21% das l ínguas nativas do norte do Brasil estão ameaçadas
Felippe Jorge Kopanakis
kopanakisgrego at YAHOO.COM.BR
Thu Jul 16 18:37:00 UTC 2009
16/07/2009 - 10h07
21% das línguas nativas do norte do Brasil estão ameaçadas
Por Jussara Mangini, da Agência Fapesp
Pesquisadores apresentam dados sobre as línguas nativas ainda
faladas no Norte do país – com o respectivo número de falantes
identificados – e destacam a importância e dos desafios de documentar,
preservar e revitalizar a diversidade desses idiomas.
Das cerca
de 150 línguas nativas atualmente em uso no Brasil – aquelas empregadas
tradicionalmente por povos indígenas antes do contato com os
não-indígenas –, pelo menos 21% estão seriamente ameaçadas de
desaparecer em curto prazo, devido ao número reduzido de falantes e à
baixa taxa de transmissão para novas gerações, segundo pesquisadores.
Um
caminho para tentar reverter esse quadro seria a formulação e aplicação
de uma Política Linguística e Científica. Essa foi uma das principais
conclusões da mesa-redonda “Línguas Nativas da Região Norte:
perspectivas para a sua documentação, manutenção e pesquisa”, realizada
na 61ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), em Manaus.
De acordo com os participantes, essa
política poderia contribuir para: definir parâmetros de documentação
(trabalhar por família linguística ou por áreas etnográficas como a
calha dos rios, por exemplo, seguindo o que pensam os falantes ou
membros dos povos envolvidos); criar mecanismos que ajudem a suprir a
falta de recursos humanos interessados nessa área de pesquisa; e
promover a valorização das línguas nativas, contribuindo com o
desenvolvimento de estratégias de transmissão desses idiomas.
“O
processo de documentação é fundamental para ampliar o conhecimento
sobre a diversidade e transmissão das línguas nativas”, destacou
Frantomé Pacheco, professor do Departamento de Antropologia da
Universidade Federal do Amazonas, que presidiu a mesa-redonda.
Para
Dennis Albert Moore, curador da Coleção Linguística e coordenador da
área de linguística do Museu Paraense Emílio Goeldi, um dos desafios da
documentação é que idiomas que são registrados como diferentes às vezes
são dialetos de uma mesma língua, reflexo de divisões étnicas e
políticas.
Moore, que contribuiu com a produção de um atlas das
línguas em extinção, usa como exemplo o caso da família linguística
Mondé, do tronco Tupi. “A fala dos Gavião, de Rondônia, e a fala dos
seus vizinhos Zoró são geralmente listadas como línguas distintas,
quando, na realidade, são dialetos tão próximos como o português de
Salvador e o português do Rio de Janeiro”, disse.
Em artigo
publicado na revista Scientific American, em setembro de 2008,
intitulado O desafio de documentar e preservar as línguas amazônicas,
Moore, juntamente com outros especialistas, explica que na coleta de
dados há uma tendência de confundir a população de um grupo com o
número de indivíduos que falam a língua. “Certamente, o número de
falantes é muito menor do que se pensava e a situação das línguas é,
portanto, mais grave”, afirmou.
Línguas e falantes
Além
de ser a região com maior concentração de populações indígenas no
Brasil, a Amazônia concentra dois terços das línguas indígenas faladas
no país.
Apenas no Estado do Amazonas o número de línguas ainda
faladas está entre 50 e 56. Entre as que desapareceram diante do
contato com os não-indígenas estão Baré, Mura, Kokama e Torá. Há
pessoas que se identificam etnicamente como pertencentes a essas
etnias, mas que empregam uma variedade regional/indígena do português.
A
Língua Geral Amazônica (Nhenngatu) é empregada por muitas etnias,
identificando seus membros como indígenas pertencentes a elas (como os
Baré, cuja língua tradicional já não é mais falada).
