entrevista do linguista Aryon Rodrigues

Paulo Bagdonas paulo_dois at YAHOO.COM.BR
Mon Mar 26 21:45:21 UTC 2007


A entrevista a seguir foi publicada no boletim da UFMG e está diponível no Jornal da Ciência, no endereço http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=45642



              JC e-mail 3230, de 26 de Março de 2007.                                                                                                                                 Aryon Rodrigues: "Em relação aos idiomas, o Brasil ainda é uma país altamente discriminatório"                                                                   
                                                                  "O que temos hoje de avanços nessa área é resultado de um processo que começou com a promulgação da Constituição de 1988" 
                   
Maurício Guilherme Silva Jr. escreve para o "Boletim da UFMG":

Apesar de sua extrema cordialidade, ele mal consegue atender a este repórter. Olhar tranqüilo, sorriso espontâneo, Aryon Dall’Igna Rodrigues tem, a cada passo, um novo interlocutor.

Afinal, todos querem, ao menos por um segundo, reverenciar aquele que, em mais de 60 anos de ofício, tornou-se um dos mais importantes lingüistas do país. Professor do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (UnB), Aryon é mundialmente conhecido por estabelecer a classificação, em famílias genéticas, das línguas indígenas faladas no Brasil.

No dia 2 de março, enquanto participava do 5º Congresso Internacional da Associação Brasileira de Língüística, realizado na Faculdade de Letras (Fale) da UFMG, Aryon Rodrigues conversou com a reportagem do "Boletim".

Nesta entrevista, ele comenta a preservação do patrimônio lingüístico brasileiro, a extinção de 85% das línguas do País e a atuação do governo Lula em relação às causas indígenas.

O senhor trabalha com o tema da preservação de línguas indígenas há mais 60 anos. Os brasileiros preservam o patrimônio lingüístico com o devido cuidado?

- Não. Só agora começa a desenvolver-se uma preocupação com as línguas indígenas e com a preservação delas, exatamente depois da última Constituição, a de 1988. As anteriores não davam espaço para as línguas indígenas. Até porque o capítulo da educação, nas constituições anteriores, estabelecia que o ensino fundamental seria ministrado, unicamente, na língua nacional, ou seja, em língua portuguesa. Do ponto de vista legal, isso só mudou quando conseguimos introduzir na Carta de 1988 não só o direito dos povos indígenas às terras, mas também o direito de preservar suas culturas e línguas. Em conseqüência disso, o MEC acabou criando uma Secretaria para Educação Indígena, que existe há mais dez anos e financia, aprova e regulamenta a educação escolar indígena. Esse movimento também chegou a estados e municípios, embora haja alguns mais sensíveis à questão. Mato Grosso, por exemplo, já tem uma experiência muito positiva, ao instalar o primeiro curso universitário para índios,
 na fronteira com a Bolívia.

Muitas línguas indígenas foram extintas no país?

- Eu tenho um trabalho – publicado nas revistas Ciência Hoje e na da Abralin – em que faço estimativa do número de línguas faladas no território brasileiro antes do descobrimento. Calculo que havia aqui 1.250 línguas. Hoje, temos 180. Ou seja, 85% delas desapareceram. Sobre algumas temos algum conhecimento, mas da maioria não sabemos nada.

Podemos dizer, ainda hoje, que “nossa pátria é nossa língua”? O patrimônio lingüístico de uma nação permanece como um dos principais itens para a demarcação de territórios? Como se dá a relação entre as línguas e o processo de globalização?

- A língua é um dos elementos mais fortes da identidade de uma sociedade. A primeira maneira de identificar uma pessoa é por meio da língua e não pela forma como ele está vestido. No caso do Brasil, temos uma situação muito peculiar, que é o fato de o português ser uma língua maciçamente majoritária, embora outras línguas sejam faladas aqui. E disso decorre um problema. O IBGE não conta línguas, e só agora é que há um esforço para convencer o órgão a fazer um censo linguístico. Quanto à globalização, a maioria da população nem se dá conta que existe essa hegemonia línguística. Provavelmente – digo isso, porque não temos controle estatístico –, o japonês seja a segunda língua mais falada no Brasil, graças aos imigrantes que moram no interior de SP, na região de Marília e Assis, no Norte do Paraná, e até no Estado do Pará, no município de Tomé-Açu. Os imigrantes japoneses são bilíngües e, se comparado aos índios, levam uma desvantagem em relação à preservação da língua. Isso
 porque, enquanto os índios conquistaram o direito de manter escolas que ensinam em sua língua, os japoneses e os descendentes de alemães e italianos não podem manter escolas em suas respectivas línguas. O que ocorre é que eles vêm mantendo, em família, o seu dialeto e as crianças vão crescendo e ouvindo a língua dos pais. Só mais tarde aprendem o português. Em relação aos idiomas, o Brasil ainda é uma país altamente discriminatório. Isso foi reforçado na Era Vargas, que se valia do nacionalismo para proibir e perseguir, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, os falantes de alemão e de italiano. Eles eram presos por falar uma língua estrangeira na rua.

Como o senhor vê a política do atual governo em relação aos povos e à cultura indígenas?

- O que temos hoje de avanços nessa área é resultado de um processo que começou com a promulgação da Constituição de 1988. A atual gestão do Ministério da Justiça reconheceu uma quantidade de terras que ainda não eram reconhecidas. Mesmo naquele caso crítico da reserva Raposa Serra do Sol, no norte de Roraima, grandes extensões de terras foram demarcadas pela Funai, beneficiando os índios Macuxi, Uapixana, Ingaricó, entre outras etnias.
(Boletim da UFMG, 12/3)
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                                            Maioria dos índios não tem merenda nem transporte                                                         Próxima                                                                    
                                                     Governo intensifica assentamento de sem-terra em área amazônica                                                                      
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