mat éria na Folha de São Paulo
Raphael Barbosa
raphael.aob at GMAIL.COM
Mon Jul 13 01:37:30 UTC 2009
Pessoal, aí vão os textos:
+Sociedade
Vozes indígenas
PELA PRIMEIRA VEZ, IBGE FARÁ O LEVANTAMENTO DE TODAS AS LÍNGUAS
FALADAS NO PAÍS; PARA CIENTISTAS SOCIAIS, PERGUNTA SOBRE O IDIOMA DOS
ENTREVISTADOS NO CENSO DE 2010 REFLETE MUDANÇAS NA SOCIEDADE
BRASILEIRA E EM SUA IDENTIDADE, CADA VEZ MENOS "MONOGLOTA, CATÓLICA,
MESTIÇA, HETEROSSEXUAL E CORDIAL"
JOÃO PAULO GONDIM
JOSÉ ORENSTEIN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Em 2010, o Brasil saberá pela primeira vez na sua história o número
oficial de línguas indígenas faladas em seu território. No Censo a ser
realizado no ano que vem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística), um quesito específico vai levantar essa informação.
Estima-se que no país sejam faladas cerca de 220 línguas além do
português. Dessas, cerca de 190 são indígenas e as demais vieram com
imigrantes ao longo dos séculos 19 e 20.
Duas pesquisas piloto já foram feitas entre julho e novembro de 2008,
e em setembro deste ano um Censo experimental ocorrerá em Rio Claro
(SP) para testar, entre outras coisas, o novo quesito linguístico.
Quando o entrevistado pelo Censo do próximo ano declarar-se indígena,
serão feitas perguntas sobre sua língua.
É um passo importante para acompanhar o processo de afirmação da
diversidade brasileira, na avaliação do antropólogo Otávio Velho, da
UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "Trata-se de aceitar
cada vez mais o Brasil como um país plural formado por muitos grupos
que possuem sua própria identidade; é um país onde a interpluralidade
predomina."
A última vez em que foram produzidos dados oficiais sobre os idiomas
no país foi em 1950. O objetivo daquela pesquisa era ter um controle
sobre os imigrantes que viviam no Brasil, em razão da Segunda Guerra
Mundial (1939-45).
Na época, não se falava em pluralismo ou multiculturalismo, tampouco
se valorizavam línguas diferentes do português. Pensava-se num país
monoglota, católico, mestiço, heterossexual e cordial. Agora, a
situação é diferente. Segundo o professor de história na UFRJ Manolo
Florentino, a redemocratização pós-ditadura (1964-85) e o novo
arcabouço político-jurídico implantado com a Constituição de 1988
criaram "instrumentos que oferecem vantagens efetivas àqueles que se
autodefinem como indígenas: o acesso à terra, por exemplo".
Um dispositivo constitucional, porém, "não é nada se você não tem uma
luta social para implementá-lo", argumenta o professor de filosofia na
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e colunista da Folha
Marcos Nobre.
Os conflitos recentes na demarcação das terras de Raposa/Serra do Sol,
em Roraima, são exemplos de que os índios, com suas terras, costumes e
cultura, "ainda são vistos como um risco à integridade da nação por
muita gente".
O processo de autoafirmação indígena se segue a movimentos de
afirmação racial, ao crescimento no número e na visibilidade de
evangélicos e à organização dos homossexuais na luta por seus
direitos. Nesse período, os indígenas foram ganhando espaço e se
fizeram ouvir em suas reivindicações. "Seria muito estranho imaginar
um Brasil imóvel e hermético, sobretudo num mundo globalizado", diz
Florentino.
Para Marcos Nobre, trata-se de um processo de democratização geral da
sociedade. "Há uma aliança de movimentos sociais distintos, mas com
objetivos muito parecidos. Da mesma forma que os homossexuais, as
populações indígenas querem ter reconhecida como digna sua forma de
vida." Finalmente "há um reconhecimento por parte do Estado da
diversidade linguística e cultural, mas que é fruto de uma conquista,
de pelo menos 20 anos de lutas", analisa a linguista Bruna Franchetto,
do Museu Nacional da UFRJ.
