[etnolinguistica] PR or no PR
Meira, S.
S.Meira at LET.LEIDENUNIV.NL
Tue Feb 18 11:29:08 UTC 2003
Oi Andres,
>Me parecem muito interessantes suas considerac,oes sobre emprestimos e
>tudo mais, mas nao me parece que sair por essa tangente vai nos levar a
>nada, ja que entramos em terreno puramente especulativo sem sequer
>compartilhar os pressupostos (nao vejo a diferenc,a essencial que ha entre
>as linguas tradicionalmente chamadas de "crioulas" e as linguas "comuns e
>silvestres" que falamos, e mesmo admitindo que ha algo de especial nelas,
>nao saberia como excluir essa particularidade do panorama amazonico). Sem
>duvida o estudo do que aconteceu na Turquia, nos Balcans, na Inglaterra
>apos a invasao normanda, etc. etc. e muito interessante mas pouco
>informativo, pois estender qualquer conclusao particular (ha principios
>gerais?) ao caso americano exige uma serie de apriorismos que nao estou
>disposto a aceitar.
Bom, não fui eu quem mencinou empréstimos e fenômenos areais; foram
a Christiane e a Amélia. Não creio que seja "uma tangente"; acho que
a questão de ter ou não havido contato e influência entre as línguas
(possivelmente) tukajê é parte importante da questão. Quanto a
diferenças essenciais entre as línguas crioulas e as demais, isso
dizem os crioulistas, não eu (veja, por exemplo, o livro do Holm,
as idéias do Bickerton, etc.). Em tempo: não que as línguas crioulas
sejam "melhores" ou "piores" do que as outras, que tenham "menos
gramática", etc.; não, do ponto de vista sincrônico, uma língua
crioula é igual a qualquer outra. Ressalto apenas que a origem
histórica de uma língua crioula é bem diferente do processo normal
de mudança lingüística, com a passagem normal de uma língua de
geração a geração, etc. E essa origem histórica deixa traços importantes
na estrutura e, é claro, no léxico das línguas em questão. E, de novo,
não sou eu a dizer isso, são os teóricos da área de línguas crioulas.
Quanto ao panorama amazônico: você repete o que eu disse. Eu também
não sei como excluir a possibilidade de crioulização em alguma fase
da história das línguas (possivelmente) tukajê. Apenas tampouco vi ninguém
apresentar dados que a apoiem. Volto a frisar: não excluo, apenas
acho que sugestões a respeito, como você bem observa, são mera
especulação. Só depois de alguém apresentar dados mais conclusivos
(como a Ana Suelly fez, por exemplo, descrevendo o caso do Kokama),
eu poderei ter uma opinião mais informada. Ei, eu também não
aceito apriorismos; não me interprete mal. Estou só mencionando
casos e sugerindo possibilidades; volto a frisar que continuo à
espera dos dados para apoiar conclusões, de modo a que deixem de
ter um fundo especulativo. "Estar disposto a aceitar" ou não,
isso só é possível depois de se ter dados. Ubi sunt data?...
>De qualquer maneira, o meu argumento e outro, e e muito simples. O Eduardo
>argumenta em favor de certas relac,oes geneticas de longo alcance
>envolvendo a familia Je com base em tres coisas, essencialmente. (1)
>alguns cognatos; (2) a analise da flexao de pessoa nas linguas Je
>setentrionais como prefixos relacionais, e (3) a analise dos
>"aplicativizadores nominais" das linguas Je meridionais como prefixos
>relacionais. Eu nao tenho nada apostado na hipotese das relac,oes
>geneticas ou na hipotese dos fenomenos areais; fico muito contente se
>for demonstrado que Je e Tupi, Karaja e Guaykuru, Mebengokre e uma lingua
>crioula de base dravidiana, ou o que for que os lingu:istas historicos
>quiserem demonstrar. Agradec,o tambem de antemao o convite de trazer dados
>para "provar" a minha posic,ao, mas nao tenho nada a provar, alem do que
>ja provei.
Onde? Referências? (O seu artigo com a Amélia no livro do CNWS só fala
sobre o Membengokre. A comparação com a glotal do Apinajé é interessante,
mas ainda bastante "especulativa". O que diz a Christiane a respeito?
