ergatividade em l ínguas Jê setentrionais

Andrés Pablo Salanova kaitire at GMAIL.COM
Sun Mar 14 16:32:08 UTC 2010


Bom dia, Eduardo.
Resta a questão de porque é natural que as nominalizações sejam  
ergativas ou que haja um pouquinho de ergatividade em todas as  
línguas. Por um lado, o padrão não é universal. Segundo a síntese  
tipológica de Koptjevsaja-Tamm, as nominalizações de ação são  
ergativas em entre um terço e a metade das línguas do mundo. Em  
inglês mesmo existe uma nominalização "ativa" (1) ao lado da  
nominalização "passiva" (2) que mostra o padrão ergativo:
	(1) John's destruction of the city/John's arrival.
	(2) The destruction of the city by John/The arrival of John.
Por outro, as explicações que conheço (ou posso imaginar) para a  
correlação entre nominalizações e ergatividade não são muito  
convincentes. Alexiadou faz uma bela descrição para terminar dizendo  
que sempre se nominaliza um verbo passivo, sem dizer porque. Dixon não  
diz nada, mas seria fácil estender a explicação "discursiva", de que  
o ergativo se usa em contextos em que o controle do sujeito sobre a  
ação é menor, algo tão circular quanto a explicação de Alexiadou.
Acho que é uma omissão importante ter uma teoria para a ergatividade  
em orações finitas que não fale sobre a ergatividade em sintagmas  
nominais. Como você diz, Ludoviko e eu acreditamos que as formas  
verbais que ocorrem com o alinhamento ergativo são substantivos.  
Porém, ao menos em meu caso, isto é dito num contexto em que a  
distinção entre as partes do discurso é muito tênue, e em que a  
maioria dos predicados mostram unicamente um comportamento nominal/ 
adjetival, salvo certos temas semanticamente eventivos, que, além do  
comportamento nominal/adjetival, podem se combinar diretamente com a  
dêixis temporal para se transformarem em verbos finitos. Em qualquer  
língua (e há muitas) em que a distinção entre substantivos e verbos  
é tão tênue assim (e provavelmente semântica e não sintática),  
dizer que os predicados com alinhamento ergativo ou com semântica  
estativa são nominais é quase um petitio principii.
Não me consta que tenhamos resultados empíricos sobre a  
superficialidade da ergatividade de origem nominal. É possível que  
ela nunca seja uma ergatividade sintática, mas nisto ela não seria  
diferente da maioria das construções ergativas oracionais. Há alguma  
outra área da sintaxe na qual teriamos que procurar conseqüências  
profundas do alinhamento ergativo?
Em suma, questões interessantes que não convém por de lado.
Saudações,
	Andrés

On 13/03/2010, at 21:23, Eduardo Rivail Ribeiro wrote:

> Olá, Flávia,
>
> Minha opinião é que ergatividade em Jê Setentrional "is in the  
> eyes of the beholder." Alinhamento é, como você sabe, uma questão  
> de mais ou menos, não de tudo ou nada (todas as línguas que  
> conheço têm pelo menos um pouquinho de ergatividade). E, no caso  
> das línguas em questão, como eu venho dizendo, ergatividade é algo  
> superficial (sem conseqüências profundas em outras áreas da  
> gramática da língua) e epifenomenal (sendo efeito colateral da  
> nominalização). Há, no mínimo, tanta ergatividade quanto haveria  
> em inglês e latim. O único exemplo convincente de ergatividade  
> sintática que conheço em Macro-Jê continua sendo, como eu menciono  
> em meu artigo para a Encyclopedia of Language and Linguistics (http://www.wado.us/paper:ell2 
> ), o Karirí.
>
> Sim, eu já conhecia o artigo do Aroldo (e, inclusive, já o havia  
> incluído na Bibliografia Macro-Jê: http://macro-je.etnolinguistica.org/item:5 
> 1). A análise dele é idêntica à sua? É que não tive ainda tempo  
> de ler seu artigo do IJAL; e o da Ameríndia, pelo visto, ainda não  
> está disponível online, está?
>
> Então, o que me lembro da sua análise foi o que discutimos já há  
> alguns anos, e pode ser que você tenha mudado desde então. Minha  
> principal objeção, na época, era que você não admitia o caráter  
> nominal dos verbos longos. Se são mesmo nomes -- como sugeria o  
> Ludo, e como analisa também o Andrés --, então toda construção  
> envolvendo verbos longos é (originalmente, pelo menos) nominal. E,  
> se toda construção ergativa envolve um verbo longo, então a  
> ergatividade é uma conseqüência do caráter nominal do "verbo",  
> que, por sua vez, é uma conseqüência do fato de que os morfemas  
> que o seguem -- adposições, auxiliares -- requerem uma forma  
> nominal do verbo.
>
> Há, por outro lado, aquelas construções em que o verbo não é  
> seguido de nenhum "operador" (um rótulo interessante que vocês usam  
> mas que, para mim, tem valor descritivo duvidoso). A suposição sua  
> é, se me lembro bem, que tais construções são finitas -- e,  
> portanto, não há como analisar-se o verbo nestas construções como  
> sendo nominal. Se for este o caso -- e pode ser que eu tenha te  
> entendido mal --, seria uma suposição equivocada quanto a  
> "finitude" (finiteness), como se toda construção finita tivesse que  
> ter um verbo -- o que não é o caso, necessariamente, nas línguas  
> Macro-Jê e mesmo em línguas européias.
>
> ERGATIVIDADE EM PORTUGUÊS. Então, aplicando a análise de  
> Benveniste ao português, teríamos, como em latim, um padrão  
> absolutivo na expressão do argumento de nomes deverbais: em  
> "destruição da cidade", "cidade" corresponde ao O; em "entrada de  
> animais", "animais" corresponde ao S. Para exprimir o A, um  
> argumento externo é necessário: "destruição da cidade pelo  
> inimigo". Enfim, S=O≠A. Eba, ergatividade!
>
> Imaginemos, então, que um lingüista que não conheça a história  
> desta construção encontre usos como:
>
> Proibida e entrada de menores (S)
> Permitido o consumo de leite (O)
> Proibido o consumo de álcool (O) por menores (A)
> etc.
>
> Será que este lingüista hipotético analisaria "entrada" e  
> "consumo" nestes exemplos como formas verbais finitas? E o português  
> como língua ergativa?
>
> Se puder, por favor, me envie os trabalhos que você mencionou, por  
> email. Não poderei lê-los tão cedo, mas, assim que tiver mais  
> tempo, gostaria de fazê-lo.
>
> Abraços,
>
> Eduardo
>
> --- Em etnolinguistica at yahoogrupos.com.br, Flávia de Castro Alves  
> <pahno at ...> escreveu
> >
> > Olá Eduardo.
> > Aproveito para te perguntar uma dúvida que tenho sobre sua  
> opinião a respeito do alinhamento ergativo nas línguas
> > Jê Setentrionais: pelo que foi dito na sua última mensagem sobre  
> a ╲chamada ergatividade nestas línguas╡ (palavras
> > suas), você considera que, sincronicamente, não há alinhamento  
> ergativo? Se sim, quais seriam essas línguas.
> > No caso do Canela, a partir do comportamento sintático exibido  
> pela língua, não há outra alternativa a não ser
> > considerar as construções ergativas sincronicamente como  
> orações principais.
> > Ainda sobre os estudos em sintaxe diacrônica do Jê Setentrional,  
