[etnolinguistica] Morfologia perifrastica
dangelis at UNICAMP.BR
dangelis at UNICAMP.BR
Mon Aug 4 14:49:45 UTC 2003
Daniel
no 1o. Encontro de pesquisadores de línguas Jê, em Londrina, há dois anos
e meio, apresentei um texto intitulado "Gênero em Kaingang?", em que
apresento um fato importante da fonologia dessa língua, até aqui não
observado ou relatado (ao contrário, a pesquisadora mais conhecida desta
língua, Ursula Wiesemann, tratou tudo como 'variação livre', dependendo da
'inclinação' do falante).
Em resumo, uma classificação central na cultura Kaingang diz respeito a
pessoas, animais, plantas e objetos 'baixos, redondos, compactos' X
'altos, compridos, difusos'. As pessoas estão divididas como pertencentes
a um dos dois clãs (Kanhru e Kamé), com aquelas características, que se
representam em suas respectivas pinturas (ror x téj), assim como os
animais e plantas. E há verbos distintos para se dizer "carregar",
conforme o objeto se enquadre em uma ou outra categoria daquelas.
Bem, na Fonologia isso se expressa na distinção entre duas vogais nasais
abertas: anterior x posterior.
Assim, se alguém diz "Kyxé" (a vogal final é aberta e NASAL), isso quer
dizer "Lua", mas se aplica à lua minguante ou crescente (termos esses que
podem ser explicitados), mas se diz "Kyxõ" (vogal final é aberta), isso
que dizer "Lua", mas se aplica à lua cheia. O mesmo ocorre, por exemplo,
com a palavra para dizer "mato": será pronunciada "nén" (vogal nasal)
quando se refere a um mato mais ralo (difuso, pouco espesso) e "nõn"
quando se refere a mato fechado (compacto, espesso).
Há vários exemplos, não apenas para substantivos, mas também para verbos
(por ex.: matar animais difusos, espalhados, ralo x matar animal compacto,
grosso, único).
Relatei isso no texto com o mesmo título, que foi publicado no livro
"Línguas Jê: estudos vários", organizado pelos profs. Ludoviko dos Santos
e Ismael POntes, publicado pela editora da UEL (Universidade Estadual de
Londrina).
Voltei ao assunto, de passagem, com alguns exemplos a mais, em recente
trabalho apresentado no GEL (Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de
São Paulo), intitulado: "Vogais Nasais e Escrita do Kaingang" (texto que
ainda não encaminhei para nenhuma publicação, por falta de tempo).
O texto "Gênero em Kaingang?" posso te enviar, oportunamente, por email.
Wilmar R. D´Angelis
--------------------
> Cara Filomena,
>
> Obrigado pelos exemplos. O tipo de coisa que estava pensando e um pouco
> diferente, mas do mesmo genero. Sapir (1915) notou, por exemplo, que em
> Nootka ha mudancas consonantais que indicam algo sobre ou o ouvinte ou
> uma terceira pessoa (geralmente algum tipo de deficiencia fisica ou
> algo feio do corpo). Em Piraha, como e relativamente bem conhecido, ha
> um numero muito pequeno de fonemas (apenas 10 para mulheres e 11 para
> os homens). Mas mesmo com esse inventario tao pequeno, ha muita
> variacao 'livre' entre nao-sonorantes surdos (19)-(21) abaixo - tirei
> os exemplos do trabalho do meu website onde ha uma discussao maior). O
> inventario pequeno e a variacao livre ocorrem no mesmo sistema em que
> ha um inventario rico de processo prosodicos (tom, peso silabico,
> acentuacao e os canais mencionados abaixo). A sugestao que faco e de
> que a prosodia e a sua utilizacao nos canais de fala (no sentido de
> Hymes (1974) + a minha sugestao em (22) abaixo) des-valorizem o canal
> segmental em favor do prosodico. Ou seja, nao seria possivel nem
> entender a 'fonologia segmental formal' do Piraha (como a variacao
> livre) sem entender a etnografia da fala em Piraha.
>
> Tais exemplos sao importantes porque apoiam as propostas originais do
> Sapir e Boas de que a lingua seja parte da cultura e sao problematicos
> para as teorias formais (e teorias da acquisicao baseadas na suposta
> 'Gramatica Universal') uma vez que mostram que a crianca tem que
> aprender a sua cultura para aprender a sua fonologia.
>
> Mais uma vez, isso tudo esta discutido no trabalho 'Coherent Fieldwork'
> no meu site. Este tipo de exemplo sera discutido brevemente no meu
> livro a sair pela Cambridge no ano proximo: Linguistic Fieldwork: A
> Student Guide, um novo guia ao trabalho de campo. As consequencias
> filosoficas de tais exemplos serao discutidos em mais detalhe em outro
> livro, provavelmente tambem da CUP, Jamesian Linguistics: A
> non-Chomskyan, non-Cartesian View of Language and Knowledge.
>
> Abracos,
>
> Daniel
>
>
>
> Pirahã Phonemes
>
>
>
> Consonants () = missing from women's speech
> p t k ?
> b g
> (s) h
> Vowels
> i o
> a
>
> (14) Pirahã stress rule: stress the rightmost token of the heaviest
> syllable type in the last three syllables of the word.