Além da glotal, há também alternânciais iniciais em Apinajé? Se elas
existirem, elas seriam, a priori, melhores candidatas a "cognatos" das
alternâncias do Membengokre do que a glotal. E, se essas duas línguas são
muito próximas, como você diz, como ocorreu uma mudança tão radical -- perda
de certas consoantes, aparentemente (?) sob influência da glotal (como,
exatamente?) -- em relativamente pouco tempo? Afinal, há também a
possibilidade da glotal ser uma inovação do Apinajé. Como julgar esta
possibilidade?)
>Eu simplesmente duvidei de (2) e de (3), e continuo duvidando,
>pois ninguem adiantou nenhum contra-argumento.
Para o Membengokre, eu tendo a concordar com você. Para as demais
línguas jê, eu tendo a ver a coisa pelo outro lado: ninguém ainda
apresentou argumentos que defendam o seu ponto de vista para outras
línguas. (Caso eu esteja enganado: referências?).
Respeito a sua opinião; você, sem dúvida, conhece as línguas jê melhor
do que eu. Só peço mais dados e análises comparativas, senão, tudo o
que tenho é a sua opinião de que o Membengokre representa o caso geral.
>Falei que a melhor analise
>dos "prefixos relacionais" em Mebengokre e a que os unifica com a flexao,
>e que esta analise nao so e transferivel as demais linguas Je
>setentrionais, como provavelmente e em todas elas sincronicamente mais
>adequada do que a analise em que se postulam "prefixos relacionais"
>(novamente, isto nao e algo que eu posso demonstrar so, mas aceito que
>estou errado se alguem conseguir construir um argumento sincronico contra
>minha posic,ao partindo de qualquer uma destas linguas).
Veja, na falta de um artigo comparativo, como eu posso julgar a sua
opinião de que a sua análise é transferível para as demais línguas jê
setentrionais? Ponha-se no meu lugar; o que você faria? Sem conhecer a
família a fundo, você aceitaria o "argumentum ab auctoritate"?
(O mesmo vale, por sinal, para a análise relacional, caso não haja
trabalhos comparativos mais completos sobre o fenômeno nas línguas jê.
Eu tampouco estou convencido que ela seja correta. Eu simplesmente
ainda não vejo por que a sua especulação comparativa é melhor do
que a especulação comparativa dos outros.)
Volto a ressaltar o meu agnosticismo: não estou "defendendo" ninguém.
Eu também acho que o Eduardo precisa apresentar mais dados comparativos
para mostrar que as correspondências que ele vê entre os (possíveis)
prefixos relacionais são regulares. Aí eu tenderei a concordar com ele.
Da mesma maneira, assim que aparecerem dados que comprovem a sua
hipótese para a família como um todo, serei o primeiro a felicitá-lo.
Data, anyone?... Por exemplo, a imprevisibilidade que você descreve para
os "relacionais" em Membengokre é também válida para as outras línguas?
Quais são os segmentos em questão? Há correspondências regulares entre
eles, ou trata-se de inovações paralelas? Veja, eu não sou jeólogo e
não conheço a literatura jê a fundo. Talvez já haja nela dados para
apoiar ou refutar a sua hipótese; eu apenas não estou trabalhando na sua
compilação. Mas insisto que alguém deveria; a questão continua em aberto.
Estendo a pergunta aos jeólogos como um todo: concordam com o Andres?
Alguém se interessaria em comparar as línguas em questão? Sei que todos
tem muito a fazer (eu mesmo estou tentando preparar uma ida ao campo
para a sexta-feira!...), mas, convenhamos: alguém tem de fazer isso.
Se ninguém o fizer, como se pode discutir a questão? (Antecipo as
minhas desculpas caso alguém já o tenha feito e eu apenas não o saiba.)
>E falei que o
>que acontece em Kaingang e Xokleng esta muito mais longe dos "prefixos
>relacionais" do que de uma "aplicativizac,ao nominal" semelhante ao que
>acontece em Mebengokre /ngo/ agua --> /kango/ agua com relac,ao a alguma
>coisa; /ko/ pau --> /kako/ pau com relac,ao a alguma coisa.
Onde você falou isso? Eu gostaria de ler.
