Kynyxiwe deu samba

Eduardo Rivail Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Mon Jun 9 20:53:19 UTC 2008


Popularizados pela imprensa e por obras da literatura de aventuras (de autores como Willy Aurely e José Mauro de Vasconcelos), os Karajá são talvez um dos povos indígenas que mais espaço ocupam no imaginário popular brasileiro (ou, pelo menos, no Centro-Oeste). Mesmo com isto em mente, não deixou de me surpreender um fato que acabo de descobrir: em 1979, o samba-enredo da escola de samba carioca Estácio de Sá teve como tema as aventuras de Kynyxiwe, "trickster" que, na mitologia Karajá, é o responsável pela aquisição do fogo pela humanidade, entre outras façanhas. Trata-se do samba "Das trevas ao sol, uma odisséia dos Karajás" (de autoria de Elinto Pires e Leleco, interpretado por Leleco; letra e música disponíveis no site da Estácio de Sá: http://gresestaciodesa.com.br/site_2007/samba1979.htm):

Olê, olê
Olê, olá (bis)
Se a vida tem segredo
Urubu-rei pode contar

Conta a lenda
Que os Karajás
Vieram do furo das pedras
Tal e qual os javaés
E os Xambioás
No seu mundo encantado
Só na velhice que a morte acontecia
E a Siriema despertou, ô ô
A curiosidade que havia
Kaboi, o avoengo reuniu
Guerreiros para explorar a terra
E ficou desiludido
Resolveu contar tudo a seu povo
Que dividido partiu para um mundo novo
Kanaxivue
Bravo guerreiro casou com Mareicó
E foi procurar a luz
Para tornar o seu mundo bem melhor
Morreu numa imensa odisséia
Quando urubu-rei apareceu
Lhe deu vida, o Sol, as estrelas
E o luar
E assim surgiu
A lenda dos Karajás

Não só de Kynyxiwe consiste o enredo, que também menciona um outro 
personagem de peso, Koboi (que, por sinal, não parece ocorrer no 
conjunto de histórias que têm Kynyxiwe como protagonista). Imagino que os autores do samba tenham se baseado na literatura etnográfica então existente e desconfio que, mais precisamente, tenham se baseado em trabalhos de Herbert Baldus, considerando, por exemplo, a maneira como escreveram o nome do nosso herói: Kanaxivue (vide o artigo de Baldus, de título idêntico, disponível na Biblioteca Digital Curt Nimuendaju: http://biblio.etnolinguistica.org/baldus_1951_kanaxivue). É claro que o samba toma algumas liberdades poéticas. Mas não deixa de ser uma homenagem bem merecida a uma cultura fascinante.

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Eduardo Rivail Ribeiro
http://blog.etnolinguistica.org 

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