Cip ó kupá: uma planta Jê?

Valenzuela, Pilar valenzuela at CHAPMAN.EDU
Sun Nov 13 18:59:31 UTC 2005


Ah, disculpen, la palabra en Jebero k'er de mi mensaje anterior significa 'yuca'. Pilar

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From: etnolinguistica at yahoogrupos.com.br on behalf of Pedro Viegas Barros
Sent: Thu 11/10/2005 5:11 AM
To: etnolinguistica at yahoogrupos.com.br
Subject: Re: [etnolinguistica] Cipó kupá: uma planta Jê?


Estimado Eduardo:
El Jê del Norte *kwyr 'mandioca' recuerda el Cayuvava (Key 2000; ítem 08.910) kyri 'sweet potato; batata doce'.
Cordialmente,
 
Pedro


Eduardo Ribeiro <kariri at gmail.com> escreveu:

	Caros colegas,
	 
	Falando ainda de plantas cultivadas, uma outra perspectiva interessante é a possibilidade de a etnobotânica e ciências afins nos fornecerem elementos auxiliares para a datação e localização de proto-línguas, por exemplo. Mais uma vez, o caso do milho <http://br.groups.yahoo.com/group/etnolinguistica/message/385>  é um exemplo: se palavras para 'milho' podem ser reconstruídas para o Proto-Arawak e o Proto-Carib, como parece ter sido sugerido, e se a entrada do milho nas terras baixas na América do Sul pode ser datada, isto ajuda a ter-se uma idéia da profundidade temporal destas famílias. O exemplo que apresento a seguir, de uma planta comestível cultivada pelos Jê, pode vir a ser igualmente interessante. 
	 
	Trata-se do cipó kupá, que Marília Ferreira menciona em sua tese sobre o Parkatêjê. Eu andava desconfiado que a palavra para 'mandioca' em Jê Central (XER kupa, XAV 'upa) seria cognata desta palavra, e não da palavra para 'mandioca' nas línguas Jê do Norte (que Davis reconstrói, com base somente em línguas Jê do Norte, como *kwyr). Agora, relendo a Suma Etnológica Brasileira (vol. 1, Etnobiologia, 1987), encontrei uma descrição muito útil do cipó kupá, em um artigo de Warwick E. Kerr ("Agricultura e seleções genéticas de plantas", 159-171). Pelo visto, o kupá tem mesmo várias semelhanças com a mandioca, o que corrobora a hipótese de que as palavras para 'mandioca' em Xerente e Xavante têm a mesma origem que as palavras que, nas línguas Jê do Norte, designam o cipó kupá. 
	 
	Descrição do kupá.  Como talvez seja do interesse de outros membros do grupo, transcrevo integralmente abaixo o trecho do artigo que trata do cipó cupá. Uma fotografia desta planta, extraída do artigo de Kerr, pode ser vista em http://www.geocities.com/macroje/kupa.jpg.
	 

		[p. 169]
		 
		"Cupá (Cissus gongylodes Burch, ex-Baker)
		 
		O cupá é um cipó da família Vitaceae que deve ter sido domesticado há no máximo 1.000 anos, uma vez que é conhecido por muito poucas tribos (Kayapó, Xerente e Timbíra). Nimuendaju (1946), primeiro antropólogo a descrevê-lo entre os Timbíra, bem como Arnaud (1976), acreditam que se trata de uma planta tradicional dos grupos Jê setentrionais. A variedade selvagem alcança no máximo 1cm de diâmetro enquanto que a melhorada pelos índios chega a ter 8cm. É uma verdadeira mandioca arbórea, plantada igualmente por meio de manivas (Kerr et alii 1978). Os Kayapó cultivam três variedades: o cupá branco (cupá jaca) que é o mais grosso ( fig. 9 <http://www.geocities.com/macroje/kupa.jpg> ), o amarelo (kupá ngrâ ñicá) e o de casca vermelha (kupá kamrek). Enterram a maniva verticalmente numa extensão de 20cm, deixando outro tanto para fora, geralmente encostado numa árvore. 
		 
