[etnolinguistica] Recapitulando

Eduardo Rivail Ribeiro erribeir at MIDWAY.UCHICAGO.EDU
Thu Feb 6 18:13:50 UTC 2003


Prezado Andrés,

Acho que para discutir esse assunto é necessário que se lance mão de um
grande número de evidências; não é algo que se possa fazer em mensagens de
e-mail (mesmo porque não tenho tempo de repetir e repetir as evidências). É
por isso que há espaço para se divulgarem artigos na página do grupo. É
provável que você não os tenha lido (não o censuro; sei que cada um tem
coisas muito mais importantes a fazer). Mas, a menos que você os leia, não
dá para continuar essa discussão. Outra coisa: a sua relutância em aceitar
análises como as da Ludoviko, da Marília e da Luciana Dourado parece ter
mais a ver com sua resistência em admitir que sua análise possa estar furada
do que com qualquer outra coisa (conheço paralelos no caso do Tupi também).
Como disse, não há grandes vantagens na sua análise mesmo para o Mebengokre
(menos ainda para as demais línguas); no máximo, é uma análise equivalente
às demais, em termos de poder explicativo. Você não respondeu a nenhuma das
perguntas que lhe fiz até agora. Por isso acho que estamos andando em
círculos.

Reconheço que haja poucas evidências lexicais para o Macro-Jê. Mas as poucas
que há são muito sugestivas e merecem ser investigadas mais a fundo (não
ignoradas). O problema é que você dificilmente as verá, porque você parece
estar querendo reinventar a roda, ignorando que já havia gente trabalhando
nessas línguas antes de você. É o caso do Jê Meridional; você leu Henry? Se
leu, não entendeu, ou não conseguiu ligar as relações óbvias entre o que ele
diz sobre o Xokléng e o que temos em Kaingáng. Se você tivesse lido,
provavelmente não chegaria a muitas das conclusões errôneas que você
menciona abaixo.

Quanto à 'falta de evidências' para a existência dos prefixos em Jê, acho
curiosa. Porque, no fim das contas, haveria no mínimo tantas evidências para
considerá-los como prefixos, quanto para a sua análise em termos de lenição.
Portanto, acho que o seu apego à sua análise é antes um caso de menosprezo
pelo trabalho de outros colegas do que qualquer outra coisa. Já que você
fala de ingenuidade em outras análises (talvez em oposição à sofisticação da
sua própria), voltemos às aulinhas de morfologia: a sua relutância em
aceitar as consoantes iniciais como prefixos seria equivalente a não se
aceitar que cant- em cantar, por exemplo, seja a raiz do verbo, 'porque
afinal nunca achamos cant- isoladamente'.

> sei nada. Mas fiquei muito mais empolgado com suas primeiras
> mensagens, em que voce falava dos "aplicativizadores nominais", do que
> com sua defesa da existencia de prefixos relacionais em Je. Acho que

O irônico é que sua empolgação não era, de fato, com a minha análise, mas
com a sua própria compreensão equivocada dela.

Mas gostei da idéia de compartilharmos algumas cervejas.
Abraço,
Eduardo


----- Original Message -----
From: "Andres P Salanova" <kaitire at mit.edu>
To: "Etnolingüística" <etnolinguistica at yahoogrupos.com.br>
Sent: Thursday, February 06, 2003 11:04 AM
Subject: Re: [etnolinguistica] Recapitulando


