Contribui ção Indígena para a cultura brasileira atual .

Eduardo Rivail Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Mon Oct 26 21:25:56 UTC 2009


Prezado Helder,

O "Brasil nasceu no cadinho em que diversas culturas originais se mesclaram para formar uma coisa nova", sim. Agora, se todas estas culturas participaram de livre e espontânea vontade, é o que se pode discutir. Na história da humanidade, TODA mescla de culturas implica, de certa forma, contatos indesejados ou indesejáveis. Os gauleses não pediram pra ser invadidos pelos romanos; os egípcios não pediram para ser invadidos pelos árabes e convertidos ao islã. Etc., etc. Achar que o Brasil -- ou a América Latina -- é uma exceção é ingênuo (se não for má vontade).

Uma diferença enorme entre o Brasil e, digamos, os EUA, é aquela entre extermínio e assimilação. Houve massacres, muitos, no Brasil. Mas muito do elemento indígena sobrevive hoje, nos genes de grande parte do povo brasileiro (ao contrário do que se vê nos EUA). Negar isto é que é, de fato, uma injustiça para com nossos ancestrais indígenas. Em uma conferência em Belém, aprendi que o DNA mitocondrial da população daquela metrópole amazônica é 90 porcento indígena. Você diria que todos aqueles descendentes de índios não são legítimos herdeiros das populações originais? Porque seus ancestrais cometeram o "terrível engano" de miscigenar-se?

Como mestiço de português, índio e negro, este seu niilismo me soa mais ofensivo do que qualquer ufanismo nacionalista. É baseado na concepção -- preconceituosa, sem dúvida -- de que os índios participaram do processo histórico passivamente, "coitadinhos". Houve -- e há -- injustiças, sim (contra brancos pobres, índios e negros). Mas uma das maiores delas é cometida, ironicamente, por indivíduos "politicamente corretos" que se arvoram em defensores de índio e se recusam a ver o índio como agente da história. Um pouco de perspectiva histórica te ajudaria muito.

Esta imagem do índio "em harmonia com a natureza", "tolerante para com as diferenças" é mais desumanizante do que aqueles desenhos coloniais que mostram índios com os pés voltados pra trás. Os índios são seres políticos, como qualquer outra cultura: faziam alianças entre si ou com os europeus, quando lhes parecia conveniente. 

Quando eu falo em herança, não falo em apropriação do alheio. É algo hereditário, que os meus ancestrais indígenas me passaram, geração a geração. Então, considero legítimo, sim, falar em contribuições indígenas para a MINHA cultura brasileira; se não houve contribuições para a SUA, sinto muito. A menos que você seja purista e ache que, ao se misturar, o índio deixa de ser índio. E purismo (que, felizmente, os portugueses não tinham tanto), neste caso, é o que levou os nazistas a fazerem o que fizeram.