>
> (15) Pirahã 's five syllable weights: CVV>GVV>VV>CV>GV
>
> (16) a. !tígí 'small parrot'
> b. !pìgì 'swift'
> c. !sàbí 'mean, wild'
> d. !7ábì 'to stay'
> e. tíí!híí 'bamboo'
> f. 7ì!tì 'forehead'
> g. tì!7í 'honey bee'
> h. tí!hì 'tobacco'
>
> (17) CHANNEL FUNCTIONS
> a. HUM SPEECH Disguise
> Privacy
> Intimacy
> Talk when mouth is full
> Child language acquisition
> relation
>
> b. YELL SPEECH Long distance
> Rainy days
> Most frequent use - between huts &
> across river
>
> c. MUSICAL SPEECH ('big jaw') New information
> Spiritual communication
> Dancing, flirtation
> Women produce this in informant
> sessions more naturally than men.
> Women's musical speech shows much
> greater separation of
> high and low tones, greater
> volume.
>
> d. WHISTLE SPEECH (sour or 'pucker' mouth) Hunting
> - same root as 'to kiss' or shape of mouth Men-only (as in ALL
> whistle
> after eating lemon) speeches!)
> One unusual melody used
> for
> aggressive play
>
>
> (19) tí píai ~ kí píai ~ kí kíai ~ pí píai ~ (í píai ~ (í (íai ~ tí
> píai, etc. (*tí tíai, * gí gíai, *bí bíai) 'me too'
> (20)?apapaí ~kapapaí ~papapaí ~?a?a?aí ~kakakaí ~(*tapapaí, * tatataí,
> * bababaí, * gagagaí) 'head'
> (21) (ísiihoái ~kísiihoái ~písiihoái ~píhiihoái ~kíhiihoái ~
> (alternations with /t/s or involving different values for [continuant]
> or [voicing] are unattested) 'liquid fuel'
>
> (22) Constraint on functional load and necessary contrast (Everett
> (1985)):
> a. Greater Dependence on the Channel--> Greater Contrast Required
> b. Lesser Dependence on the Channel --> Less Constrast Required
>
>
> On Thursday, Jul 31, 2003, at 19:49 Europe/London, Maria Filomena S.
> Sandalo wrote:
>
>>
>> Caro Daniel,
>>
>> No Kadiweu, como é sabido já faz tempo, tem um dialeto fonológico
>> feminino
>> (apenas mulheres nobres, esta é uma sociedade dividida em
>> castas/camadas
>> sociais) e outro geral (homens e mulheres de castas/camadas mais
>> baixas).
>> Tratei esta questão em um texto publicado no MIT Working Papers in
>> Linguistics, 1997. Reduzindo um pouco, tento mostrar que temos uma
>> espécie
>> de jogo fonológico no dialeto das mulheres nobres. Pés métricos
>> degenerados
>> são impossíveis. Assim, toda palavra com número ímpar de sílabas sofre
>> reduplicação da vogal mais à esquerda, criando-se um pé binário. Não
>> sei
>> se é isso que você procura, pois não li seu texto. Pelo o que eu me
>> lembro
>> do Pirahã, sei que as mulheres têm um dialeto/estilo particular e isso
>> me
>> lembrou o caso do Kadiwéu. Mas no Kadiwéu a questão envolve gênero e
>> classe social. Ver Métraux (1945) para entender melhor a questão de
>> castas da sociedade Mbayá/Guaikurú.
>>
>> Filomena
>>
>> On Thu, 31 Jul 2003, Daniel Everett wrote:
>>
>>> Gente,
>>>
>>> Duas perguntas sobre fenomenos linguisticos:
>>>
>>> (i) Tenho um trabalho recente chamado 'Liminal Categories' que
>>> encontra-se no meu site (endereco abaixo). O trabalho e sobre a
>>> existencia de morfologia perifrastica, ou seja elementos que tem
>>> caracteristicas simultaneas de frases e palavras (a sintaxe interna
>>> de frase e a sintaxe externa de palavra). Gostaria muito de saber se
>>> ha exemplos desse fenomeno em outras linguas amazonicas. Existe pelo
>>> menos um exemplo em portugues: 'a gente' e uma frase da perspectiva
>>> da sua composicao interna, fonologica e sintacticamente, mas funciona
>>> como
>>> se fosse uma unica palavra semanticamente e sintacticamente na frase
>>> maior em que ocorre.
>>>
>>>
>>> (ii) Outra pergunta. Em outro trabalho no meu website, Coherent
>>> Fieldwork, cito um exemplo da interacao entre a cultura e a fonologia
>>> em Piraha (publiquei o trabalho original sobre esse tema em Piraha em
>>> 1985 nos Proceedings of the Berkeley Linguistics Society). Gostaria
>>> de saber se ha outros exemplos desse 'Etnofonologia' (favor ler o
>>> trabalho
>>> no website antes de responder, se achar o tema interessante, para
>>> entender melhor o que quero dizer por isso).
>>>
>>> Favor responder ao meu endereco pessoal (abaixo) e, se houver um
>>> numero
>>> suficiente de respostas, farei um resumo para a etnolinguistica como
>>> inicio de uma conversacao na lista sobre o tema.
>>>
>>> Abracos,
>>>
>>> Daniel
>>>
>>> ------------------------------------------
>>>
>>> Daniel L. Everett
>>> Professor of Phonetics and Phonology
>>> Department of Linguistics
>>> The University of Manchester
>>> Oxford Road
>>> Manchester, UK M13 9PL
>>> http://ling.man.ac.uk/info/staff/de
>>> dan.everett at man.ac.uk
>>> Fax: 44-161-275-3187
>>> Office: 44-161-275-3158
>>>
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>>>
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