> Alô Eduardo
>
> Não se frustre; eu só pedi um esclarecimento e ganhei uma
> ofuscação. Se estou insistindo é porque os argumentos empíricos (se os
> há) não me convencem. E argumentar sobre bases conceituais só vai nos
> conduzir a mais frustrações, porque eu não compartilho sua idéia de
> que a análise diacrônica é "o panorama mais amplo", especialmente se a
> sincronia não é bem compreendida.
>
> Apesar do que Luciana e Marília e Ludoviko tenham falado, e do que eu
> mesmo me senti tentado a falar no passado, os "prefixos relacionais"
> das línguas Jê não são a mesma coisa que você descreve em Tupinambá,
> no parágrafo que citei na mensagem anterior. Em Tupinambá, você tem
> evidências independentes de que o prefixo é um prefixo, e você tem um
> "paradigma" com três formas, uma das quais é zero. Em Jê setentrional,
> você tem um par de "pre-segmentos" em oposição, mas nenhuma evidência
> de que eles sejam prefixos. O ponto essencial da minha análise do
> Mebengokre (i.e., unificar eles com a flexão de terceira pessoa) não
> depende de que a manipulação morfológica seja simples, como é no caso
> do Mebengokre. So depende (repito) de que não haja evidências
> sincrônicas para considerar o "pre-segmento" um prefixo em oposição
> com outro, e separável do radical. Se a análise sincrônica é correta
> (e podemos mesmo debater isto), então, no ramo meridional os prefixos
> nao estao porque as linguas do ramo desenvolveram uma forma diferente
> para o pronome de terceira pessoa (que, so de passagem, nao acho que
> seja tao nova), o ramo central nao tem prefixos relacionais nao sei
> porque, e no ramo setentrional so ha uma alternancia que e chamada
> "prefixos relacionais" por inercia, mas que nao tem as mesmas
> caracteristicas dos prefixos relacionais do Tupinamba. Concluo que não
> há "prefixos relacionais" propriamente ditos em nenhuma língua da
> família Jê. Portanto "o panorama mais amplo" me parece um pouco
> desolador.
>
> > O que eu disse é que a sua aférese
> > 'coincidentemente' ocorre em lugares em que, em outras línguas do tronco
(e
> > da família), temos claramente um prefixo. Por que a 'lenição' não ocorre
com
> > as raízes para 'semente', por exemplo? Ou ocorre? E por que a sua
'aférese'
> > ocorre em
> > todos os ambientes em que *z ocorreria em Proto-Jê, inclusive em posição
> > medial?
>
> Bem, pra começar, *z é um artefato de Davis, não é uma realidade que
> pode desconfirmar uma análise sincrônica consistente. Em Mebengokre
> ele corresponde a /j/ em algumas palavras (jajkwa), e a /'/ em outras
> ('y). Talvez em posição V_V ele desaparece por completo. Você diria
> que ele corresponde a /j/ quando ele é um prefixo, e a /'/ quando ele
> não é, se interpreto bem. Seria tão ou mais fácil (pois, como já
> perguntei na mensagem anterior, o que faria que a consoante de um
> prefixo escapasse da obrigação de ter correspondências regulares nas
> línguas atuais?) reconstruir dois segmentos no lugar de um. Não sei
> nada de reconstrução, mas aposto uma cerveja que você obtém os mesmos
> resultados desta maneira.
>
> > E não é engraçado que a sua lenição em Mebengokre vai exatamente na
> > direção inversa do que ocorre em outras línguas?
>
> Não entendi. Você quer dizer que dj -> zero é lenição mas j -> s não
> é? Tem razão, mas eu não prometi lenição pra todo mundo.
>
> > Portanto, quando eu disse que concordo com sua análise,
> > não implico, com isso, que não concorde com análises alternativas. De
fato,
> > em termos de economia, sua análise e as demais chegam a resultados
> > idênticos. Em ambas as análises, itens lexicais precisam ser
lexicalmente
> > especificados como pertencentes a uma ou outra classe morfológica.
>
> Não, acho que aqui você se engana.
>
> > demais línguas da família e do tronco. Em comparação com a análise
> > 'ingênua', sua análise deixa mais perguntas por responder (apesar de --
ou
>
> Novamente, acho que voce se engana. Cf. abaixo.
>
