[etnolinguistica] =?x-user-defined?Q?Resumo:_'Milho'=2C_um_caso_de_difus=E3o_lexical_em_Mac?= =?x-user-defined?Q?ro-J=EA_=28e_alhures=29?=

Eduardo Rivail Ribeiro erribeir at MIDWAY.UCHICAGO.EDU
Sun Feb 1 07:34:49 UTC 2004


Prezados colegas,

Há alguns meses, enviei à Etnolingüística uma mensagem discutindo a possibilidade de que as palavras para 'milho' em diversas línguas Macro-Jê (Karajá maki; Karirí masiki (Kipeá), madiki (Dzubukuá); Purí maky, Coroado maheky) seriam resultados de difusão lexical, em vez de retenções de uma proto-língua comum, ao contrário do que sugere Aryon Rodrigues, que inclui estas palavras, juntamente com o Iatê máltSi e o Rikbaktsá natSi, em sua lista de prováveis cognatos Macro-Jê (Rodrigues 1999:200). A idéia básica da minha mensagem era a seguinte:

"As palavras para ‘milho’ em algumas línguas Macro-Jê são extremamente semelhantes (Karajá maki, Karirí masiki, Purí maki). Este fato, em línguas tão remotamente relacionadas (onde correspondências fonológicas são tudo, menos óbvias), sugere a possibilidade de difusão lexical, em vez de retenção de uma proto-língua comum. Se esta hipótese estiver correta, qual seria a fonte destes empréstimos? [...] Peço aos colegas que se interessarem por este assunto que, por gentileza, contribuam com dados das línguas que estão estudando."

Peço desculpas pela demora em enviar o prometido resumo e agradeço a todos os colegas que, atendendo gentilmente ao meu pedido, se dispuseram a contribuir para esta discussão: Willem Adelaar, Maria Odileiz Souza Cruz, Sérgio Meira, Denny Moore, Dan Everett, Filomena Sândalo, Frantomé Pacheco e Pedro Viegas Barros (via Sérgio Meira).

Arawak.  As respostas deixam claro que a mais provável origem dos termos mencionados acima (Karajá maki; Karirí masiki/madiki; Purí maky, Coroado maheky; Iatê máltSi) é Arawak, como mencionado por Adelaar (Waurá maiki, Palicur máyki, Wapishana mazikh) e Sérgio Meira (Taino mahiz ou mahís, Carib das Ilhas márichi). [A estes exemplos, talvez se deva acrescentar Guató majei (de Castelnau, apud Martius 1867). Infelizmente, não tenho aqui comigo dados mais recentes do Guató, como os de Adair Palácio e, portanto, não posso confirmar a transcrição desta palavra.]

Como apontam Adelaar e Sérgio Meira, o termo espanhol maíz, bem como o francês maïs e o inglês maize são também de origem Arawak (tendo sido tomados de empréstimo, direta ou indiretamente, ao Taino, língua Arawak das Antilhas). Segundo Sérgio, "a primeira menção é de 1500, no diário de Colombo."

Karib. A palavra Rikbaktsá natSi, por outro lado, parece ser de origem Karib, como já havia sido sugerido por Willem Adelaar (vide referências na mensagem de Pedro Viegas). Frantomé Pacheco, Sérgio Meira e Odileiz fornecem uma abundância de dados de línguas Karib que demonstram a semelhança óbvia: Ikpéng anat; Tiriyó aanai; Karihona anatxi; Wayana ehnai; Katxuyana o'nasi; Hixkaryana nasïnasï; Tamanaku a'natxe; Kuikuro ana; Ingaricó a?nai; etc.

Como menciona Pedro Viegas, termos semelhantes ocorrem em Kanamarí (família Katukina), natyi e em algumas línguas do Chaco paraguaio: Payaguá n'Ets-Ék; Maká naats'axik; Angaité latsihi; Lengua meridional latsehe.

Em suma, das cinco palavras para 'milho' listadas como prováveis cognatos Macro-Jê, quatro (Karajá, Karirí, Purí-Coroado, Iatê) são possivelmente de origem Arawak e uma (Rikbaktsá) é possivelmente de origem Karib.

Rondônia. Denny Moore menciona um outro caso interessante de difusão lexical de um termo para 'milho', no sul de Rondônia: Ayuru atiti, Makurap atiti, Mekens asisi, Kanoé atiti, Djeoromitxi txitxi, Arikapu txitxi, Kwazá atxitxi. Denny também menciona dados interessantes quanto à antigüidade da introdução do milho nas terras baixas da América do Sul: "Do que eu me lembro de um pôster que vi em um congresso sobre genética, existem duas variedades de milho na América do Sul. Uma é adaptada ao frio e se acha na região andina há 4.000 anos. A segunda está na Amazônia há 2.000 anos." [Para os mais curiosos, há vários artigos sobre o assunto na internet.]

Se tal introdução se deu há tão pouco tempo, o termo para 'milho' não poderia ter existido em Proto-Macro-Jê, cuja profundidade temporal, dado o grau de diversificação das línguas do tronco, é presumivelmente muito maior. Por outro lado, como o termo para 'milho' parece ser reconstruível para o Proto-Karib (e, presumivelmente, para o Proto-Arawak), isto fornece pistas interessantes quanto à idade relativa destas famílias.  Ou seja, se uma palavra para 'milho' já ocorria em Proto-Karib e Proto-Arawak e a introdução do cultivo desta planta no continente se deu há cerca de dois mil anos, estudos arqueológicos e genéticos podem fornecer evidências externas para a datação das respectivas proto-línguas.

Origens e difusão do cultivo do milho. Aparentemente, a hipótese mais amplamente aceita aponta o vale de Tehuacán, no México, como o local onde o milho foi inicialmente cultivado, por volta de 5 mil anos a.C. (embora haja ainda debate quanto à data e ao local mais prováveis). Os dados aqui discutidos são, naturalmente, consistentes com a idéia de uma dispersão de norte a sul, sugerindo que a introdução do cultivo do milho em grande parte das terras baixas da América do Sul tenha se dado por intermédio de povos Arawak e Karib.

É interessante que as línguas Macro-Jê que apresentam o empréstimo de origem Arawak (ou seja, o Karajá, o Purí e o Coroado, o Karirí, o Iatê -- descontando-se, por enquanto, o termo Guató) são ou eram faladas ao leste do Rio Araguaia, enquanto a maioria das línguas aqui discutidas que apresentam uma palavra de provável origem Karib são faladas a oeste desta área.  Isto aparentemente sugeriria pelo menos duas rotas de difusão, uma de origem Arawak, ao leste, outra de origem Karib, ao oeste. [Também interessante é a notável semelhança entre a forma Karib ANATXI e a forma Tupí-Guaraní amplamente difundida AWATXI.]

Mas isto tudo é assunto para pesquisas futuras. Mais uma vez, obrigado a todos aqueles que contribuíram com esta discussão!

Abraços,

Eduardo


Referência:
Rodrigues, Aryon Dall'Igna. 1999. Macro-Jê. in Dixon & Aikhenvald (editores), The Amazonian Languages, 165-206. Cambridge University Press.


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Eduardo Rivail Ribeiro
Department of Linguistics (University of Chicago)
Museu Antropológico (Universidade Federal de Goiás)
http://www.etnolinguistica.org

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