Epifenomenalidade, etc.

Eduardo Rivail Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Wed Mar 17 01:42:51 UTC 2010


Ooops. Embora o contexto deixe claro que se trata de deslize de digitação, preciso corrigir o seguinte trecho da minha mensagem (a palavra corrigida está em maiúsculas):

"... Aryon havia sugerido, durante uma apresentação sobre Jê Setentrional, exatamente isto com que estamos de acordo hoje:
formas longas são NOMES, etc."

Desculpas,

Eduardo

--- Em etnolinguistica at yahoogrupos.com.br, "Eduardo R. Ribeiro" <kariri at ...> escreveu
>
> Olá, Andrés,
> 
> Beleza. É explicando que a gente se entende. A "idéia" provém de vários 
> lugares (para começo de conversa, para mim, foi com Benveniste, que era 
> leitura obrigatória para ingresso no mestrado na UFG, na minha mocidade). Se 
> menciono o Spike nas minhas notinhas é porque foram escritas justamente para 
> propor a tal mesa redonda, que deveria incluir (como, de fato, incluiu) 
> estudantes de línguas Tupi, Karib e Jê. Eu mencionava o Spike de segunda 
> mão, porque o pouco que sabia sobre o assunto em Karib era através do Sérgio 
> Meira.
> 
> Na época, o que me motivou foram os dados da Chris, que estava trabalhando 
> no artigo que viria a publicar no IJAL, e o artigo de Aryon Rodrigues sobre 
> "argumento e predicado" em Tupinambá. Cheguei a apresentar um trabalho sobre 
> isso na CLS ("Adjectival meanings in Karajá"). Percebendo que o 
> comportamento dos "verbos longos" nos dados da Chris era o mesmo que o dos 
> nomes deverbais em Karajá, ficava óbvio para mim o caráter nominal destas 
> construções.
> 
> Quando conversei com o Spike, num workshop no Oregon (2004?), pareceu-me que 
> ele tinha de fato era uma certa relutância em aceitar completamente a origem 
> nominal da ergatividade em Jê. Um dos "argumentos" era que os "verdadeiros" 
> nominalizadores na língua eram os formadores de nomes de agente e 
> instrumentos -- que você demonstra muito bem não serem nominalizadores coisa 
> nenhuma (exatamente como seus prováveis cognatos em Macro-Jê: -na e -du). 
> Então, se é "'ÓBVIO" para ele agora, não era então.
> 
> Mas, se é para historiarmos a origem destas idéias em Jê, eu contaria algo 
> que fiquei sabendo através de um(a) colega que participava dos famosos 
> workshops sobre ergatividade em Brasília, promovidos pelo Queixalós. Ele(a) 
> dizia -- discordando -- que Aryon havia sugerido, durante uma apresentação 
> sobre Jê Setentrional, exatamente isto com que estamos de acordo hoje: 
> formas longas são verbos, etc. Eu não estava lá e, portanto, desconheço os 
> detalhes (já que é comunicação pessoal de comunicação pessoal, pode ser que 
> tudo esteja errado, inclusive os personagens envolvidos).
> 
> Pelo tom da narração do(a) colega, ninguém pareceu dar muita bola à idéia na 
> época. E agora, cá estamos nós todos concordando e dizendo "pô, eu já sabia 
> disso desde mulequim..."
> 
> Mas agora eu gostaria de saber sua opinião sobre a segunda parte da minha 
> mensagem. Mas deixemos isto pro próximo encontro Macro-Jê, ou para algum 
> bate-papo pessoal. Fico, a partir de amanhã, sem acesso à internet.
> 
> Abraços,
> 
> Eduardo
> 
> P.S. Em todo caso, se o conceito de "epifenômeno" não cola, talvez possamos 
> pelo menos aplicá-lo ao futebol: "Ronaldinho, o epifenômeno" ;)
> 
> ----- Original Message ----- 
> From: "Andrés Pablo Salanova" <kaitire at ...>
> To: <etnolinguistica at yahoogrupos.com.br>
> Sent: Tuesday, March 16, 2010 6:23 PM
> Subject: Re: [etnolinguistica] Epifenomenalidade, etc.
> 
> 
> Oi Eduardo:
> A verdade é que, até onde sei, a idéia provém da tese de Spike Gildea
> (para as línguas Carib, é claro, mas os paralelos com Jê são
> surpreendentes), um trabalho que me influenciou muito quando eu ainda
> estava no Museu Nacional. No trabalho de 2000 (que foi escrito em
> 1997, quando ainda tentava acreditar na sintaxe funcionalista) eu e
> Amélia sugerimos, sem tratar, a possibilidade de que sincronicamente
> há subordinação quando se usam certos "marcadores aspectuais":
