[etnolinguistica] Imprensa: Metade das l=?ISO-8859-1?Q?=ED?=nguas do mundo est á amea=?ISO-8859-1?Q?=E7?=ada

Eduardo Rivail Ribeiro erribeir at MIDWAY.UCHICAGO.EDU
Mon Mar 1 22:12:34 UTC 2004


A edição de hoje do jornal O Globo publicou uma matéria sobre línguas ameaçadas, mencionando o caso do Xipaya (que conta aparentemente com apenas com uma falante, Dona Maria Xipaya). Entre os entrevistados estão Aryon Rodrigues (Laboratório de Línguas Indígenas, UnB), Ana Vilacy Galucio (Museu Paraense Emilio Goeldi) e Fausto Guadarrama (Associação de Escritores em Línguas Indígenas do México).

O texto reproduzido abaixo foi extraído do JC E-Mail 2473, de 1 de março de 2004.


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Metade das línguas do mundo está ameaçada

Dona Maria Chipaia já passou há algum tempo dos 70 anos, mas não sabe sua idade exata. Mulher simples, moradora de Altamira, no Pará, ela é a guardiã de um tesouro de valor inestimável que, quando ela morrer, desaparecerá também

(Flávio Henrique Lino escreve para 'O Globo')

Dona Maria é a última falante de xipaya, uma das 42 línguas indígenas brasileiras ameaçadas de extinção em breve. O fenômeno não é restrito ao Brasil.

Há anos os lingüistas soam o alarme e recentemente a Associação Americana para o Progresso da Ciência repetiu o aviso: se nada for feito, até metade das 6.800 línguas do planeta poderá desaparecer ao longo deste século.

Estimativas mais pessimistas falam em até 90% de perdas

Isso significa uma língua morta a cada dez dias. Os mais alarmistas estimam que o quadro poderá ser pior, com 90% dos idiomas sumindo até 2100 diante do avanço de línguas dominantes, como o inglês, o russo, o hindi, o espanhol e o português.

Com isso, a Humanidade perderá parte significativa de sua memória, adquirida na longa caminhada desde o início da civilização há dez mil anos.

'A língua é o aspecto mais marcante de qualquer cultura. Ela faz parte da identidade do povo e é o instrumento por meio do qual ele passa seu conhecimento tradicional de geração a geração', disse a 'O Globo', de Belém, a lingüista Ana Vilacy Galucio, do Museu Emílio Goeldi.

'Nesse sentido, uma das grandes conseqüências da perda de uma língua é a perda da identidade, com implicação direta na percepção da vida cultural, espiritual e intelectual.'

Para a Unesco, uma língua precisa de cem mil falantes para ser considerada segura, garantindo sua passagem às gerações seguintes. O lingüista americano Michael Krauss, uma autoridade no assunto, estima que apenas 600 idiomas estão fora de perigo.

Na Ásia, por exemplo, que abriga 32% das línguas, metade delas tem menos de dez mil falantes.

A situação é agravada pelo fato de que mais de 50% da diversidade lingüística concentra-se em oito países - Nova Guiné, Indonésia, Nigéria, Índia, Brasil, México, Camarões e Austrália - quase todos pobres e com outras prioridades que não a preservação de seus idiomas indígenas ameaçados.

'É preciso criar condições favoráveis nas próprias comunidades para que as línguas indígenas sejam motivo de orgulho. Muitas vezes a sociedade dominante não está sensibilizada para a convivência intercultural e vê os idiomas indígenas como um elemento folclórico', criticou Fausto Guadarrama, da Associação de Escritores em Línguas Indígenas do México.

Criada em 1993, a associação ajuda a preservar as línguas nativas do México produzindo material literário. Seus 70 associados escrevem em 24 das 62 línguas indígenas
mexicanas - 34 delas em perigo de extinção.
Mas nem tudo são más notícias. A crescente consciência da importância da riqueza lingüística da Terra levou a iniciativas bem-sucedidas para ressuscitar idiomas já no CTI de Babel.