Até,

Eduardo

--- Em etnolinguistica at yahoogrupos.com.br, Helder Ferreira <helderperri at ...> escreveu
>
> Olá todos,
> Pelo que mencionou Jefferson, eu me pergunto se essa idéia de "contribuição indígena para a cultura brasileira atual" não esconde um aspecto tenebroso de esta cultura, quer dizer, essa idéia que o Brasil nasceu no cadinho em que diversas culturas originais se mesclaram para formar  uma coisa nova. Isso é um remédio paliativo que não deixa explícito os séculos de intolerância à cultura indígena e o genocídio que significou a expansão da cultura européia pelas Américas. O Brasil é feio nesse sentido. Os povos indígenas que existem hoje no Brasil, existem apesar do Brasil. Dizer que os povos indígenas "contribuíram" ao Brasil é um eufemismo grosseiro, é como dizer que os judeus contribuíram para a cultura nazi. E por outro lado, é muito injusto com as culturas indígenas afirmar que esse Brasil destruidor e injusto é o que é por algum elemento de sua cultura. O Brasil não soube aproveitar nada dos conhecimentos indígenas sobre
>  o mundo, natureza e sociedade. Beiju, cauim? Saci, Boitatá? Tudo isso até pode fazer de um folclore longínquo e inofensivo, mas não é cultura brasileira no sentido de um elemento verdadeiramente vivo de um povo. Resta ao povo brasileiro essa miragem de que é uma mistura de raças que contribuíram de maneira equilibrada para a formação de sua sociedade. Essa miragem que apazigua o coração e faz com que nos esqueçamos daquela intolerancia e que não vejamos adequadamente como foram e são as relações entre a sociedade nacional e as sociedades indígenas (vide tudo: Tucuruí, Transamazónica, Projeto Calha Norte, Projeto de Mineração em Terras Indígenas, a intolerância das secretarias de educação a uma educação indígena verdadeiramente diferenciada e tudo mais que permeia as relações povos indígenas e Brasil). O Brasil não é indígena ainda que queiramos que o fora.
> Saudações a todos,
> Helder
> 
> --- Em seg, 26/10/09, Jefferson Garcia <jeffergar at ...> escreveu:
> 
> De: Jefferson Garcia <jeffergar at ...>
> Assunto: Re: [etnolinguistica] Contribuição Indígena para a cultura brasileira atual .
> Para: etnolinguistica at yahoogrupos.com.br
> Data: Segunda-feira, 26 de Outubro de 2009, 5:29
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>                   Olá Beni,
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> ótima ideia o seu projeto.
> 
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> 
> Gostaria de sugerir algo para o seu roteiro caso veja importância na abordagem.
> 
>  
> 
> Sendo breve, na última semana tive a oportunidade de apresentar um seminário sobre a "História e o livro didático" na Universidade Federal do Espírito Santo, e o tema de um dos capítulos de um livro que também utilizei pensei que fosse também de seu interesse.
> 
>  
> 
>  
> 
> O capitulo 13, Imagens de índios e livros didáticos: uma reflexão sobre representações, sujeitos e cidadania. Por Eunícia Barros Barcelos Fernandes no livro de Rocha, H.A.B. Reznik, L. Magalhães, M.S. (orgs.) A História na Escola: autores, livros e leituras. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2009. p. 281-320.
> 
>  
> 
> Dentre outras discussões sobre o ensino de história, o que interessa lhe informar é acerca dos esteriótipos sobre os índios construídos pelos brasileiros no decorrer dos séculos. Uma pesquisa realizada pelo Ibope em 2000 mostrou que aproximadamente 80% a 90% (se não me engano) dos brasileiros tem visões esteriotipadas dos indígenas. A autora do capítulo questiona se essa visão não foi também uma contribuição dos livros didáticos, ou seja, a escola foi o próprio local em que as crianças não conheceram quem são os índios ou conheceram-nos de forma equivocada, "assimilada" a um etnocentrismo muito comum nas escolas, e mesmo aqueles que não a frenquentaram e não tiveram contato direto com índios ou seu descendente, possuem uma ideia por vezes esteriotipada produzida pelo senso comum.
> 
>  
> 
> Alguns exemplos dessa "mentalidade" acerca dos índios seriam as ideias de 
> 