O levantamento dos idiomas pelo IBGE foi sugestão do Grupo de Trabalho
sobre Diversidade Linguística, liderado pelo Iphan (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Após reuniões em 2006 e
2007, o grupo de trabalho propôs uma série de ações para a valorização
das línguas no Brasil. Com a realização do inventário nacional,
espera-se transformar os idiomas em patrimônio imaterial.
"Com a perda da diversidade linguística, perde-se a diversidade
cultural e, consequentemente, perde-se muito da criatividade humana",
afirma o linguista da UnB (Universidade de Brasília) Aryon Rodrigues,
que é um dos pioneiros da pesquisa de línguas indígenas no Brasil e
participou do grupo de trabalho do Iphan.
Outras fontes
Linguistas e missionários vêm mapeando a situação das línguas no
Brasil, no vácuo das informações oficiais sobre o assunto. Além da
lista elaborada pelo linguista Aryon Rodrigues, há duas outras fontes
para o quadro geral linguístico do país.
Em fevereiro deste ano, a Unesco lançou um atlas de línguas ameaçadas
de extinção em todo o mundo. Só no Brasil foram contabilizados 190
idiomas, com graus variados de risco de desaparecimento. Os dados
foram reunidos a partir de uma compilação de pesquisas anteriores
feitas por diversos linguistas, e que por isso muitas vezes são
irregulares.
Bruna Franchetto e Denny Moore, linguista do Museu Paraense Emilio
Goeldi, lideraram a compilação no Brasil, que classificou 45 línguas
como em risco crítico de extinção. Também neste ano, em junho, foi
lançada a pesquisa Ethnologue, feita pelo SIL (Summer Institute of
Linguistics) -uma organização cristã que mapeia línguas pelo mundo
visando à tradução da Bíblia. O Brasil é um dos principais focos de
atuação dos missionários, que, em muitos casos, são também linguistas.
Muitos acadêmicos, no entanto, criticam os métodos do SIL por
interferirem diretamente na cultura original dos índios.
Colaboraram FLÁVIA MARTIN, LUIZA BANDEIRA e VITOR MORENO.
Os autores participaram da 47ª turma do programa de treinamento da
Folha, que teve patrocínio de Philip Morris Brasil, Odebrecht e Oi.
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Vale a pena salvar idiomas?
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
É relativamente fácil mobilizar uma multidão para salvar as baleias;
mais difícil é reunir alguns gatos pingados pela preservação de bichos
pouco simpáticos, como a minhoca branca (Fimoscolex sporadochaetus),
que pode já ter desaparecido; o verdadeiro desafio, entretanto, é
arregimentar gente para conservar um idioma.
O Brasil é um dos países campeões em línguas ameaçadas de extinção. A
crer nas estimativas de Tove Skutnabb-Kangas, com 219 idiomas, somos a
oitava nação mais linguisticamente diversa do planeta, ficando atrás
apenas de Papua-Nova Guiné (850), Indonésia (670), Nigéria (410),
Índia (380), Camarões (270), Austrália (250) e México (240).
Não por acaso, as línguas faladas por pequenos grupos indígenas em
áreas tropicais são as que correm maiores riscos, a exemplo do que se
dá com espécies animais e vegetais. As pressões econômicas que
derrubam florestas são as mesmas que rompem o isolamento cultural de
índios e os levam a fixar-se em áreas urbanas, adotando idiomas
majoritários como o português.
No plano global, acredita-se que existam em torno de 6.500 línguas.
Elas podem ser classificadas em três grandes grupos em relação a suas
perspectivas de sobrevivência. São chamadas de "moribundas" quando já
não são aprendidas pelas crianças. Estima-se que de 20% a 50% estejam
nessa situação. Diz-se que estão "ameaçadas" quando se encontram em
vias de deixar de ser aprendidas por jovens. E são consideradas
"seguras" quando não se enquadram em nenhuma das categorias
anteriores. Só 10% dos idiomas são robustos o bastante para se
encaixar na última definição; 90% não sobreviverão além de 2100.
