Cinema como arma para povos indígenas - Terra Vermelha _carosamigos
Victor Petrucci
vicpetru at HOTMAIL.COM
Sat Dec 6 09:20:45 UTC 2008
Caros amigos
Segue divulgação do filme Terra Vermelha sobre os Caiová. Sabemos que esse tipo de produção terá muito pouca visibilidade.
Um abraço a todos
Victor A. Petrucci
Campinas - Brasil
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Terra
Vermelha
O cinema
como uma arma para a nação indígena
Eterna
pauta dos movimentos sociais, a questão da terra indígena volta à tona através
do filme Terra Vermelha, dirigido
pelo cineasta chileno Marco Bechis. Uma co-produção
Brasil-Itália que estréia nos cinemas brasileiros no dia 29 de
novembro.
Exibido na
32ª Mostra de Cinema de São Paulo, o filme aborda a luta dos índios kaiowas, para reconquistar espaços ocupados pelo
agronegócio, além da expansão de usinas de álcool, que, na opinião do roteirista
Luis Bolognesi, “é um epicentro do terremoto
do apocalipse”.
Além de
Bechis e Bolognesi, Caros Amigos conversou com o
indigenista e advogado Nereu Schneider, além de integrantes da tribo guarani-kaiowa que participaram das gravações: Ambrósio,
Eliane, Alicélia e Ademilson.
Recebidos
com entusiasmo no Festival de Veneza, os índios impressionam com sua serenidade
e sinceridade ao falar de sua luta. Mesmo após horas de entrevistas (Caros
Amigos foi recebida ao final da tarde, após outros veículos), eles ainda tinham
paciência para dar sua versão da história e comentar sobre a importância em
participar do filme.
Confira
a entrevista e depois vá ver o filme!
Felipe
Larsen: Como surgiu a idéia de fazer o filme,
abordando esse tema?
Marco
Bechis: A questão
do outro, que é fundamental em todo o mundo. Todas as civilizações que perderam
a curiosidade pelos outros morreram. Estou falando das civilizações antigas. E a
questão do outro, na América Latina, é o indígena, e no Brasil, também os negros
que vieram da África. Eu sou sul-americano, morei no Chile, na Argentina e no
Brasil também. Quando era menino, sempre fiquei pensando quem era essa gente. Eu
via nas cidades, nas metrópoles, nos bairros, e qual era a história deles, a
história que eles viveram. A escola não falava disso.
Felipe
Larsen: Tal como no Brasil, a história
manipulada...
Bechis: Começava
em 1500, com Cabral. Eu queria fazer uma coisa nova. Queria encontrar um caminho
especial. Fui buscando até que encontrei os kaiowas.
A seleção
de elenco foi muito simples. Nós fizemos base na cidade de Dourados. Tínhamos
dúvidas se fazíamos o filme lá, mais perto dos atores, porque eles falavam “lá é
o centro do conflito. Como você vai fazer o filme lá?” Eu falei: “não vou fazer
o filme no estado de São Paulo, com atores com cara de indígenas. Isso não
interessa, vou fazer outro filme, então. Uma história de aventura. Para fazer o
que eu quero fazer, é com eles”. Também pensei em fazer o filme na Argentina,
também tem guarani, e não kaiowa. Mas era outro
contexto, outra história, e complicava muito. Então, depois de pensar muito,
chegamos à conclusão de que era possível em Dourados. Lá decidimos fazer um
estudo de logística. Eu não queria que os atores desarraigados de suas casas por
todo o tempo do filme. Eu queria que eles voltassem para casa... Então a seleção
foi feita com base em critérios subjetivos, naturalmente, mas também em função
da vontade deles de fazer o filme. A vontade deles era em alguns mais forte que
outros.
Ambrósio: Porque
isso é uma arma. Sempre repito para vários jornalistas. Hoje está havendo índio
no filme, no cinema. É uma arma que nós não sabemos usar, então pedimos ajuda.
Podemos usar as nossas armas. Sempre temos armas. E todo mundo tá ficando de cabeça erguida. Aqui no Brasil, a admiração
deles, a primeira coisa que eles me perguntam, por que a gente sai daqui, lá
para o outro lado do rio. Eu falei “Do outro lado do rio tem a pessoa que mostra
o pau e a cobra. Que serpente que matou, que serpente que é. E o pau também, que
pau que é, se é cabo de vassoura” Então, onde é que
tá a arma? Nós usamos, tiramos debaixo do tapete,
botamos em cima da mesa o que está claro hoje. Não sei se eu respondi, mas...Só isso.
