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Andres P Salanova kaitire at MIT.EDU
Tue Feb 18 16:22:42 UTC 2003


Alo Sergio
	Gostei muito de nossa discussao (e tambem da discussao anterior
com Eduardo), e fico contente que estejamos de acordo sobre os pontos
essenciais. Nao concordo que caiba a mim mostrar dados comparativos, pois
o meu interesse no momento nao e fazer uma reconstruc,ao do Macro-Je
senao compreender certos aspectos da gramatica que sao compartilhados por
varias das linguas do tronco. Apenas apontei uma falha que me parece
obvia na analise comparativa, e acho que cabe a quem a defende mostrar que
sua analise (de cada lingua que entra na comparac,ao -- e isto nao se
evita simplesmente excluindo o Mebengokre da comparac,ao, pois as linguas
Je setentrionais sao muito semelhantes no ponto que foi discutido) e
melhor do que todas as outras analises propostas, e que sobrevive as
criticas mais evidentes.
	Queria acrescentar o seguinte trecho (que tinha escrito para a
minha discussao com o Eduardo, mas acabei nao mandando porque a discussao
foi pra outro rumo), e que cumpre a func,ao de trazer uma opiniao (nao
dados, lamentavelmente) que pode servir para a discussao comparativa.

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"No trabalho meu e da Amélia que mencionei na
discussão, levamos em conta um fato constatado por Burgess & Ham
(1968), que supõe que a flexão de terceira pessoa em palavras
iniciadas em consoantes não palatais (generalização nossa a partir de
uns poucos exemplos proporcionados por B&H) em Apinayé é realizada
pela prefixação de uma oclusão glotal. Daí sugerimos muito por cima a
idéia de que a aférese poderia ter uma origem concatenativa (i.e.,
prefixação de /'/, e logo fusão ou simplificação de encontro
consonantal). Não acredito nisto agora (acho que Callow 1962
identifica
corretamente essas oclusões glotais como fenômenos "de juntura" -- não
sei por que B&H não levam isto em consideração --; provavelmente isto
pode ser verificado de fato), mas de qualquer
maneira me parece uma hipótese tão plausível quanto a da origem destas
aféreses nos "prefixos relacionais". Quanto às origens "muito
diferentes" da alternância entre as palatais e /p/, não sei em que
evidências Eduardo se baseia, a não ser no fato de que ele acredita
que as palatais são cognatos de prefixos relacionais. Davis dá alguma
reconstrução de palavras alternantes iniciadas em /p/? Qual é a origem
diferente? Quanto a /w/, foi realmente engano nosso. Em palavras
iniciadas em oclusão glotal, os prefixos de pessoa (não tenho certeza
se são todos, ou só a- e i-) desencadeiam substituição de /'/ por /j/
ou /w/, segundo a vogal que segue. Isto também não tem nada a ver com
"prefixos relacionais"; é apenas o reflexo de uma consoante latente
nestes prefixos que, ao haver um lugar onde ancorar, é realizada. Esta
consoante "latente" é real em línguas tão próximas do Mebengokre
quanto o Apinayé (ic-pa, etc.), e tão distantes quanto o Kaingang (inh
wã ti mu).

Faz anos que não olho pra reconstrução de Davis (que, como disse, não
me parece mais do que Apinayé camuflado e com alguns contrastes
omitidos). No entanto, me parece que a fé que Eduardo deposita na
reconstrução de *z não se garante. De fato, a maioria das fontes de
Davis estavam erradas quanto à representação da oclusão
glotal. Provavelmente a única fonte disponível a ele que transcrevesse
as oclusões glotais no lugar certo era para o Apinayé (e nem disto
tenho muita certeza). Os motivos disto são diversos, como o fato de
que em certos contextos a oclusão não é claramente articulada, ou o
fato de que ela ocorre, pelo menos em Apinayé, também como fenômeno de
juntura. Mas isto não detrai da existência de um contraste, por
exemplo, entre /kay/ "costurar" e /ka'y/ "desvirginar", /y/ "ele
viaja" e /'y/ "semente" (ambos em Mebengokre). A primeira cerveja que
apostei com Eduardo foi alegando que, se estas oclusões glotais fossem
levadas em conta na reconstrução, *z se cindiria em dois *fonemas, que
calhariam com certeza com os ambientes em que há ou não há "prefixos
relacionais" em Karajá.

Em parte com base nestas considerações, em parte por "motivos
teóricos", concluo o seguinte: a permanência de uma noção como
"prefixos relacionais", que pode abarcar desde flexão de pessoa até
mudança de valência, ou inclusive efeitos de ligação, como um
primitivo teórico na análise das línguas Jê, não só não vai ajudar a
encontrar reconstruções legítimas, como vai continuar confundindo a
questão, e tirando valor de trabalhos potencialmente interessantes. Se
alguém estiver disposto a provar o contrário, só peço argumentos que nao
sejam circulares (tipo "vejam so os resultados interessantes que eu
obtenho assumindo uma noc,ao totalmente errada")."
-----

Bem, os outros pontos de nossa discussao sao muito interessantes, mas nao
tenho muito a comentar. Creio no entanto que o status especial que
se da as linguas crioulas e um erro, que, apesar de estar desvinculado
hoje de concepc,oes racistas, tem suas origens nelas. O fato de que muitos
crioulistas insistam na particularidade das linguas crioulas so me fala
sobre a peculiaridade dos crioulistas, nao sobre as linguas crioulas. Ate
agora nao tenho lido em lugar nenhum uma lista de criterios que
serviriam para identificar uma lingua crioula independentemente de sua
historia (conhecida de antemao), que fac,a o menor sentido (em geral se
fala de pouca morfologia, etc. etc., e se acrescenta que nas linguas
crioulas nao ha tom, para que ninguem va pensar que as linguas
Sino-Tibetanas sao crioulas, e por ai vai; puro bla bla bla, pelo que
vejo).

Quanto a diglossia, era justamente o Paraguai que eu tinha em mente. Ali a
diglossia persistiu, e provavelmente os efeitos no espanhol da populac,ao
bilingu:e sao claramente perceptiveis. Tambem, em certa medida, em
Santiago del Estero com o Quechua. No Brasil, esta bem pode ter sido a
realidade, mas foi uma realidade que mudou de maneira muito abrupta (nas
reformas pombalinas, ou quando tenha sido), e que provavelmente por esse
mesmo motivo nao deixou muitas marcas. Seria muito interessante achar
alguma variante de portugues brasileiro rural sobre a que pudessemos
argumentar que teve uma influencia mais clara das linguas gerais, mas me
parece que com o portugues brasileiro "padrao", o contato com as
linguas gerais foi mesmo como voce descreve na sua anedota.

No resto, concordo plenamente com Willem Adelaar, e acrescento que as
evidencias que unem a familia Je ao Tupi/Karib e a boa parte das linguas
supostamente Macro-Je sao tao fracas quanto as que Greenberg usa para o
seu Je-Pano-Karib. Espero que os lingu:istas que se dedicam a estas
questoes nao percam a visao das alternativas.

Um abrac,o,
	Andres

Sergio, voce tem algum contato com Cristina B. e Gabriel ali? Faz tempo
que nao tenho noticias deles.


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