> > por causa de -- toda a maquiagem teórica que você tenta usar).  Uma
delas,
> > extraída do seu artigo (p. 233), é a seguinte:
>
> > "Resta determinar por qué precisamente estas consonantes son afectadas
por
> > el proceso de aféresis. Esta pregunta tendrá que esperar un estudio
> > comparativo más profundo con otras lenguas de la familia para ser
respondida
> > de manera satisfactoria."
>
> E verdade, mas isto, antes de ser a ultima palavra, deveria ser o
> início de uma discussão um pouco mais produtiva, com base em
> argumentos empíricos. No meu ver, na análise do Mebengokre que é
> apresentada nesse trabalho, as seguintes perguntas são respondidas:
>
> - Por que o outro prefixo de 3a pessoa que existe em
> Mebengokre (ku-) tem um comportamento similar à marcação de pessoa por
> aférese.
> - Por que não ocorre aférese em nomes próprios (nhiakrekampi),
> por dentro de morfologia derivacional (bixadjwyry), nos radicais
> verbais quando eles não são flexionáveis (djua, nhy), e em certas
> palavras que podem ser tanto alienavais quanto inalienaveis, quando
> elas nao sao possuidas (djudje).
> - Por que não há palavras flexionáveis em Mebengokre iniciadas
> em consoante palatal "estável", e no entanto ha muitas palavras
> iniciadas por vogal (isto nao tem muito a ver, mas em algum lugar foi
> dito que era uma maneira de decidir a qual classe pertenceria uma
> determinada palavra).
>
> Outrossim, mostramos de maneira cabal que não é necessário especificar
> no léxico quais palavras sofrem aférese e quais não, pois TODAS as
> palavras flexionáveis que começam com determinadas consoantes sofrem
> aférese. As consoantes que caem formam mormente uma classe natural, e
> não são de nenhum modo "especiais", i.e., ocorrem de maneira "estável"
> em posição medial e em início de palavras não flexionáveis.  Aposto
> outra cerveja que se eu fizer um experimento com logatomas ("blicks")
> inalienaveis iniciados em "dj", "nh" e "j" em Mebengokre, os falantes
> vao flexionar eles na terceira pessoa tirando a consoante
> inicial. Muito estranho se voce precisasse indicar no lexico a "classe
> flexional" da palavra.
>
> Acho que os argumentos apresentados nesse trabalho podem se estender a
> outras línguas, para defender que as alternâncias no início do radical
> são o reflexo de apenas uma categoria morfológica, e não duas, como no
> caso do Tupinambá. Faz tempo que repito o verso para todo jeólogo que
> conheço, e o único contra-argumento aceitável (i.e., não conceitual)
> que ouvi até agora foi da Roseane, que constata que o "x" inicial não
> cai em "xer" em Pykobye (algo sobre o que poderiamos conversar tb.)
>
> > Se posso aventurar uma resposta para a questão acima: seria, talvez,
porque
> > essas consoantes correspondem de fato a prefixos nas outras línguas, que
> > alternavam com um outro prefixo cujo reflexo fonológico é zero em
> > Mebengokre?
>
> Sim, sem dúvida alguma. Só que não são prefixos.
>
> > Talvez seria interessante, para o começo, separar os casos de
> > 'aférese' em que restam vestígios da consoante 'apagada' dos casos em
que
> > tais 'vestígios' não ocorrem. Se você comparasse os dados do Mebengokre
com
> > os de outras línguas da família, talvez percebesse que ambos os tipos de
> > 'aférese' têm origens diacrônicas um tanto diferentes (e continuam se
> > comportando diferentemente em Mebengokre, ao que parece).
>
> Não entendi; você tem algo específico em mente? Em Mebengokre restam
> vestigios da consoante apagada em quase todos os casos, pois "dj" e
> "j" vao pra [h], na verdade, nao propriamente pra zero. So que, vai
> saber por que, quem fez a analise fonemica do Mebengokre achou que [h]
> e zero eram a mesma coisa. Acho que esta certo: todas as palavras
> iniciadas em vogal podem comecar com um pouco de aspiracao.
>
> > No caso das 'gradações' nas línguas célticas, se me lembro bem,
consoantes
> > oclusivas tendem a se comportar de maneira semelhante, como uma classe