A iniciativa do IBGE de promover o recenseamento linguístico tem o
mérito de mapear, para além de chutes e estimativas, os idiomas
existentes no Brasil e o grau de ameaça que paira sobre cada um.
A questão é se vale a pena tentar salvar idiomas ou se o processo de
concentração linguística é inexorável. Na última hipótese, só o que
nos restaria fazer é colecionar o maior número possível de registros
dessas línguas, para que elas não se percam inteiramente. Cada idioma,
afinal, ao revelar como um grupo de indivíduos pensa e hierarquiza o
mundo, é uma janela para a natureza humana.
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O patrimônio da diferença
PARA ANTROPÓLOGA, HISTÓRIA DO PAÍS REVELA SUCESSIVAS TENTATIVAS DE
NEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA FÍSICA E CULTURAL DOS ÍNDIOS
MANUELA CARNEIRO DA CUNHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há um grande divisor de águas na maneira de se perceberem os índios.
Até muito recentemente -e ainda existem resquícios felizmente cada vez
mais isolados dessa visão- entendia-se que os índios estavam aí como
resquício do passado e destinados a desaparecer física e
culturalmente.
A partir sobretudo do final da década de 1980, percebeu-se que os
índios estavam aqui para ficar, e que faziam parte do futuro do
Brasil.
As variações sobre esses temas são muitas: na colônia, procurava-se
evangelizar os índios, escravizá-los ou pelo menos transformá-los em
trabalhadores braçais, em suma incorporá-los por baixo à sociedade
colonial. Morreram nos aldeamentos aos milhares, em poucos anos, de
causas então desconhecidas.
Uma explicação teórica a essa mortandade chegou no final do século 18:
biologicamente, afirmou-se com De Pauw, o Novo Mundo era um local de
senescência precoce, em que não havia grandes mamíferos como na África
e onde a civilização não podia prosperar porque a humanidade era
acometida de prematura velhice antes de poder atingir a plena
maturidade.
O desaparecimento dos índios se tornava assim, pela primeira vez, um
destino biológico. Quase um século mais tarde, o darwinismo social
explicava pela seleção natural o declínio populacional dos índios sem
aparentemente atentar para as guerras movidas nesse período aos índios
em todas as Américas para controle das terras.
Outra vertente de programas de desaparecimento biológico dos índios
eram as políticas de miscigenação, das quais a mais famosa foi a do
marquês de Pombal em 1755, mas que José Bonifácio endossou na
tentativa de criar uma nação homogênea correspondendo ao novo Estado
do Brasil.
O século 19 agregou a noção de civilização à de catequização e em
larga parte a substituiu. O "progresso" -para o qual os índios estavam
"atrasados"- sucedeu à "civilização", da República até o fim da
Segunda Guerra Mundial. Depois do "progresso", veio o
"desenvolvimento". Em muitos sentidos, catequização, civilização,
progresso e desenvolvimento são avatares uns dos outros na medida em
que preconizam mudança cultural. Mas há diferenças significativas.
Etapas da cobiça
O historiador José Oscar Beozzo distingue com razão dois grandes
períodos da política indigenista no Brasil: até cerca de 1850, os
índios eram sobretudo cobiçados como mão de obra; a partir de 1850,
cobiçavam-se sobretudo as terras deles.
"Desinfestar os sertões" do país dos seus índios passou a ser
entendido como condição de progresso. Aldeá-los fora de seus
territórios tradicionais era um modo de dar acesso às terras deles. O
mapa das terras indígenas no Brasil de hoje é o mapa das terras que
até recentemente não interessavam a ninguém.
Foi com a cobiça de suas terras que os índios passaram a ser
considerados como entraves, empecilhos ao desenvolvimento. Agora um
programa de assimilação passava a ser estratégico para tentar
descaracterizar legalmente os índios enquanto sujeitos de direitos
territoriais, reconhecidos pelo menos desde 1680 e inscritos em todas
as Constituições brasileiras desde a de 1934.
As tentativas de "emancipação" dos índios das décadas de 1970 e 1980
repetiram estratégias do último quartel do século 19 que dissolviam
aldeamentos a pretexto de que os índios estivessem misturados com o
resto da população. "Desenvolvimento" foi o mantra do pós-guerra e em
nome dele fez-se por exemplo a Revolução Verde [que disseminou novas
técnicas agrícolas].
