o senador delcidio e os ofai é

Eduardo Rivail Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Mon Sep 20 01:28:44 UTC 2010


Prezados,

Eu sugiro que se dê ampla circulação a esta mensagem do Carlito. As notícias de que ele trata são de fato muito preocupantes e sua divulgação talvez contribua para chamar a atenção das autoridades competentes para o problema vivido por D. Cida e o João (apenas mais um capítulo triste na história tão trágica dos Ofayé).

Para contextualizar os acontecimentos recentes, o website do Carlito é uma fonte excelente de informações sobre os Ofayé e eu sugiro enfaticamente que todos aqueles interessados o visitem: http://www.etnolinguistica.org/ofaye

Algo que sempre me intrigou, como lingüista interessado na história dos povos indígenas do Centro-Oeste brasileiro, é o fato de os Ofayé, cujo território tradicional teria sido percorrido por tantas bandeiras, terem permanecido desconhecidos por tantos séculos. Talvez porque eles quisessem tão-somente viver em paz, no seu cantinho, sem incomodar a ninguém e sem serem incomodados. Pois cada Ofayé -- quieto e modesto -- que encontro me parece uma personificação deste desejo de ser deixado em paz. Mas esta paz, infelizmente, não lhes seria permitida, nem mesmo agora, que têm sua própria (?) terra. 

A última vez que visitei os Ofayé, há já alguns anos, tive o privilégio de trabalhar com o João, um dos falantes mais jovens da língua, e sua mãe, D. Cida, inclusive gravando diálogos entre ambos (a ternura entre mãe e filho aumentava ainda mais a beleza sonora da língua deles -- que, como seus falantes, é um exemplo incrível de sobrevivência). Foi impressionante ver o quanto conhecimento lingüístico e cultural a timidez do João guardava. Também pudera: seu lar é possivelmente o único em que a língua indígena é (ou era) usada quotidianamente. Vendo o cuidado com que tratavam um ao outro, não me surpreende que o pacato João cometesse um ato capital para defender sua frágil mãe.

Enfim, quero agradecer ao Carlito por nos lembrar que, por trás de uma língua ameaçada como o Ofayé, há vidas ainda mais ameaçadas, fragilizadas por décadas de maus tratos e descaso.

Abraços,

Eduardo

--- Em etnolinguistica at yahoogrupos.com.br, "Carlos Alberto dos Santos Dutra" <dutracarlito at ...> escreveu
>
> Solicito Divulgação
> Prof. Carlito
> 
> O SENADOR DELCIDIO E OS OFAIÉ
> Carlos Alberto dos Santos Dutra [1]
> 
>  É muito bom receber um amigo. Disse isso na sua última visita a 
> Brasilândia,
>  terra dos Ofaié. Hoje, porém, dia 19 de setembro de 2010, a caravana do
>  Senador Delcídio do Amaral passa com maior entusiasmo. É recepcionado e
>  saudado com fogos e carreatas. Acenos de mãos e aplausos unem PT e PMDB no
>  discurso local.
> 
>  Ah, como seria bom se a harmonia e a paz reinasse entre os homens. Ah, como
>  seria bom se a política e sua prática cobrisse a todos com os benefícios
>  prometidos em campanha.
> 
>  Desde o mais alto posto do poder instituído até o mais humilde torrão de
>  existência, há olhos de esperança voltados para esse homem de cabelos
>  brancos e retas intenções.
> 
>  Ah, como seria bom que suas palavras fossem capaz de vencer o medo e a
>  hipocrisia que por vezes o cercam. Ah, como seria bom que o Senador fosse
>  capaz de romper com o fisiologismo da urbe e avançasse pela poeira dos
>  campos, onde sobrevivem acampados,  aldeados, os esquecidos de toda sorte.
>  Porque sei que ele é capaz.
> 
> Falo da margem, dos que se encontram distantes dos palanques. Falo dos Ofaié
>  que neste mesmo dia de alegria pela chegada de Delcídio, esse povo celebra 
> a
>  tristeza de vivenciar mais uma tragédia de morte. Ah, Senador nos perdoe 
> mas
>  são tantas as injustiças, que essa, é apenas mais uma. Só que essa dor é 
> tão
>  recente e ainda cala fundo.
> 
> Primeiro foi meu primogênito, Sebastião, jogado de um hospital para outro,
>  até morrer de meningite em São José do Rio Preto, minha primeira perda.
>  Depois foi meu marido, Eduardinho, hábil artesão, que fazia flechas lindas 
> e
>  as vendia a troco de uns poucos cruzados, desassistido em hospital, morreu
>  de câncer, para tristeza de minha alma.
> 
>  Depois, foi de novo, aquela doença cruel que devorou minha carne e minhas
>  esperanças, debilitando-me ao extremo, porém sobrevivi, e hoje vivo abaixo
>  de remédios contando os meus dias, vendo a aldeia desaparecer.
> 
>  Agora o meu filho João que, para defender-me da ação de invasores patrícios
> Guarani, chegou ao extremo do que a injuria suporta e deu cabo do agressor.
>  Ah, Senador, como dói saber que ele logo em seguida correu à cidade para se
>  entregar.
> 
>  Ah, Senador, como gostaria Alfredo, nosso sábio ancião, de contar-lhe nossa
>  história, se vivo fosse. Ah, Senador, como sua doce esposa iria sofrer ao
>  ouvir as histórias de Eugênia e Francisca, Dirce e Maria, entre tantas mães
>  que perderam seus filhos e que também já partiram.
> 
>  Ah, Senador, como gostaria essa mãe, Cida, que o senhor pudesse zelar e
>  proteger o seu filho, nesta hora tão difícil, preso numa delegacia por
>  defender a vida desta anciã, nos poucos dias que lhe restam. Depois de tudo
>  que me foi tirado, nossa aldeia abandonada pela Funai, nas mãos de
>  saqueadores e péssimas lideranças, minha esperança, deposito-a em suas 
> mãos.
> 
>  Meu título de eleitor?, Desculpe, Senador. Ele está tão desbotado devido a
>  fumaça do barraco e as lágrimas que choro agora, que tenho até vergonha de
>  mostrar...
> 
>  --------------------------------------------------------------------------------[1] - Sobre os indígenas Ofaié ver http://dutracarlito.vilabol.uol.com.br
>


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