> singularidade = o índio e não os índios, neglicenciando a existência de uma multiplicidade étnica (Tupinambá, Tupiniquim, Tamoio, Carajá, etc...)
> 
> pretérito e coadjuvante = sempre no passado e coadjuvante passivo da construção da identidade e história do Brasil
> 
> selvagem = o índio só é índio se estiver nu no meio da mata e é o oposto da civilidade, necessita evoluir, é o canibal pagão,
> 
>  
> 
> Estes e outros exemplos como a errônea ideia do índio preguiçoso, não querem indicar que as pessoas "civilizadas" que possuam essa "mentalidade" não sejam a favor dos índios. A autora do capítulo em questão leu em um jornal a opinião de um leitor que abordando sobre a demarcação das terras indígenas foi defensor ferrenho das áreas para os "nativos", porém, teve argumentos deturpados por um senso comum sobre os índios, que possivelmente foi adquirido, ou não foi corrigido na escola, local de um saber científico. Afinal, um leitor do Estado de São Paulo que tem um artigo publicado na coluna dedicada aos leitores (somente um artigo por semana) tem um grau de instrução no mínimo satisfatório no que tange às normas gramaticais, o que indica ser um adulto que tenha concluído no mínimo o ensino Médio, quiçá Superior.
> 
>  
> 
> O que eu gostaria de contribuir, uma vez que sua intenção é abordar a contribuição indígena para a cultura brasileira atual, é justamente as interpretações, que por vezes são até pejorativas, e a falsa imagem na qual o "branco civilizado" criou do índio, a ponto de não reconhecer um índio a não ser que esteja nu e na selva, portando um arco e flecha e falando sua língua nativa, além de ignorar todo o universo idiossincrático das várias tribos indígenas sobre nossas representações culturais.
> 
>  
> 
> Creio que minha sugestão partiria das perguntas: como o brasileiro vê o índio e a sua contribuição? Será que faz jus à contribuição dos índios? Como o próprio colega da lista  Eduardo exemplificou os mitos do saci e do boitatá representados a la Monteiro Lobato. Realmente fazem parte da cultura indígena (e daquela forma? em qual região?) ou foi algo construído socialmente e historicamente pelo "branco" para alegar uma ancestralidade indígena em nosso sangue?
> 
>  
> 
> Espero ter contribuído com algo, mesmo que seja a partir da dúvida. Afinal, são dos problemas que surgem as grandes idéias.
> 
>  
> 
> Desejo-lhe um bom trabalho.
> 
> Jefferson.
> 
> 
> 
> --- Em qua, 21/10/09, Beni Borja <beni at psicotronica. com.br> escreveu:
> 
> 
> 
> De: Beni Borja <beni at psicotronica. com.br>
> 
> Assunto: [etnolinguistica] Contribuição Indígena para a cultura brasileira atual .
> 
> Para: etnolinguistica@ yahoogrupos. com.br
> 
> Data: Quarta-feira, 21 de Outubro de 2009, 15:01
> 
> 
> 
>   
> 
> 
> 
> Prezados, 
> 
>  
> 
> Estou escrevendo o roteiro para um documentário que versa sobre a contribuição indígena para a formação da cultura brasileira atual. 
> 
>  
> 
> Me interessaria muitíssimo ouvir de vocês suas opiniões gerais sobre o tema ,e especialmente coisas específicas que fazemos hoje cujas raízes são , ou podem ser, indígenas. 
> 
>  
> 
> Naturalmente, a contribuição linguística tem uma parte essencial nessa história que eu estou montando, mas além dela temos muitíssimos comportamentos sociais, de como comemos,bebemos, dançamos,nos asseamos  etc... que tem óbvia contribuição indígena.  Meu interesse é tanto comportamental, quanto factual. 
> 
>  
> 
> Compreendo a natureza científica desse grupo, e peço perdão antecipadamente pelo meu questionamento ser ligeiramente ¨off-topic¨, mas me pareceu que os integrantes desse grupo poderiam dar uma contribuição muito rica para esse meu projeto.  Pediria a vocês que se despissem por um momento, do rigor científico e me falassem das suas experiências pessoais e das idéias que você tem sobre o tema ,mesmo que elas não tenham comprovação material. 
> 
>  
> 
> Como se trata de uma pesquisa para um roteiro em construção, preciso nesse momentos mais de pistas e questionamentos do que própriamente afirmações categóricas, 
> 
>  
> 
> Agradecendo desde já as contribuições , 
> 
>  
> 
> um abraço, 
> 
>  
> 
> Beni Borja 
> 
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