Outra ideia mestra, provocada pelos horrores do racismo nazista, foi a
do direito à igualdade, inscrito na Declaração Universal dos Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas, de 1948, e também na
Convenção 107 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1957,
essa respondendo ao racismo do apartheid. O direito à igualdade,
essencial sem dúvida, de certa forma obnubilou outro direito
fundamental, o direito à diferença.
Sartre já dizia que a forma de racismo liberal era aceitar a igualdade
dos homens desde que despidos de qualquer especificidade cultural.
A grande inovação do final dos anos 1980 e que ganhou corpo nos anos
90 foi o reconhecimento desse direito à diferença. A grande
introdutora desse direito no âmbito internacional foi a Convenção 169
da OIT, adotada em 1989, que revisava em grande parte a convenção de
cunho assimilacionista de 1957.
Uniformidade nacional
No domínio da diferença, a questão da língua sempre foi sensível: é
provavelmente o traço mais reconhecível de todo grupo étnico. Há pouco
tempo ainda se proibia falar ou publicar em catalão na Espanha, com a
consequência -curiosa, aliás- de que há toda uma geração catalã que
não sabe escrever sua língua porque apenas a falava em casa,
clandestinamente.
A ideia de que cada país deva falar uma única língua faz parte de uma
concepção de Estado do século 18, assente em uma única comunidade
homogênea em todos os seus aspectos: religiosos, linguísticos,
culturais em geral. Ora, países como esses são a exceção, e não a
regra.
Mas, durante pelo menos dois séculos, tentou-se no Ocidente dar
realidade a essa utopia. No Brasil não foi diferente. Em 1755, o
marquês de Pombal exigiu o uso do português e proibiu o do nheengatu,
um tupi gramaticalizado pelos jesuítas e introduzido pelos
missionários na Amazônia.
Nos últimos 20 anos, a situação mudou consideravelmente: na
Constituição de 1988 se assegura às comunidades indígenas a utilização
de suas línguas maternas no ensino fundamental e agora abundam
cartilhas em línguas indígenas. Há alguns anos, o município de São
Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, reconheceu quatro línguas oficiais,
das quais três são indígenas. E, agora, o IBGE anuncia que incluirá as
línguas indígenas nas perguntas do próximo Censo.
Todas essas iniciativas marcam uma distância clara da ideologia
assimilacionista de algumas décadas atrás. A diferença linguística -e
o Brasil tem pelo menos 190 línguas indígenas- passou a ser vista como
patrimônio. Dessas 190 línguas e dialetos, a grande maioria é falada
por menos de 400 pessoas. Ora, a estrutura e a gramática das línguas
encerram toda uma visão de mundo: Benveniste mostrou, por exemplo, que
as categorias da filosofia de Aristóteles eram as próprias categorias
gramaticais do grego. Calculem os riscos que corremos.
MANUELA CARNEIRO DA CUNHA é antropóloga e professora da Universidade de Chicago.
On 7/12/09, eduardo_rivail <kariri at gmail.com> wrote:
> Querida Silvia,
>
> Muito obrigado pela dica. Seria bom se alguém com acesso à FSP online
> pudesse compartilhar as matérias conosco (é uma pena que a FSP, um dos
> maiores jornais do país, tenha um comportamento provincial e caça-níqueis em
> suas versões online).
>
> Abraços,
>
> Eduardo
>
> --- Em etnolinguistica at yahoogrupos.com.br, silvialbb at ... escreveu
>>
>> BODY { font-family:Arial, Helvetica, sans-serif;font-size:12px; }
>> Prezados coordenadores
>> Por favor, postar a mensagem abaixo;
>> Caros Colegas
>> A Folha de São Paulo traz hoje (12/07/2009) no caderno MAIS três
>> folhas sobre línguas indígenas brasileiras. Há um artigo de
>> Manuela Carneiro da Cunha.
>> Cordialmente
>> Silvia L. B. Braggio
>>
>
>
>
--
Raphael A. O. Barbosa
62 84324867
-------------- next part --------------
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