Abar é, curussá

Emerson José Silveira da Costa emerson.costa at GMAIL.COM
Fri Apr 24 17:54:22 UTC 2009


Olá, Eduardo.

2009/4/23 eduardo_rivail <kariri at gmail.com>

> No caso de curussá 'cruz', qual é a explicação para a vogal final
> acentuada? Vejo que, em empréstimos terminados em consoante, em geral o
> sufixo onomástico Tupí é acrescentado (papera 'papel', funira 'funil' etc.),
> enquanto em empréstimos terminados em vogal, a mesma é mantida, mesmo quando
> átona (neste caso, com o deslocamento do acento para a última sílaba: cabará
> 'cabra', Peró 'Pedro, Pero'). Em curussá teríamos uma combinação de ambas as
> estratégias?


A questão é que no Tupinambá o "s" não pode terminar a raiz de uma palavra.

Dentre as consoantes e semivogais do Tupinambá (que represento aqui usando a
ortografia usada no Método Moderno de Tupi Antigo do prof. Eduardo Navarro),
as raízes só podem terminar com "b", "î", "k", "m", "n", "ng" ou "r".

Não podem terminar com "mb" (alófone de "m"), "nd" (alófone de "n"), "p",
"s", "t", "(g)û" ou "x" (alófone de "s").

O jeito de colocar essas consoantes perto do fim constituir com elas uma
sílaba tônica.

Assim, do português "papel" podemos formar a raiz "papér-", à qual se
adiciona o sufixo nominal átono "-a", e assim temos "papér-a".

No caso de "cruz", "s" não pode terminar raiz, então não poderíamos ter
"kurús-a". Para manter o "s" era preciso apoiá-lo em uma vogal tônica final,
e essa vogal foi, em geral, "a" no Tupinambá ("kurusá") e "u" no Guarani
("kurusu").

O caso de "kabará" e "Peró" é um pouco diverso. Aqui as "sensibilidades
linguísticas" dos portugueses parecem ter tido um papel.

Em tese, "cabra" poderia ter dado "kabár-a", mas me parece que não agradou o
deslocamento resultante da sílaba tônica (as raízes sempre são oxítonas)
para a posição entre o "b" e o "r", onde nem havia vogal na palavra
original. Assim "kabará" foi uma solução mais "palatável" aos ouvidos dos
portugueses.

"Pero" ("Pedro") poderia ter dado "Pér-a", mas aqui parece que o que não
agradou foi o "-a" final, provavelmente por sugerir o gênero feminino. Para
termos um substantivo com "-o" no final, só sendo tônico. Portanto: "Peró".

No sítio wiki "pysasu", destinado à elaboração de neologismos para uma
eventual utilização do Tupinambá como língua moderna, eu fiz adaptações
tentativas dos nomes de países para o Tupinambá. Podes ver o efeito das
restrições explicadas acima (consoantes finais) sobre as soluções propostas:

http://pysasu.wikispaces.com/Refer%C3%AAncia%5CTop%C3%B4nimos

T'ereîkokatu! (Que estejas bem!)

-- 
Emerson José Silveira da Costa (Ensjo)
http://tupi.wikispaces.com
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