Imprensa: Sobre “Arqueologia da Amazônia", de Eduardo Góes Neves

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Mon Sep 25 19:31:12 UTC 2006


Matéria da Folha de São Paulo, reproduzida no JC E-mail 3108 (25/set/2006)
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*A floresta dos homens, sobre "Arqueologia da Amazônia", de Eduardo Góes
Neves
*
*Livro apresenta o primeiro panorama completo da ocupação humana da Amazônia
na pré-história *

Cláudio Angelo, editor de Ciência da "Folha de SP", publicou este texto no
caderno "Mais!":

Poucos arqueólogos experimentaram as agruras do trabalho de campo na selva
amazônica de forma tão concentrada quanto o paulista Eduardo Góes Neves.

Em 2001, uma picada de jararaca interrompeu uma de suas temporadas de
escavação -e por pouco não lhe interrompe a vida- num sítio em Iranduba,
perto de Manaus.

Quatro anos depois, no ano passado, uma tragédia ainda maior aconteceu, na
mesma cidade: o principal colaborador de Neves, o americano James Petersen,
foi assassinado durante um assalto, num dia de folga.

Também concentrada é a dose de informação em "Arqueologia da Amazônia",
primeiro livro do pesquisador voltado para o público geral. Em apenas 88
páginas, o pesquisador do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP traça o
histórico de mais de 10 mil anos de ocupação humana da maior floresta
tropical do mundo, que alguns incautos ainda insistem em chamar de "deserto
verde".

Mas a quem interessa saber sobre a pré-história amazônica? A resposta do
autor passa longe de utopias fitzcarraldianas e das lendas de Eldorado. O
passado indígena amazônico interessa ao presente nacional amazônico.

"Parte dos problemas sensíveis no que se refere à condução e à discussão
(...) de estratégias voltadas para a ocupação e o desenvolvimento
sustentável da Amazônia está diretamente ligada ao completo desconhecimento,
ou até mesmo desinteresse, com relação à milenar história de ocupação humana
da região", afirma Neves.

Trocando em miúdos, a presença humana ajudou a moldar a floresta como ela é
hoje -e o corolário disso é que discutir a preservação da selva tropical
como se o bioma fosse algo isolado da presença humana é ignorar a própria
história natural daquele lugar.

*Uma provocação e tanto.
*
A medida do desconhecimento ao qual Neves se refere é o fato de que seu
livro provavelmente seja o primeiro para não-arqueólogos a dar um panorama
completo da pré-história amazônica -sendo que as pesquisas arqueológicas
sistemáticas têm mais de cinco décadas na região.

Esse pioneirismo tardio tem vários motivos: o mais imediato é que, até
agora, existe muito, muito pouca evidência material sobre os antigos
habitantes da floresta.

A umidade, a acidez dos solos e a vegetação permitiram preservação de restos
humanos e vestígios de suas aldeias em poucos lugares. Esta é a barreira
física, digamos, à investigação científica.

Mas até bem pouco tempo atrás havia uma barreira mais difícil de transpor: a
ideológica.

Ela impedia que arqueólogos jovens e empolgados como Neves e outros de sua
geração – Denise Schaan, Vera Guapindaia e Edithe Pereira, do Museu Goeldi,
Denise Gomes, também do MAE-USP, e Mike Heckenberger, da Universidade da
Flórida – se lançassem ao trabalho de campo na floresta.

Dentro do modelo hegemônico de classificação das sociedades indígenas
americanas, definido nos anos 1940 por arqueólogos dos EUA, a Amazônia era
considerada um território marginal, ecológica e culturalmente, indigno da
atenção da arqueologia "séria" a não ser talvez nas referências à elaborada
cerâmica marajoara – interpretada como resultado de uma migração fracassada
de povos andinos para as terras baixas sul-americanas.

O mito do ambiente marginal começou a ser derrubado na década de 1980,
quando escavações da americana Anna Roosevelt no Pará mostraram que a
cerâmica americana – inovação que marca alguma complexidade social e algum
adensamento demográfico – é uma genuína invenção dos povos da floresta
tropical.

De lá para cá, a busca por uma cronologia amazônica completa tem se
intensificado, com descobertas importantes feitas no fim da década passada e
no começo desta.

Pesquisas ainda em curso do próprio Eduardo Neves têm revelado assentamentos
gigantescos às margens do rio Amazonas: aldeias fortificadas e ocupadas por
milhares de pessoas, durante intervalos surpreendentemente curtos de tempo.

Novos estudos também têm lançado luzes sobre as civilizações mais
emblemáticas da Amazônia antiga, a marajoara e a tapajônica (autora das
famosas cerâmicas de Santarém).

Que ninguém busque em "Arqueologia da Amazônia" uma palavra final sobre as
antigas sociedades indígenas amazônicas. Esta é, em mais de um sentido, uma
fronteira do conhecimento.

Mas Neves tem o mérito adicional de transmitir ao leitor (sem cobras aqui)
seu próprio fascínio pela floresta onde escava há 20 anos. Se, como sustenta
o autor, não é possível entender a floresta sem entender o homem, um buraco
na bibliografia amazônica começa a ser fechado.

Serviço:
Livro - "Arqueologia da Amazônia" Eduardo Góes Neves; Jorge Zahar Editor, 88
págs., R$ 22
(Folha de SP, Mais!, 24/9)


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