> > natural. Este não é, naturalmente, o caso da família Jê.  Mesmo os
exemplos
> > interessantíssimos das línguas celtas derivam, em última instância, de
> > fatores fonológicos.
>
> Acho que não dista de ser o caso do Mebengokre, pois caem todas as
> consoantes palatais iniciais de palavras flexionáveis. E não duvidaria que
> o condicionamento inicial possa ter sido fonológico, mas isso
> contradiz diretamente sua proposta de encontrar "paralelos claramente
> concatenativos".
>
> > Se a sua explicação é,
> > como nas línguas celtas, postulando regras morfologicamente
condicionadas de
> > ensurdecimento ou vozeamento,
> > lenição ou reforço, ou seja o que for, tanto faz. No final, é um
mecanismo
> > morfológico (quer você o trate como uma regra de afixação ou de
alteração
> > sub-segmental), que encontra paralelos mais conservadores (claramente
> > concatenativos) em outras línguas do tronco. É tudo o que importa, no
meu
> > caso -- que, enfatizo, estou interessado simplesmente em aplicar o
método
> > histórico-comparativo ao estudo deste e outros assuntos nas línguas
> > Macro-Jê.
>
> Não discordo de que seja morfológico; longe disso. Aliás, acredito ter
> provado que não é possível fazer uma análise fonológica do
> processo. Simplesmente não admito suas evidências de que haja
> "paralelos claramente concatenativos" na família Jê. Se os há em
> Tupinambá ou Kariri, que bom. As evidências que ligam Kariri com Jê,
> se chegarem a vinte cognatos putativos, sem correspondências
> regulares, já é muito, e as que ligam Tupi com Jê não vão muito além,
> com toda franqueza. Se você quer apoiar a hipótese de parentesco entre
> estas famílias num fato morfológico isolado, deveria ter certeza de
> que você está comparando duas coisas equivalentes. Senão você vai
> chegar às mesmas conclusões que Greenberg (cuja musiquinha é *t'ina,
> t'ana, t'una).
>
> > O exemplo acima aplica-se estritamente ao Karajá, é bom enfatizar. Não
estou
> > insinuando de maneira alguma que seria a mesma coisa no caso do
Mebengokre
> > (como disse, concordo com sua análise; acho-a sincronicamente eficiente
e
> > repito: não tenho o menor interesse em mudá-la).  Mas confesso que tendo
a
> > desconfiar de análises que tendem a complicar o que é simples. É muito
> > engenho, pouca arte. Teorias são feitas para explicar os dados, não para
> > complicá-los.
>
> Tem razao; portanto acho que há três ou quatro questões, apresentadas
> acima, que devem ser explicadas em Mebengokre (e provavelmente também em
> muitas línguas relacionadas), e que são explicadas de maneira simples
> assumindo uma morfologia não concatenativa quase trivial, que tem
> paralelos em outros sistemas não aparentados. Aliás, "morfologia
> subtrativa" ocorre plausivelmente em outros lugares do Mebengokre e
> Suyá, como aponta Ludoviko (c.p.), v.g., na formação do radical
> "finito" dos verbos (em que há simples apócope em um número grande
> deles). Portanto, acho que longe de nos ajudar a achar a melhor
> descrição sincrônica, meter a diacronia no meio joga a crianc,a fora
> junto com a agua do banho, a troco de nada ou quase nada.
>
> Nao vou lhe dizer como fazer linguistica diacronica, pois disso eu nao
> sei nada. Mas fiquei muito mais empolgado com suas primeiras
> mensagens, em que voce falava dos "aplicativizadores nominais", do que
> com sua defesa da existencia de prefixos relacionais em Je. Acho que
> para ter um quadro melhor do que o de Davis (cuja reconstrucao nao e
> mais do que um Apinaye camuflado) e necessario fazer como ele faz, e
> reconstruir "de dentro pra fora", pois dessa maneira os detalhes
> importantes nao se perdem em favor do "panorama".
>
> Bem, e isso; espero que a discussao continue; as listas sao pra isso,
> afinal. Espero que outra hora a gente possa continuar a conversa tomando
> umas cervejas (tomara que sejam no minimo duas).
>
> Ate,
> Andres
>
> Andres Pablo Salanova
> http://mit.edu/kaitire/www
>
>
>
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