Felipe
Larsen: Agora, a
questão dos fazendeiros, que em meio ao set de filmagem ficavam ali, meio
ressabiados. Em nenhum momento passou pela cabeça de vocês que não seria uma boa
idéia participar do filme? Em algum momento vocês tiveram receio em participar
por causa do ambiente?
Ambrósio: É o que eu
retorno a dizer. Eu to colocando uma touca na cabeça do fazendeiro agora. Vai
aprender por ali. Porque não sou eu, não é o Marco, não é o Luis, e isso que nós
estamos chegando aqui nesse momento, essas ferramentas estão na mão, mas essas
ferramentas que ele tem que enxergar. O fazendeiro vai fazer porque é muito
ignorante. Você sabe que hora de morte ninguém vê,
ninguém avisa. Quando é morte é morte. Mas pelo contrário ele tem que entender.
Ele não é daquelas pessoas burocráticas? É claro que ele tem que entender.
Porque se ele for fazer aquilo... Índio, pra dizer que ele tem medo, se o índio
tivesse medo vivia na cidade... Porque o índio no mato, ele entra na noite,
passa que nem bicho, sem medo nenhum e atravessa pro outro lado. Você sabe que
tem bicho no mato. E nem você mexe, nem o bicho. Agora vai ter medo de um ser
humano por ser humano? Se fosse dos ancestrais, mas
hoje?!
Fernando
Lavieri:
Ambrósio, comenta aquela cena da
terra.
Ambrósio: É porque o
branco fala coisas de setenta anos atrás. E o índio é da terra, a terra é do
índio. A terra é um alimento. Porque o índio, quando vai dormir, não escolhe
lugar nenhum. Agora veja um doutor: pega um barro no sapato, ele vai tirar o
sapato, manda lavar e anda descalço dentro da casa. Então quer dizer que ele não
gosta da terra. Como é que ele vai dizer que a terra é
dele? Eu falo minha terra porque é como é. Essa é minha terra. Agora um
empresário, tem milhões de terras. Ele tá vivendo no
que é dos outros. Tá usando o que é prato do índio, e
vivendo na sombra do índio, porque é o índio que tem a riqueza. Minérios, rio,
floresta, tudo. E ainda o índio é discriminado. Esse é o
problema.
Sobre
a questão da aculturação dos índios na atualidade Bechis corta logo a idéia comum que passa pela nossa cabeça:
Bechis: Se o
branco muda seus costumes, isso não implica uma modificação da própria
identidade. Ficamos sendo brancos de São Paulo. Agora, se o índio modifica algum
de seus hábitos, a primeira coisa que nós dizemos é dizer que ele está perdendo
a sua cultura. Eu acho isso errado. Eu fiz esse filme com eles porque eu os
conheci e entendi que eles eram os índios que estavam precisando fazer esse
filme. São índios verdadeiros, mesmo que não se vistam com as plumas. É o nosso
imaginário National Geographic que
nos leva a imaginá-los com plumas. Além disso, tem a questão antropológica. Na
nossa cabeça, a evolução é só nossa. A única evolução que nós somos capazes de
compreender é a evolução técnica. A nossa evolução é passar do cavalo ao carro,
do carro ao avião, do avião ao edifício, e agora a bomba atômica e blábláblá.
Mas tem outra evolução: do pensamento, das maneiras. Como imaginar uma
comunidade indígena que nunca teve contato com brancos, e passou mil anos em
total isolamento, e sai da floresta com arco e flecha, não são os mesmo de mil
anos atrás. Ninguém pode dizer que isso é a mesma coisa. Então estamos errando
nosso juízo sobre eles. Então a aculturação, que é uma termologia que eu
contesto, é uma terminologia ambígua, acho que seria mais interessante buscar
uma nova definição da identidade indígena hoje no Brasil, mas também na
literatura. E acho que o indígena tem todo o direito de se sentir indígena, de
manter sua identidade, mesmo utilizando as brincadeiras dos brancos, o celular,
o carro, a motocicleta. Ele não vai deixar de ser índio. Por exemplo, as
cabanas, mesmo com materiais que são diferentes dos originais, têm a mesma
estrutura de sempre. Você vê que tem um momento em que cortam uma madeira e faz
a forma da casinha. Ou seja, é uma estrutura cultural que se mantém. A casa, a
reza. Quando falamos com eles sobre nhanderú, eles
falaram “não, há rezas que não podemos falar”. E então, qual a solução? Vamos
inventar rezas. Vamos fazer rezas diferentes que não são aquelas. Então tudo
isso está repetindo a todo tempo. Eles têm os seus instrumentos culturais, a sua
visão de mundo, além da aparência que pode ser mais ou menos
moderna.
