Dicion=?x-user-defined?Q?=E1rio_Portugu=EAs-M_acro-J=EA?=

Eduardo Rivail Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Wed Jul 13 17:48:50 UTC 2005


Prezado Harley,

Não existe um dicionário Macro-Jê propriamente dito. Macro-Jê é um conjunto hipotético de línguas e famílias lingüísticas extremamente diferenciadas entre si que seriam, supostamente, relacionadas geneticamente à família Jê. Há, assim, dicionários de línguas Macro-Jê, mas não um dicionário Macro-Jê. Enquanto famílias como a Jê, a Tupi-Guarani e a Karib, ou mesmo troncos como o Tupi, são agrupamentos de línguas mais claramente relacionadas, a inclusão de certas línguas no tronco Macro-Jê é algo extremamente hipótetico ainda. Para uma introdução ao tronco Macro-Jê, vide Rodrigues (1986, 1999).

O que poderia haver seria um dicionário etimológico (ou seja, histórico-comparativo) de línguas Macro-Jê, incluindo formas reconstruídas para a hipotética proto-língua. Este tipo de dicionário existe no caso de famílias bem estudadas, para as quais os estudos histórico-comparativos atingiram um estágio mais avançado, como é o caso do Indo-Europeu. Mas, no que diz respeito ao Macro-Jê, estamos muito distantes disto. Há apenas pequenas listas de prováveis cognatos (consulte, por exemplo, Rodrigues 1999).

Agora, quanto à família lingüística Karirí (hoje extinta), há uma quantidade razoável de dados, registrados em uma gramática e um catecismo Kipeá (pelo jesuíta Luiz Mamiani) e um catecismo Dzubukuá (pelo capuchinho Bernardo de Nantes). Com base nas obras de Mamiani e Nantes, estamos (a equipe do Setor de Etnolingüística do Museu Antropológico/UFG) elaborando um dicionário Kariri, que esperamos disponibilizar a partir do ano que vem. No caso das informações que você procura, o vocabulário publicado por Rodrigues (1942), extraído da gramática de Mamiani, é uma fonte útil; mas, naturalmente, a melhor fonte é mesmo a gramática de Mamiani.

Vamos, finalmente, aos dados. 'Mato', em Kipeá, é iretcé. 'Branco' é cu. Como em outras línguas Macro-Jê, o adjetivo geralmente segue o nome (como em português). Cu 'branco' é uma das raízes que requerem prefixos classificatórios. Tais classificadores (doze, no total) categorizam os nomes da língua em diferentes classes, de acordo com princípios semânticos nem sempre muito claros. Nas palavras de Mamiani, ocorrem prefixados a "adjetivos numerais, ou de medidas, ou de cores, ou outros, conforme a variedade da matéria dos seus substantivos com que concordam". Por exemplo, ya- é o prefixo classificador para "nomes de coisas de ferro, ossos, ou coisas agudas". Assim, para se dizer 'faca grande', se diz

udzá ya-chi
faca CLAS-grande
'faca grande'

No caso de 'mato branco', no entanto, só podemos especular quanto à tradução em Kariri, a menos que tal expressão tivesse sido documentada nas fontes disponíveis (o que não parece ser o caso). O uso de classificadores é comumente determinado pelo contexto cultural; na falta de falantes nativos a quem pudéssemos consultar, fica difícil saber com certeza. Uma forma como *iretcé cu (lit. 'mato branco') seria provavelmente agramatical, já que o uso de prefixos classificatórios parece ter sido obrigatório com este adjetivo. Mas que classificador usar? O classificador he-, para "nomes de paus, e pernas, ou cousas feitas de pau"? Ou o classificador nu-, para "nomes de buracos, poços, bocas, campos, vargens, cercados"? Ou o classificador genérico bu-? Neste último caso, a tradução hipotética de 'mato branco' seria

iretcé bu-cu
mato CLAS-branco
'mato branco'

Mas até mesmo a escolha do adjetivo poderia ser problemática. A tradução acima é um tanto literal. Se o objetivo é referir-se à caatinga ('mato branco' em Tupinambá; ou seja, uma vegetação mais rala que a floresta úmida e o cerrado), talvez os falantes nativos tivessem escolhido um outro adjetivo, como kenké 'alvo, limpo', né ~ nu 'claro', ou crá 'seco'. Ou poderiam ter simplesmente tido um lexema específico para este termo. Enfim, como uma língua é muito mais do que uma coleção de palavras e regras gramaticais, qualquer tradução destituída de um contexto cultural é temerária.

Este é um bom exemplo do quanto se perde quando uma língua deixa de ser falada, por mais haja algum tipo de documentação.

Bem, espero que estas informações lhe sejam úteis. Estou incluindo, abaixo, uma pequena lista de referências bibliográficas, caso você esteja interessado em se familiarizar mais com o Kariri e o tronco Macro-Jê.

Atenciosamente,

Eduardo


Referências:
Mamiani, Luiz Vincencio. 1877 [1699]. Arte de Grammatica da Lingua Brasilica da Naçam Karirí. 2a. edição. Rio de Janeiro: Bibliotheca Nacional.

Mamiani, Luiz Vincencio. 1942 [1698]. Catecismo da Doutrina Christãa na Lingua Brasilica da Nação Karirí. Lisboa. (Edição fac-similar, Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional).

Nantes, Bernardo de. 1896 [1709]. Katecismo Indico da Lingua Karirís. Lisboa. (Facsimile edition published by Julio Platzmann, Leipzig)

Rodrigues, Aryon. 1942. O artigo definido e os numerais na língua Kirirí. Vocabulário Português-Kirirí e Kirirí-Português. Arquivos do Museu Paranaense 2.179-211.
Rodrigues, A. (1986). Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola.

Rodrigues, Aryon. 1997. Nominal classification in Karirí. Opción 22.65-79.

Rodrigues, Aryon. 1999. Macro-Jê. In Aikhenvald & Dixon (editores), The Amazonian Languages. Cambridge: Cambridge University Press.



----- Original Message ----- 
From: "Davidson Harley Oliveira Marinho Bentes" <harleybentes at yahoo.com.br>
To: <etnolinguistica at yahoogrupos.com.br>
Sent: Tuesday, July 05, 2005 1:51 PM
Subject: [etnolinguistica] Dicionário Português-Macro-Jê


Alguém poderia me informar algum dicionário Português-Macro-jê na
Internet?
Desejo saber a tradução de Mato Branco em idioma Macro-Jê, do índios
carirís.
-------------- next part --------------
An HTML attachment was scrubbed...
URL: <http://listserv.linguistlist.org/pipermail/etnolinguistica/attachments/20050713/ca805859/attachment.htm>


More information about the Etnolinguistica mailing list