> p. 11: "Es discutible si en (13b) el núcleo es de hecho el verbo. En
> estas construcciones, en que un predicado es seguido de una adposición
> sin ser necesariamente subordinado a otra oración (cf. 12a), el verbo
> parece de hecho ser el complemento. No discutiremos esto aquí."
> Em um trabalho de 1998, que infelizmente perdi (mas cujos argumentos
> creio ter reconstruido na tese), fiz o mesmo para a negação.
> Na última vez que conversei com Spike sobre o assunto, ele afirmou
> que "é ÓBVIO que a ergatividade em Jê vem das nominalizações", e
> completou isto com um "é ABSURDO supor que há nominalizações ai
> sincronicamente, X (aluna minha) acredita(va?) isso e eu discuti muito
> com ela tentando dissuadi-la". Na tese, eu consegui me convencer
> (evidentemente não a todos, mas até agora não sei se as razões disto
> são realmente racionais) que não há motivos para supor que as
> nominalizações ficaram atrás na história do Jê setentrional, pois elas
> se comportam sincronicamente como qualquer outro predicado nominal.
> Por outro lado, como disse em uma mensagem anterior, não sei se
> podemos separar claramente "nominalizações" de "formas não finitas" (o
> termo usado no trabalho de 2000)* nas línguas Jê, já que de modo geral
> adjetivos e substantivos não são claramente diferenciáveis. O vínculo
> entre FNF (particípios em particular) e ergatividade não recebeu tanta
> atenção como o que há entre nominalizações e ergatividade, mas acho
> que é da mesma natureza (dai os exemplos da ergatividade no francês, e
> a menção às línguas indo-árias). Em uma língua em que "krare" quer
> dizer tanto "filho (N)" como "com filho (Adj)", não é extranho que
> "te~m" queira dizer tanto "a ida (N)" quanto "ido (Part)".
> Em qualquer caso não era a minha intenção no artigo supor que você
> disse coisas que não disse, só dar um pouco de conteúdo a certas
> afirmações que podem ser interpretadas de muitas maneiras (e,
> evidentemente, eu prefiro a interpretação sincrônica; diacrônicamente,
> tudo é um epifenômeno). Acho útil explicitar estas discussões que
> fizeram parte do nosso clima intelectual compartilhado, mas que seriam
> difíceis de reconstruir a partir do que saiu publicado.
> Até,
> Andrés
> 
> * NB que se substituirmos "finitud" por "nominalidad" na conclusão de
> RS&S 2000, diz mais ou menos o que ambos estamos dizendo agora: "es la
> finitud del núcleo [...] la que determina la aparición de estructuras
> ergativas[.] [T]enemos que hallar aún una explicación que vincule no
> finitud a la obligatoriedad de tales estructuras." Sempre hesitei
> entre chamar as "formas longas" de "formas não-finitas" ou "formas
> nominais", mas na verdade esta é uma questão meramente terminológica,
> não uma distinção real nas línguas Jê. Em algum momento (2000),
> conversando com Cristiane, defendi a escolha de "não-finitas"
> simplesmente porque acreditava que elas faziam parte do paradigma dos
> verbos, e "nominalização" sugeria ao contrário que elas surgiam por um
> processo derivacional.
> 
> On 16/03/2010, at 16:56, Eduardo R. Ribeiro wrote:
> 
> > Prezados,
> >
> > Gostaria de agradecer ao Andrés pela disponibilização de seus artigos.
> > Aproveitando a ocasião, gostaria de esclarecer o que parece ser uma
> > interpretação equivocada do que eu escrevi
> > (http://www.wado.us/paper:ergatividade). Refiro-me ao seguinte
> > trecho do
> > artigo do Andrés sobre a ergatividade em Mebengokre
> > (http://www.etnolinguistica.org/artigo:salanova-2009):
> >
> > "Até agora o que temos feito não foi mais do que afirmar que todas as
> > construções ergativas em M~ebengokre têm na sua raiz uma oração
> > subordinada
> > de caráter nominal. Este ponto não é novo no que diz respeito às
> > línguas
> > amazônicas, e inclusive é possível encontrar na literatura a posição
> > em que
> > o fato de que haja nominalização
> > explica ou descarta a ergatividade oracional. Esta posição é
> > articulada com
> > respeito às línguas Jê setentrionais por Ribeiro (2004), que
> > descreve a
> > ergatividade em Jê setentrional como sendo epifenomenal, por estar
