[etnolinguistica] Sobre o 'marcador de posse alienável' em Jê
Dioney Moreira Gomes
dioney98 at UNB.BR
Thu Jan 30 10:18:26 UTC 2003
A título de informação geral, após ler a resposta do colega Salanova, me
lembrei de que, em Mundurukú, animais não possuíveis podem ser alienados
com "-õhõ" (criação), que é um nome inalienável: w-õhõ akurice (minha criação
cachorro)'meu cachorro'. Lembro também que há uma aparente relação entre
marcador de alienabilidade (e-) e o reflexivo com verbos (je-we).
Abraços.
Dioney
Citando Andres P Salanova <kaitire at mit.edu>:
> Alo Eduardo
> Achei muito interessante a conexao que voce propoe entre o
> reflexivo e o "aplicativizador" -nhi-, especialmente se voce tem
> argumentos em favor de dizer que "o 'possuidor' com o morfema õ é, de
> fato, possuidor do nome de significado específico." Voce proporia portanto
> que "meu-nho cachorro" seria algo assim como myself's dog? Isto calharia
> bem com a proposta, mas resulta um pouco contraintuitivo que para possuir
> um objeto alienavel seja o possuidor que tenha que se alienar de si mesmo,
> e nao o objeto ser relacionado ao possuidor mediante um "classificador"
> possuivel, ou algo assim (meu instrumento arco, ou meu bicho-de-estimac,ao
> cachorro, como em algumas linguas Yutonahuas), certo?
> Do ponto de vista do Mebengokre em si, nao acho que
> "possuidor+nho" seja por sua vez um possuidor, pois nesse caso se
> esperaria encontrar "prefixos relacionais" no nome possuido, o que nao
> acontece.
> Am Apinaye (?) e Timbira, o reflexivo e "amnhi-", o que e bastante
> plausivel como uma forma mais conservadora. Suponhamos portanto que amnhi
> (reflexivo) = am (?) + nhi (aplicativo). Apesar da semelhanc,a fonetica, a
> func,ao de "nhi-" e de fato oposta a do reflexivo, pois o ultimo satura um
> argumento, enquanto que o primeiro introduz. Isto e claro em Mebengokre,
> pois (1) nao ha quaisquer restic,oes de coocorrencia entre o reflexivo e o
> prefixo "nhi-" de certos verbos, alem de que o "-i-" do reflexivo nao
> ocorre com as pessoas nao reflexivas; (2) o mesmo reflexivo ocorre com
> posposic,oes (que sao inherentemente relacionais, e portanto nao
> precisariam ser "aplicativizadas") (uma variante do argumento anterior).
> Portanto ficam de fato duas possibilidades para a estrutura de
> "i-nho rop"; ou "nho" e o nucleo e "rop" e o adjunto, ou ao contrario.
> (Resta tambem explicitar o que e a adjunc,ao, e claro.) Como voce sugere,
> a possibilidade de sofrer incorporac,ao e um bom teste para saber o que e
> nucleo de um sintagma nominal. No entanto acho que nao e possivel aplicar
> este teste de maneira muito clara em uma lingua como o Mebengokre, que e
> estritamente SOV. Talvez ha alguma maneira de traduzir os testes de
> extrac,ao a esta situac,ao, mas nao me ocorre como. Por outro lado, para
> manter a analogia com outros sintagmas nominais, em que os adjuntos
> aparecem sempre a esquerda (com uma excec,ao importante) e na qual os
> "quantificadores", diminutivos e outros constituintes perifericos do SN
> aparecem imediatamente a direita do nucleo, parece-me que e mais razoavel
> supor que e "inho" que esta em adjunc,ao: "inho rop-re", "inho rop-'o",
> meu cachorrinho, um meu cachorro; "ba-kam mry", "kax-o rara" animal do
> mato, caixa de metal.
>
> Mas gostei mesmo da ideia, pois e curioso que muitos verbos
> transitivos em Mebengokre costumam ser detransitivizados para logo ser
> transitivizados de novo (o aj-kame, o aj-kate: empurrar, quebrar). Parece
> analogo com o que voce descreve, mutatis mutandis.
> Espero seguir ouvindo novidades sobre este tema. (Espero nao ter
> malinterpretado sua proposta).
> Um abrac,o,
> Andres
>
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Dioney M. Gomes
Doutorando em Lingüística - UnB/IRD (Institut de Recherche pour le
Développement/França)
Tel.: (61)304 1045 e 9961 9342
E-mail: dioney98 at unb.br
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