> te passo mais essa referência de um trabalho que
> > orientei, defendido na Unicamp em 2008 (qualificação de área):
> > ANDRADE, Aroldo Leal de. Percursos de gramaticalização da  
> ergatividade em línguas Jê setentrionais. In: BRAGGIO, S.
> > L. B.; SOUSA FILHO, S. M.. (Org.). Línguas e Culturas Macro-Jê. 1  
> ed. Goiânia: Gráfica e Editora Vieira, 2009, v. 1, p.
> > 43-68.
> > Fico no aguardo.
> > Com um abraço,
> > Flávia
> >
> >
> >
> > On Sáb 13/03/10 03:08 , "Eduardo Rivail Ribeiro" kariri at ... sent:
> > > Cara Maísa,
> > > A mensagem da Flávia me fez lembrar de uma outra possível
> > > sugestão de leitura -- um pequeno texto que escrevi em 2003
> > > sugerindo uma hipótese sobre a origem da "ergatividade" em  
> línguas
> > > Jê Setentrionais:
> > > http://www.wado.us/paper:ergatividade
> > > Já me intrigava então o fato de que as análises que eu havia
> > > visto sobre a chamada ergatividade nestas línguas pareciam  
> ignorar
> > > um fato evidente: que tal alinhamento era, simplesmente, uma
> > > conseqüência do caráter nominal das construções envolvidas --
> > > já que as mesmas envolvem as chamadas "formas longas" dos verbos,
> > > que são, afinal, nomes.
> > > Assim, a situação em Jê Setentrional seria idêntica, em
> > > princípio, ao que se vê no latim e no inglês (cuja
> > > nominalizações também seguem um padrão absolutivo), como
> > > descritos, respectivamente, em dois textos clássicos: o artigo  
> sobre
> > > o genitivo latino, de Benveniste; e "Remarks on Nominalization",  
> de
> > > Chomsky.
> > > Talvez haja alguma utilidade em consultar este textinho -- pelo
> > > menos pelas referências a estes dois textos fundamentais e a um
> > > terceiro, importante para o assunto em questão: um artigo de
> > > Ludoviko dos Santos propondo (pela primeira vez?) que os tais  
> verbos
> > > longos seriam, de fato, formas nominais.
> > > Como no caso do Karajá -- em que um "split" ativo-estativo foi
> > > proposto com base no comportamento de descritivos, que são, na
> > > verdade, nomes --, este assunto demonstra a importância de se
> > > estabelecer bem critérios para distinguir nomes de verbos,  
> papéis
> > > semânticos e gramaticais, etc., antes de se partir para a  
> análise
> > > de sistemas de alinhamento. Do contrário, corre-se o risco de se
> > > fazer "translation-based linguistic analysis".
> > > Abraços,
> > > Eduardo
> > > --- Em etnolinguistica at yahoogrupos.com.br, Flávia de Castro Alves
> > > escreveu
> > > >
> > > > Olá Maísa.
> > > > Eu tenho trabalhado com a nominalização (oracional) e sua
> > > relação com os sistemas de alinhamento em Canela (Jê
> > > > Setentrional), mais especificamente o alinhamento ergativo e um
> > > outro, que tenho descrito como nominativo-
> > > > absolutivo (neste, houve a perda da categoria ergativo). Indico
> > > abaixo alguns trabalhos meus sobre esse tema.
> > > > Havendo interesse, posso disponibilizá-los eletronicamente.
> > > >
> > > > 1) Castro Alves, Flávia de. No Prelo. Evolution of case-marking
> > > in Timbira. International Journal of American
> > > > Linguistics, October, 2010. 82pp.
> > > >
> > > > 2) Gildea, Spike & Castro Alves, Flávia de. No Prelo.
> > > Nominative-Absolutive: Counter-Universal Split Ergativity in Jê
> > > > and Cariban. Gildea, Spike & Francesc Queixalós (eds.).
> > > Ergativity in Amazonia (Typological Studies in Language, 89).
> > > > Amsterdam: John Benjamins Publishing Company. pp. 263-318. April
> > > 15, 2010.
> > > >
> > > > 3) Castro Alves, Flávia de. 2010 Complement clauses in Canela,
> > > atualmente submetido à publicação.
> > > >
> > > > 4) Castro Alves, Flávia de. 2008. O papel das nominalizações  
> na
> > > evolução do alinhamento ergativo nas línguas Jê:
> > > > dimensões funcionais e estruturais. AMERINDIA 32. pp.11-25.
> > > >
> > > > Além disso, uma dissertação de mestrado foi defendida semana
> > > passada no meu programa de pós-graduação (PPGL
> > > > / UnB). Logo logo deve estar disponível. De qualquer forma,  
> você
> > > pode entrar em contato com o autor. Segue a
> > > > referência:
> > > > Título:
> > > > As nominalizações na sintaxe da língua Krahô (Jê)
> > > > Autor:
> > > > Maxwell Gomes Miranda
> > > >
> > > > Com um abraço,
> > > > Flávia
> > > >
>
> 

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