Pa'i 'chefe' em J : um emp rstimo?

Sebastian Drude sebadru at ZEDAT.FU-BERLIN.DE
Thu Jul 7 15:30:27 UTC 2005


Prezado Eduardo,


são interessantes as possíveis cognatos para o item 'cacique, chefe'
em línguas Jê, e pelo que você expôs, me parece provavel que a
hipótese da reconstrução seja confirmada.

Quanto a tua pergunta sobre uma possível relação com termos
semelhantes em línguas Tupí-Guaraní (TG):

 > Neste caso, por?m, a exist?ncia de termo semelhante, de significado
 > afim, em l?nguas da fam?lia Tupi-Guarani sugeriria um pouco de
 > cautela, j? que os termos nas l?nguas J? poderiam ser resultados de
 > empr?stimos. Em Guarani Paraguaio, por exemplo (de acordo com o
 > dicion?rio
 > <http://www.staff.uni-mainz.de/lustig/guarani/dicc/woertlok.htm>
 > dispon?vel na p?gina de Wolf Lustig), tem-se /pa'i/ 'sacerdote,
 > cura'; palavras semelhantes ocorrem tamb?m em Ka'apor
 > <http://www.pegue.com/indio/kaapor.htm>, etc.

1) Não sei do "etc.", e eu pessoalmente desconheço outras línguas com
    este termo.  Outros membros desta lista certamente podem informar
    melhor sobre isto.
    É bem conhecido que um termo reconstruido para o Proto-Tupí-Guaraní
    para "sacerdote, shaman" é _pajé_ (que entrou inclusive no
    Português do Brasil), e eu não sei se este termo pode ser avaliado
    como um bom candidato para um cognato com _pa'i_ - fora da primeira
    sílaba, que, porém, deve ser uma das sílabas mais comuns nas
    línguas do mundo.

2) Não sou muito otimista também quanto à relação de 'afinidade'
    semântica.  É conhecido de vários povos Tupí-Guaraní o marcado
    antagonismo entre shamans e chefes (ver Clastres e outros autores),
    que somente ocasionalmente coincidem (como na busca da "terra sin
    males").
    Claro que são dois papeis sociais de destaque, mas para postular
    uma relação de empréstimo precisaria se mostrar com mais
    argumentação como um significado pode ter se desenvolvido a partir
    do outro, provavelmente com consequências graves para reconstrução
    cultural dos povos envolvidos.

3) Em outras línguas Tupí, há poucos possíveis cognatos com _pa'i_ ou
    _pajé_.  Temos _paini_ ou _paini Î_ no Mawé, e _pade_ em Xipaya
    (creio que os dados foram fornecidos no projeto Tupí Comparativo
    pelos respectivos pesquisadores, Sérgio Meira e Carmen Rodrigues).
    O início do primeiro, no Mawé, pode até ser comparado com _pa'i_,
    enquanto o segundo parece mais ser cognato de _pajé_, do TG.

4) Os termos candidatos para cognatos para "chefe, cacique" em línguas
    Tupí são escassas.  Temos algo como _tuwisa_ (_tabisarã_ em Mekens,
    dado de Vilacy Galúcio, _tuisa_ com nasalidade no /u/, em Mawé, e o
    _tuvisha_ do Guaraní, com alguns cognatos em outras línguas TG), de
    um lado, e _morekwat_ (Awetí e Mawé) ou _morerekwat_ (Kamayurá),
    que parecem ser termos regionais do (Alto) Xingú e adjacência??,
    possívelmente relacionados com o termo para "sol", de outro lado.
    Nos dois casos, nada têm a ver com _pa'i_.
    Claro que a não-existência de um termo confiável para a reconstrução
    para o proto-Tupí em si deixa espaço para especulações sobre a origem
    desta instituição social e possíveis empréstimos para sua designação.


Na minha opinião impressionística, me parece mais provável que _pa'i_
seja um termo Jê (ou Macro-Jê).  Se há alguma relação com os termos
para 'sacerdote' em algumas línguas TG citados por você, me parece ser
mais provável que sejam empréstimos por estes -- mas o desenvolvimento
semântico restaria a ser demonstrado.


 > Quanto ? profundidade temporal do Proto-Tupi-Guarani, haveria alguma
 > estimativa?

Bom, aqui e acolá se compara a família TG com as línguas romanas, o
que sugeria uma profundidade de 1500 a 2500 anos.  Porém, Schleicher e
outros argumentam que o grau de parentesco seria bem maior do que
isso, chegando a somente 1000 anos ou até menos de separação.  Eu
pessoalmente simpatizo com esta avaliação, mas de novo, outros membros
desta lista podem ter uma opinião com mais fundamento.

Espero que estas informações e impressões sejam de alguma utilidade.


Um último ponto, mais técnico: Por favor ajuste o Char(acter)Set do
teu Microsoft Outlook Express 6 para "Western", ou "Unicode".
Atualmente ele está configurado (cito do header do teu email) para
"user-defined":

 > Content-Type: text/plain; charset="x-user-defined"

O que faz com que na minha tela e provavelmente na tela de muitos
outros os acentos aparecem de forma estranha, se é que aparecem.  Em
formato de texto, recebo somente interrogações:

 > Col?quios Ling??sticos do Museu Antropol?gico


Espero poder aprender mais com os resultados da tua pesquisa no
congresso em Belém em agosto!  Até lá um grande abraço!

Sebastian

-- 
|   Sebastian   D R U D E         (Lingüista, Projeto Aweti / DOBES)
|   Setor de Lingüística   --  Coordenação de Ciências Humanas (CCH)
|   Museu Paraense Emílio Goeldi,  Belém do Pará   --  CNPq  --  MCT
|   Cx.P. 399  --  CEP: 66 040 - 170  --  Tel. e FAX: (91) 274 40 04
|   Email:   sebadru at zedat.fu-berlin.de    +   drude at museu-goeldi.br
|   URL:   http://www.germanistik.fu-berlin.de/il/pers/drude-en.html




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