[etnolinguistica] Sobre o 'marcador de posse ali enável' em Jê

Dioney Moreira Gomes dioney98 at UNB.BR
Thu Jan 30 10:02:45 UTC 2003


Eduardo,
A flexão relacional tem papel fundamental no Mundurukú (não é rara), tanto com
nomes quanto com verbos, não ocorrendo com posposições. Ela é obrigatoriamente
evocada na relação i)de posse inalienável entre os nomes, ii)"sujeito" e verbo
intransitivo estativo ("verbo descritivo" para Crofts 1973,1985 e outros), e
iii)"objeto direto" e verbo transitivo. Além disso, iv) se o "sujeito" de verbo
intransitivo processual for classificado, haverá uma concordância entre ele e o
verbo também em nível de classificador, não só em nível de marca de pessoa, e
aparece o relacional de não-contigüidade:
i) o 0-ba 'meu braço' // João 0-ba 'braço de João' // i-ba 'braço dele'
ii)o 0-parara 'eu tenho medo' // João i-parara 'João tem medo
iii) João bio   o'   y-aokat
     (j.  anta  3Sa  NCNT-matar)
     'João matou a anta.'
iii) João ako    0-ba   o'  su-ba   'o
    (J.   banana CNT-cl 3Sa NCNT-cl comer)
     João comeu banana.
iv) João o' at 'João caiu.' // ako 0-ba o' su-ba 'at  'A banana caiu.'

Bom, sendo o e- prefixo de alienabilidade e ocorrendo o relacional em situação
de posse inalienável, não parece haver compatibilidade entre um prefixo e
outro.
Quanto ao exemplo de Angotti que você citou, creio que carece de um pouco mais
de reflexão sobre o que é este "e-". Reafirmo que relacionais não são raros em
Mundurukú e te envio, em anexo, uma cópia de um texto em que discuto a natureza
clítica dos marcadores de pessoa em Mundurukú e em que falo também das classes
nominais e dos relacionais.
Um grande abraço.
Dioney

p.s.: usei o número "0" acima para indicar o morfema relacional zero de
contigüidade (classe I: i- e 0-). Acima, aparecem alguns alomorfes do morfema
de não-contigüidade i-: "su-" e "y-".

Citando Eduardo Rivail Ribeiro <erribeir at midway.uchicago.edu>:

> Prezado Dioney (e pessoal 'na escuta'),
> Tudo beleza? Obrigado por sua mensagem (e pelas dicas sobre o Mundurukú).
> Finalmente encontrei os dados do Mundurukú a que me referia; trata-se de um
> capítulo da tese da Mary Angotti (gentilmente enviado pela colega Gessiane
> Picanço); exemplo do prefixo e- com verbos (Angotti 1998: 12; ela traduz o
> prefixo e- como 'nome genérico'):
>
> o'-je-a-e-bãg  wa'e
> 3S-INTR-CLASS-N.GEN-quebrar  cuia.CLASS
> 'A cuia quebrou.'
>
> O interessante, no caso do Mundurukú, é o fato de que o prefixo e- não
> parece pertencer à classe que
> recebe prefixos relacionais ("classe II"). Em Tupinambá, Emérillon (segundo
> Françoise Rose) e Sateré-Mawé (levando-se em consideração a análise da Dulce
> Franceschini), parece que sim, o mesmo se dando em Macro-Jê. Em termos
> histórico-comparativos,  creio que isto tem um importante valor
> 'diagnóstico', diminuindo as chances de que as semelhanças entre os
> diferentes troncos seja pura coincidência. Também denuncia uma origem
> lexical para o prefixo (algo semelhante ao que ocorre com o marcador de
> antipassiva em Karajá, que também pertence à classe II e parece ser cognato
> do morfema õ 'coisa' em outras línguas do tronco).
> Mas, se entendo bem (a partir da leitura do seu artigo nos anais do Encontro
> de Belém), mesmo como relíquias, 'relacionais' (ou o que sobrou deles) são
> extremamente raros em
> Mundurukú. Talvez o prefixo e- forneça pistas sobre o que pode ter ocorrido
> com outras raízes da classe II nesta língua, não?
> Também acho interessante o quanto as línguas Jê são conservadoras (não
> apenas em comparação com o Tupí, mas em comparação com outras famílias do
> tronco Macro-Jê, como o Karajá e o Karirí; tanto morfológica e
> sintaticamente, quanto fonologicamente).
> Mais uma vez, muito obrigado, e um grande abraço,
> Eduardo
>
>
> ----- Original Message -----
> From: "Dioney Moreira Gomes" <dioney98 at unb.br>
> To: <etnolinguistica at yahoogrupos.com.br>
> Sent: Wednesday, January 29, 2003 10:15 AM
> Subject: Re: [etnolinguistica] Sobre o 'marcador de posse alienável' em Jê
>
>
> > Primeiramente, um grande abraço ao meu amigo Eduarrrrdo e um alô a todos
> os
> > demais colegas.
> > Em Mundurukú, com nomes existe o prefixo alienador e- (w-e-kobe 'minha
> canoa')
> > e o prefixo reflexivo je- (je-ba 'braço dele mesmo'). Há também o
> > reflexivo/recíproco jewe- (talvez, apenas we-), como em [akurice] [o' jewe
> aha
> > ip]([cachorro] [3sa OCS morder eles])'os cachorros se mordiam'.(OCS:
> Objeto
> > correfencial ao sujeito).
> > Até mais.
> > Dioney
> >
>
>
>
>
>
> Para cancelar sua assinatura deste grupo, envie um e-mail para:
> etnolinguistica-unsubscribe at yahoogrupos.com.br
>
>
>
> Seu uso do Yahoo! Grupos é sujeito às regras descritas em:
> http://br.yahoo.com/info/utos.html
>
>


--
Dioney M. Gomes
Doutorando em Lingüística - UnB/IRD (Institut de Recherche pour le
Développement/França)
Tel.: (61)304 1045 e 9961 9342
E-mail: dioney98 at unb.br


-------------------------------------------------
Mail enviado através do WebMail/UnB
CPD - Centro de Informática

Para cancelar sua assinatura deste grupo, envie um e-mail para:
etnolinguistica-unsubscribe at yahoogrupos.com.br



Seu uso do Yahoo! Grupos é sujeito às regras descritas em: http://br.yahoo.com/info/utos.html

-------------- next part --------------
A non-text attachment was scrubbed...
Name: A natureza cl?tica dos marcadores de pessoa em Munduruk? (ve.doc
Type: application/octet-stream
Size: 139264 bytes
Desc: not available
URL: <http://listserv.linguistlist.org/pipermail/etnolinguistica/attachments/20030130/00a79e03/attachment.obj>


More information about the Etnolinguistica mailing list