação de flechas já tenham morrido com os
mais velhos. Mas ressalta que o número de falantes, ainda jovens, é
proporcionalmente grande, o que aumenta as esperanças de um resgate e
preservação da língua para as gerações futuras.
"É surpreendente que eles tenham preservado a língua apesar dos maus
bocados que passaram. Temos que tirar o chapéu para os ofaiés",
ressalta o lingüista.
(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2108200515.htm)
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