>Portanto, em
>favor da proposta de Eduardo so resta (1) e a semelhanc,a superficial
>que apresenta a flexao de pessoa nas linguas Je setentrionais com outras
>coisas que nao sao a mesma coisa (me explico?). Quanto a isto ultimo, ha
>semelhanc,as entre a flexao por aferese e outros processos morfologicos
>dentro mesmo do Mebengokre (ja mencionei o "truncamento" final para criar
>formas finitas de verbos; tambem ha uma aferese "estilistica" em certos
>vocativos: /nhirwa/ --> /irwa/ mae). Portanto, longe de ser uma
>esquisitice gramatical, o truncamento e um recurso morfologico que e em
>grande medida independente da flexao de terceira pessoa.
OK. E nas demais línguas jê?
>Quanto aos
>cognatos que Eduardo encontra, esses sim sao evidencia para alguma coisa.
>Certamente nao sao evidencia para defenestrar analises sincronicas
>consistentes. E no final das contas, tambem nao sao evidencia
>suficiente para aceitar sem reservas a hipotese da relac,ao genetica
>entre todas estas linguas.
Concordo inteiramente. Há mais trabalho a ser feito.
>Quanto aos "erros elementais" que podemos evitar, bem, posso estar me
>referindo ao fato de que mostrei alguma coisa que ate agora nao foi
>contestada, e de que as pessoas deveriam ser conscientes de que se
>comparam uma flexao de pessoa com um aplicativo nominal, nao estao
>comparando a mesma coisa. Podem ate tentar mostrar como as duas coisas
>estao relacionadas, mas isso ate agora nao foi feito. Por isso lamentei
>que nossa discussao sobre aplicativos nominais tenha terminado tao
>rapidamente, pois acho que e possivel aprender muito mais deles do que de
>semelhanc,as superficiais entre a morfologia das linguas.
Concordo de novo. É preciso distinguir esses casos, e, caso sejam
relacionáveis, é preciso ainda demonstrá-lo. O que dizem os demais
jeólogos? Quais são os fatos, para as línguas em questão?
>Acho que isto esta claro, nao? [= O fato de a análise por aférese ser
>melhor para outras línguas jê -- SM]. Ainda estou esperando um so exemplo
de uma
>lingua Je em que os "relacionais" funcionem como relacionais. Acho que
>qualquer esforc,o de achar mais evidencias seria perda de tempo da minha
>parte.
De novo, não me parece claro, não. Mas é possível que seja por
ignorância da literatura jê, e dos dados das línguas em questão.
Peço mil desculpas, se for esse o caso. Só conheço os seus argumentos
para o Membengokre. O que mais há? Referências?
>Discussao muito interessante, mas novamente irrelevante. Se o governador
>se surpreendeu de que ao sair do palacio do governo nao se encontrava
>ninguem que falasse portugues, provavelmente dentro do palacio ele nao
>conversava muito na lingua geral. Acontece a mesma coisa quando saio de
>casa. Em nenhum momento disse que as linguas gerais nao fossem faladas
>pela maioria; so disse que o contato com o portugues nunca foi "direto",
>no sentido especifico de haver diglossia. Nao tenho realmente
>motivos para acreditar ou desacreditar disto, mas de qualquer
>maneira os emprestimos lexicais nao provam nada (se eu for um turista
>alemao em Belem, em menos de uma semana sei o nome de todas as frutas
>exoticas que ha, e se quero fazer grac,a posso ate usar uma ou duas
>palavras do portugues regional ao falar com meus conterraneos, mesmo sem
>falar portugues). O "-ac,o" e uma piada, nao? Qual e o problema de
>estender analogicamente o "-ac,o" de palavras como "estardalhac,o"? Pelo
>menos ai voce nao tem que explicar a mudanc,a de acento.