> > ligada à
> > nominalização. Tal afirmação parte de duas premissas: (1) que a
> > ergatividade
> > nominal deve ser considerada um fenômeno diferente de outros tipos de
> > ergatividade, e (2) que o motivo pelo qual as nominalizações são
> > ergativas é
> > conhecido, e não precisa ser explicado. Ambas premissas devem ser
> > questionadas."
> >
> > Concordo plenamente que estas premissas dever ser questionadas --
> > mas não
> > são MINHAS premissas. Não há nada nas notas que escrevi que implique
> > isso.
> > Minhas notas têm um propósito muito simples, modesto até: sugerir
> > que todas
> > as propriedades das construções ergativas nestas línguas remontam a
> > (e são
> > ainda explicáveis por) um único fato: o caráter nominal das
> > construções em
> > que ocorrem. Por mais óbvio que isto pareça, não havia recebido devida
> > atenção antes (por exemplo, não é sequer cogitado em Reis Silva &
> > Salanova
> > 2000). Se qualifico este tipo de ergatividade como epifenomenal, é
> > porque,
> > geralmente, quando se fala em alinhamento sintático, não se fala na
> > estrutura interna de sintagmas nominais (que é o caso aqui).
> > Repetindo o que
> > escrevi em outra mensagem (http://lista.etnolinguistica.org/2419),
> >
> > "não digo que ergatividade, para ser ergatividade,
> > tem que ser sintática. Entendo, como [Andrés] explica, a raridade da
> > ergatividade sintática (e não é à toa que, no tronco Macro-Jê
> > inteiro, só
> > haja o Karirí). E não digo que a ergatividade em Jê seja menos
> > legítima que
> > em outros lugares. Quando digo que é epifenomenal, é simplesmente
> > porque
> > ainda, sincronicamente, continua ocorrendo somente com formas
> > nominais do
> > verbo. Se estas formas foram reanalizadas como formas verbais, aí
> > são outros
> > quinhentos. Mas há argumentos para isto? Talvez, nas várias outras
> > línguas
> > em que ergatividade tenha uma origem em nominalizações, tenha havido
> > um
> > passo a mais, em que tais construções se tornariam a forma canônica
> > e se
> > estenderiam para contextos não nominais."
> >
> > Resta explicar, como diz o Andrés, o porque do caráter absolutivo das
> > construções deverbais nessa e em outras línguas. Mas, antes, era
> > necessário
> > demonstrar que as construções ergativas em questão ocorriam em
> > ambientes de
> > nominalização -- o que, aparentemente, não havia sido notado por
> > muitos até
> > então.
> >
> > Estive pensando, agora, num outro sentido em que o conceito de
> > "epifenomenalidade" pode ser útil em lingüística histórica.
> > Construções
> > assim parecem ter pouca profundidade temporal, o que torna difícil
> > determinar até que ponto elas podem ser reconstruídas como tais. No
> > caso da
> > família Jê -- e, particularmente, das línguas Jê Centrais e do Norte
> > --, os
> > ingredientes para a ergatividade são claramente reconstruíveis: a
> > distinção
> > nome vs. verbo, a existência da nominalização lexical como principal
> > mecanismo de subordinação, e a posposição genitiva (?). Dados os
> > mesmos
> > ingredientes, sob circunstâncias parecidas, não seria possível que
> > construções ergativas surgissem independentemente em diferentes
> > línguas?
> >
> > Um exemplo mais simples para demonstrar o que tenho em mente é a
> > construção
> > de futuro em línguas Jê Setentrionais e em Djeoromitxí (família
> > Jabutí). Em
> > ambos os casos, a posposição dativa (mã em Jê, ma em Djeoromitxí) é
> > posposta
> > ao verbo para a formação do futuro. Nada surpreendente, atestado
> > também em
> > várias outras famílias. Embora as posposições nas duas famílias sejam
> > cognatas, a construção do futuro não é necessariamente reconstruível
> > para o
> > Proto-Macro-Jê, já que poderia ter se desenvolvido independentemente
> > nas
> > duas famílias.
> >
> > E, por falar nisso, alguém saberia me dizer se o futuro perifrástico
> > em
> > português, espanhol etc. é reconstruível para o Proto-Romance?
> >
> > Abraços,
> >
> > Eduardo
> >
> >
> >
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