E
completa explicando sua relação com a Funai na produção
do filme:
Bechis: Eu não
queria entrar, fazer um filme em uma área indígena, justamente para não ter que
lidar com a burocracia da Funai. A Funai naturalmente
foi informada, e também ajudou de algum jeito com logística, carros, mas não
tivemos uma relação de dependência.
Nereu
Schneider: Desde o início a Funai é sabedora do projeto, assim como os kaiowas, que foram os primeiros, porque é com eles que foi
feita a história. No momento que eles falaram “nós queremos fazer isso”, como
ele mesmo diz, uma arma, aí a gente também foi nos
órgãos do governo que ajudaram nesse sentido. Mas não é uma visão “só se faz se
o governo permitir”. Mas teve intensa parceria, não só com a Funai, mas a prefeitura de Dourados. Não foi feito às
escondidas. Nem dos fazendeiros da região. Ninguém fez nada por debaixo do pano.
Sobretudo com eles (os
índios).
Fernando
Lavieri: Dá pra
projetar algum tipo de mudança na vida dos índios?
Ambrósio: Para os
kaiowas, hoje pode ajudar, mas muitos caminhos podem
ajudar. O que? Os jovens, as empresas também têm que ter respeito por esse lado.
Levam para trabalhar os meninos indígenas para o canavial, que voltam sem nada.
A parte da justiça também vai ter que respeitar. Não pegar mais a s crianças
indígenas, e abandonar pra lá. Você sabe que isso acontece muito no Mato Grosso
do Sul. Devolve as crianças pra o pai, pra mãe, pra isso tem a Funai, tem o
cacique. Vai ter que devolver tudo que foi levado. E aprender a deixar a porta
aberta, pra qualquer um de nós que chegar poder entrar. Então esse cinema
representa o que pode ajudar nesse direito, e a justiça também. Porque eu sempre
falo: o pobre, sempre anda embaixo da mesa. E hoje essa mesa...Ou racha, ou queima ou joga. Essa é a ajuda do filme
que eu to vendo. Os guaranis-kaiowas, eles tratam do
jeito que querem. E aí vai parar no que? Vai parar no suicídio. E tem muita
discussão da parte da justiça. Eu estive em Caiapó por causa do meu filho, sabe?
Cheguei falei diretamente para o juiz. Um dia, não sei quando, eu vou procurar
de onde o juiz traz essa burocracia. Se tratar a gente aqui atrás, aí nós vamos
descobrir mais ainda. A justiça enxerga só o do outro, mas o deles ela não ta
vendo. Eu acredito em mim, porque onde eu vou, eu
passo. Não vou e volto pela porta da cozinha, não. Entro pela porta da frente e
saio pela porta da frente. Eu sempre tive esse sonho, e eu espero que se dê essa
oportunidade para as famílias indígenas.
Felipe
Larsen: O que
vocês acham da Funai?
Ambrósio: Eu tenho
certeza que ela ta esperando um bom resultado, é uma arma que vai estar na mão
também. Com certeza vão saber usar muito bem, para as
famílias.
Felipe
Larsen: E dentro
dos guaranis-kaiowas, como vocês lidam com a questão
do fazendeiro chegar chamando os índios para trabalhar nas usinas?
Ambrósio:
Dez, vinte por cento é puxa saco dos fazendeiros de lá.
Dentro das aldeias, enquanto trabalham na usina, fica mulher sem mercadoria,
criança sem assistência. Quando volta de lá pra cá, pergunta se o marido tem
alguns reais pra comprar alguma coisa. Tem pra comprar pra uns, mas pra outros
não tem. E isso, essa matança, é boa pra eles. Então, não é que ele entra lá e
contrata. Ele põe um funcionário lá, pra contratar os parentes, e tirar de lá
pouco a pouco.
Felipe
Larsen: Tá um pouco cedo, o que vocês acham da repercussão na
imprensa?
Bolognesi: Olha, a
repercussão que teve na Europa foi muito forte. O filme foi destacado com um dos
melhores do festival de Veneza, e saiu nos jornais do mundo inteiro. Saiu no Japão, Estados Unidos, Inglaterra, Espanha. Matérias
sobre o filme, e das que eu li, todas positivas. E no Brasil tá começando agora, na mostra, que vai ter o lançamento, vi
só Estadão e Folha, numa cobertura bastante interessante. O importante é a gente
conseguir fazer a cobertura sair do caderno de cultura para que ela figure no
caderno de política. Porque é a hora da onça beber
água. O STF vai ter que se manifestar nos próximos seis, oito meses, no caso da
Raposa Serra do Sol, e dos pataxós da Bahia. São decisões que quase criam
jurisprudência. O que nada mais é do que respeitar a constituição, porque a
constituição no Brasil já decidiu isso. A questão das terras indígenas já foi
discutida em 88.