Segundo
dados apresentados por Pacheco, a maioria das línguas conta com poucos
falantes (abaixo de 100). Entre as com maior número (acima de 4 mil)
estão: Sateré (6.219), Baniwa (5.811), Tikuna (cerca de 35 mil), Tukano
(8 mil), Yanomami (6 mil), Yanomam (4 mil) e Língua Geral Amazônica (6
mil).
No Pará há cerca de 26 idiomas nativos, número semelhante
ao de línguas faladas na Europa Ocidental, apontou Moore. Dessas 26,
duas não têm pesquisas sobre elas. Das demais, 50% têm estudo em nível
de doutorado e muitos artigos publicados, 31% têm estudo em nível de
mestrado e 12% têm boa descrição.
Segundo o pesquisador do Museu
Goeldi, o futuro de uma língua é determinado pela transmissão à geração
subsequente, o que é difícil de apurar. No Pará, foram identificadas
cinco línguas (19%) com índice zero de transmissão. Outras duas (8%)
têm pouca transmissão, três (12%) têm índice médio e 16 (62%) têm boa
ou alta transmissão.
Em Roraima, de acordo com Maria Odileiz
Sousa Cruz, da Universidade Federal de Roraima, há 61 povos indígenas
com menos de 200 falantes do idioma nativo e cinco povos que variam de
10 mil a 20 mil falantes.
O número de falantes em cada uma das
famílias linguísticas no Estado, sem contabilizar o grupo Yanomami, que
vive isolado, é: Makuxí (cerca de 12 mil falantes), Taurepang (600),
WaiWai (2.500), Ingarikó (1.170), Waimiri-Atroari (970), Ye’kuana
(426), Wapixana (4.000), Atoraiú (1) e Sapará (1).
Estratégias
A
demanda por documentação por parte dos grupos indígenas tem aumentado
rapidamente, de acordo com os participantes da mesa-redonda na reunião
da SBPC. Um deles, Euclides Pereira, gerente técnico do Projetos
Demonstrativos para Povos Indígenas, ligado ao Ministério do Meio
Ambiente, reforçou essa preocupação como representante do povo Makuxí.
Segundo
Pereira, não adianta só proteger a língua, é preciso difundi-la. Mas
como se trata de uma língua oral, para ensinar é preciso conhecer sua
estrutura. Há palavras, por exemplo, que só são ditas por homens e
outras só por mulheres, assim como estão surgindo novas no contato com
outros povos e com não-indígenas.
“Não funciona ensinar Makuxí
da mesma forma que se ensina o português. A universidade poderia
contribuir no assessoramento da produção de materiais que explorem não
só a escrita, mas também imagens que envolvam os alunos com histórias,
mitos e fundamentos da língua. Talvez possa produzir vídeos e CDs que
facilitem o entendimento e a difusão”, sugeriu.
No Brasil, a
digitalização e a anotação de gravações de amostras naturais de línguas
estão em fase inicial. O Museu Goeldi monta arquivos digitais modernos
em servidores. Arquivos desse tipo têm como beneficiários principais os
grupos indígenas, tal como na Austrália, onde 95% das consultas aos
arquivos são feitas por aborígenes.
Há ainda programas de
alfabetização e revitalização, mas os resultados não são levantados e
avaliados sistematicamente. Uma das iniciativas que visam ao
levantamento da situação de todas as línguas é o Inventário Nacional da
Diversidade Linguística, planejada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em parceria com a Associação
Brasileira de Linguística (Abralin).
Em Roraima, destacam-se
algumas iniciativas de instrumentalização dos falantes nativos que têm
como objetivo trabalhar com a história das línguas em seus diversos
estágios. É o caso de duas emissoras de rádio que transmitem programas
educativos em línguas nativas. A Universidade Federal de Roraima também
criou o Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena, hoje com 240
alunos, entre outros cursos criados por outras instituições do Estado.
Crédito da imagem: Funai
(Envolverde/Agência Fapesp)
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