Francamente, eu também acho a discussão irrelevante: tudo o que
quero dizer é que houve contato, que daí entraram até sufixos no
português (apesar do governador talvez não utilisá-los em casa),
e que isso não foi bastante. ('Estardalhaço' pode até ter ajudado,
por semelhança fonética, mas, como não existe "estardalho", seria
preciso primeiro uma reanálise não motivada do final como um sufixo,
da qual não há nenhuma evidência. O mesmo vale para 'cansaço',
'regaço', 'pedaço', etc. Além disso, não me parece uma palavra
muito freqüente em português, sobretudo nas classes menos cultas;
poderia ela ter esse efeito? Outras, como 'cansaço', 'pedaço', etc.,
teriam maior chance, me parece; e nenhuma delas gerou as 'back-formations'
que seriam de se esperar se delas tivesse saído um sufixo novo. Não
que influência de termos relacionados não ocorra; cf. o antigo
comercial da Goodyear, "pneu com aço, pneuaço", onde se brincava
com a semelhança entre o sufixo e a palavra "aço". Mas, sinceramente,
não vejo como esse sufixo poderia ter-se gerado espontaneamente sem
o tupi /(w)asu/. (Dados? Registros históricos? Alguém se prontifica?)
Quanto à mudança de acento -- se é que houve, já que há variedades tupi
com acento na penúltima --, ela me parece natural. Vogais não
acentuadas em português tendem a reduzir-se; um falante que ouve
um /a/ com qualidade de /a/, bem pronunciado, tende a ouvir nele
o acento.) Diglossia? Olhe o Paraguai moderno, onde o número de bilíngues
espanhol-guaraní aumenta a olhos vistos, e os casos de code-switching,
mistura gramatical, etc. são numerosos. (O guaraní paraguaio, segundo
o Aryon, é também uma "língua geral"). Não creio que seja implausível
que a situação tenha sido assim também em algum estágio do
desenvolvimento das línguas gerais no Brasil. Só que isso não foi
o bastante.
Veja, creio que concordamos a respeito disto: é preciso mais
do que o contato entre o português e o nheengatu para que ocorram
empréstimos gramaticais. E, quando isso ocorre, ocorrem também
outros tipos de empréstimo em abundância. Em casos de pidginização
e crioulização, também ficam certos traços indicadores (uma boa
quantidade de palavras flexionadas reanalisadas como monomorfêmicas,
etc.). Há algum problema aqui? Se não, por que discutir mais? Se não lhe
agrada o exemplo do contato entre o português e o nheengatu, OK, eu
o retiro, podemos procurar outro. Era apenas uma ilustração, não o
cerne da questão.
>Bem, espero que em algum momento possamos unificar esforc,os para
>avanc,ar na hipotese do Macro-Je. Nao quero passar a ideia de que estou
>em contra desse tipo de empreitada. Apenas discordo do Eduardo quando ele
>descarta uma analise sincronica bem feita com base em uma duzia de
>cognatos. Isto, como Sergio disse, e apenas uma diferenc,a "teorica".
>Me permito discordar do Sergio neste ponto.
Não, você não passa essa idéia; acho que você está apenas
tentando defender a sua hipótese, o que é muito louvável.
Vá em frente. Estou à espera dos estudos comparativos que apóiem
o seu ponto de vista sobre a sua análise do Membengokre ser a melhor
para as outras línguas jê. Se já houver algum, que o autor me desculpe
por não conhecê-lo, e agradeço antecipadamente a referência.
Eu concordo que o Eduardo precisa apresentar mais cognatos. Vamos
ver se ele consegue. Mas eu insisto na importância da evidência
comparativa para a sua hipótese também. Se não, tanto a 'aférese'
quanto os 'prefixos relacionais' parecem apenas "funcionar" no
sentido de que, se você programar as regrinhas num computador e puser
um 'input' de um lado, o seu 'output' vai ser o que deveria (aquilo
que o Chomsky, da velha tradição gerativa, chamava de "descriptive
adequacy"). Os seus argumentos para o Membengokre -- bastante bons,
por sinal -- são válidos para o Membengokre. Estendê-los a outras
línguas sem apresentar mais dados ou dar mais referências é fazer
o que você acusa o Eduardo de estar fazendo.
Veja, não quero dizer que sou contra especulações. Elas são o
ponto de partida da ciência, sem o qual nada se faz; a fonte
de idéias, de inspiração. Mas elas não são o ponto de chegada.
Tanto ao Eduardo quanto ao Andres, eu peço mais dados, mais cognatos,
e mais línguas. Até lá, estaremos só discutindo opiniões, creio.
Um abraço também afetuoso,
Sérgio
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