A Assembléia Constituinte, instância máxima da lei no
Brasil, do estado de direito, já se reuniu e disse que a terra é deles e que
nada pode ser feito sem o consentimento deles. Então esse negócio que aconteceu
agora, que os índios quebraram o pátio de uma usina hidrelétrica e jogaram fogo
nos caminhões, que alguns jornais deram como um bando de arruaceiros...Dentro da terra indígena, o estado de direito
diz que eles têm razão. Começaram a construir um pátio sem o consentimento
deles, isso é ilegal! Se a lei está do lado deles, por que não se cumpre a lei?
Eles têm que ir lá e tocar fogo no caminhão pra exigir isso. Então, nesse
momento histórico que a gente ta vivendo, 500 anos de história estão nas mãos do STF. O primeiro relator do caso Raposa
Serra do Sol, o primeiro juiz que leu todos os autos, foi favorável aos índios.
O que ele disse deixou todo mundo – o capital, os fazendeiros, todo mundo ali na
hora “que é isso? Chega no STF, que é o lugar da gente
liquidar a fatura, vem aqui um juiz e diz ‘estamos aqui para fazer valer a lei.
A constituição é clara’. Isso aqui é uma terra indígena, não se discute. Todos
os autos comprovam que é uma terra indígena”. Então se trata de uma invasão.
Quando ele falou isso, o outro falou “quero rever os autos, pára o julgamento”.
Que decisão os caras do STF vão ter diante dessa questão? A lei é clara! Agora,
na hora que ele dá isso, a tensão surge. É quase uma coisa inédita, você ter uma
instância da justiça fazendo valer a lei a favor dos indígenas. Então a gente
está num momento muito importante. Vê o lado deles. Porque a antropóloga que fez
um debate com a gente outro dia, ela falou uma coisa. Num debate de um canal
rural, ela estava num programa que podia fazer perguntas por telefone e veio a
seguinte pergunta: mas índio é gente? Ela ficou em estado choque com a pergunta.
Então o filme ainda tem a importância de colocar não só a questão política, mas
de você conhecer a condição que eles vivem, as
dificuldades. Humanizar. Porque não é só a elite. A própria classe média baixa é
muito preconceituosa. É um contato que precisa reverter essa imagem desse
preconceito muito grande que se construiu no
Brasil.
Felipe
Larsen: Você falou
desse preconceito meio generalizado até mesmo na classe média. No exterior, como
o pessoal vê essa questão da América Latina?
Bolognesi: São super
solidários, majoritariamente. Pra eles é fácil, porque nós aqui no Brasil
estamos diretamente ligados. Dar terra significa botar eles ali. Para os
europeus é uma coisa super distante, e é evidente que qualquer pessoa que olha a
coisa de longe, é evidente que a terra é dos índios. A pressão de lá de fora é
totalmente a favor das terras indígenas, e isso gera pressão ao governo
brasileiro, tratando dessa maneira, expõe. Que país é esse? Mas eles têm aliados
muito forte lá fora, uma série de entidades, só que estão longe, né? No dia a dia...
Felipe
Larsen: Eu acho
que já deu tempo dos fazendeiros ficarem sabendo que foi rodado um filme.
Falando o português claro, já teve alguma encheção de
saco?
Schneider: Por um
lado sim. “Mais um filme, mais gente falando”. Mas o que eu percebo também é que
o filme repercutiu bem, indo ao festival de Veneza, e até na região lá também.
No começo “um filme sobre índios do Brasil”. Depois, kaiowas. Opa! Um filme sobre índios de Dourados. Então você
percebe que é uma reação na minha maneira de ver. Então eles estão vendo que ta
vindo uma onda aí. Antes você tinha perguntado se os índios tiveram medo. Mas
acho que não, quem teve mais medo foi o outro lado.
Felipe
Larsen: Dá um
freio nos fazendeiros?
Schneider: Eu
acredito que sim. O filme é importante pra mostrar o drama que tá aí. O que eu vejo é que não é todo dia que se faz um
filme, longa metragem, e eles são os protagonistas. O filme mostra o drama de
uma relação.
Participaram
da entrevista diversos jornalistas, da Caros Amigos
foram Felipe Larsen, Fernando Lavieri e Lucas Bueno (Fotografia).
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