É o caso do havaiano, que na década de 80 estava reduzido a menos de 400 falantes - quase todos com mais de 50 anos - e hoje, graças aos esforços de grupos como o Aha Punana Leo, conta com quase dez mil.

No Brasil, pelo menos 3 línguas têm apenas um falante

Seguindo uma experiência realizada na Nova Zelândia para fazer renascer o maori, o grupo criou 12 pré-escolas com imersão total para assegurar que as crianças aprenderiam o havaiano como língua materna.

'O que tentamos fazer é permitir-nos ser havaianos contemporâneos, saber quem somos e ser capazes de transitar nos dois mundos: o de nossa identidade americana e o de nossa identidade havaiana', disse, do Havaí, Hauoli Motta, do Aha Punana Leo.

No Brasil, calcula-se que tenham sobrevivido hoje 180 das estimadas 1.200 línguas indígenas que havia em 1500. Pelo menos três delas teriam apenas um falante. O panorama começou a mudar com a Constituição de 1988, que instituiu o ensino nos idiomas indígenas, e há vários projetos de preservação em andamento.

Numa iniciativa pioneira, o município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, declarou línguas oficiais, além do português, o baniwa, o tukano e o nheengatu.

Já a Funai auxilia em produção de material didático, formação de professores indígenas e promoção de intercâmbio entre estes e especialistas das tribos, como artesãos e contadores de histórias.

'A situação melhorou, mas ainda está havendo perdas. Falta dinheiro para pesquisarmos melhor nossas línguas. Aí, vêm pesquisadores do exterior com financiamento, coletam dados e levam para analisar lá fora', adverte Aryon Rodrigues, diretor do Laboratório de Línguas Indígenas da UnB.

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'É vital preservar as línguas'

A lingüista Ana Vilacy Galucio integra o grupo de especialistas em línguas indígenas do Museu Emílio Goeldi. De Belém, ela disse a 'O Globo' que é preciso vontade para preservar as línguas

(Ana Lucia Azevedo escreve para 'O Globo')

- Como morrem as línguas?

Ana Vilacy Galucio - O desaparecimento de uma língua está ligado ao número de falantes, mas principalmente ao grau de transmissão às novas gerações, quer dizer, quantas crianças estão aprendendo a língua. É importante que o idioma continue a ser aprendido pelas novas gerações e que haja um contexto onde ele seja normalmente usado. Qualquer coisa que provoque a quebra de transmissão da língua às gerações mais novas pode ameaçar a continuidade de seu uso. Isso acontece com o casamento com falantes de outras línguas, a dispersão do grupo, a estigmatização da língua, a pressão de grupos majoritários...

- O que o Brasil perde com a morte de suas línguas?

- Identidade e toda uma gama de manifestações culturais realizadas por meio da língua. No caso das línguas indígenas brasileiras, sua manutenção é fundamental para que possamos apreender parte do conhecimento tradicional dos povos indígenas sobre astronomia para plantio e coleta, controle natural de pragas, domesticação e uso de plantas medicinais e aromáticas, identificação de solos... Existe também uma outra perda quando uma língua desaparece: a científica. Há de 160 a 180 línguas no Brasil, mas menos de cem já foram objeto de descrição científica.

- Como salvar uma língua sem tradição escrita?

- Há várias técnicas sendo usadas no mundo hoje para tentar conter o processo de extinção de línguas minoritárias. Mas o passo fundamental é que haja a vontade do grupo envolvido e condições sócio-político-econômicas.
(O Globo, 1/3)




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"[...] genetic prehistory is not the only kind of linguistic prehistory.  In terms of the overall prehistory of unwritten languages it is as rewarding to uncover evidence of earlier contact as it is to find evidence of genetic relationship."
(Mary Haas, The Prehistory of Languages)




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