		[p.170]
		 
		Consomem-no assado ou cozido, mas somente os velhos, porque os jovens crêem que ficariam com a pele enrugada como a casa do cupá. Esta compreende 35% do tubérculo que tem gosto de macaxeira. A umidade do âmago (parte comestível) é de 73% a 77%. Contém 1,2% de proteína, 18% de carbohidratos e 1% de gordura. 
		 
		Cupá significa matar, em língua Kayapó. Os índios afirmam que o cupá mata as árvores sobre as quais sobe, uma vez que produz uma folhagem espessa que as cobre por inteiro. Ao derrubarem uma roça deixam alguns pés junto aos quais plantam o cupá." 

	 
	Nimuendaju e o kupá.  Curt Nimuendaju é provavelmente o autor que mais enfatiza a importância cultural do kupá entre vários povos Jê. Eis o que ele diz, em The Eastern Timbira (1946, p. 59): 
	  
	

		"Ethnographically, however, the kupá is the most important of Timbira cultivated species. This creeper ( Cissus sp.) has starchy tendrils, which attain the thickness of an inch and are baked in earth ovens. It does not occur wild; is restricted, so far as my information goes, to the Eastern and Western Timbira and the Serénte, all of them Gê tribes; and is pronouncedly xerophil. Accordingly, it is probably a very old cultivated species peculiar to these tribes, which could not have borrowed it from either Neobrazilians or any of their present Indian neighbors." 

	

	

	[A informação de Kerr sugere que variedades selvagens do kupá de fato existem, ao contrário do que Nimuendaju parece sugerir na passagem acima.] Mas o que é importante aqui é o quanto este cipó parece ser importante na agricultura [de pelo menos grande parte] dos Jê do Norte (e pelo menos parte dos Jê Centrais). Além dos Timbira Orientais, dos Xerente e dos Kayapó, o kupá parece ter ocorrido também entre os Apinajé, segundo Nimuendaju (Os Apinajé, 1983, p.69), se bem que seu plantio estaria aparentemente em desuso já então: 
	 

		"A antiga e típica planta de cultivo dos Timbíra, Kayapó e Xerénte, a kupá (Cissus sp.), hoje só excepcionalmente é cultivada."

	As implicações disto para o estudo lingüístico comparativo são interessantes. Se a palavra ocorre, como parece ser o caso, em línguas Jê Centrais e Jê Setentrionais (que, juntas, formam um subgrupo dentro da família Jê, o Jê Amazônico*), seria possivelmente reconstruível para o Proto-Jê Amazônico.  E se esta é uma planta restrita aos Jê Setentrionais e Centrais, é possível que tenha sido domesticada exatamente pelos falantes de Proto-Jê Amazônico. Se é possível datar-se, de maneira aproximada, a domesticação de plantas e determinar-se o provável local de domesticação, isto poderia fornecer subsídios interessantes para a datação e localização dos falantes de Proto-Jê Amazônico. 

	A estimativa de Kerr ("deve ter sido domesticado há no máximo 1.000 anos") seria razoavelmente consistente com as estimativas de Urban quanto à separação entre Jê Central e do Norte (Greg Urban, 'A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas'. In História dos Índios no Brasil (org. por Manuela Carneiro da Cunha, 1998. 2a. edição, p. 87-102).
	 
	Alguém saberia se esta planta é cultivada por outros povos indígenas? Alguém poderia me informar onde obter informações adicionais sobre sua distribuição (tanto das variedades cultivadas, quanto das selvagens)? Como seria designado o cipó kupá em Xerente? Ocorreria também entre os Xavante? Ocorreria entre outros povos Jê Setentrionais, como os Panará e Suyá? 
	 
	Desde já, muito obrigado por qualquer contribuição.
	 
	Abraços,
	 
	Eduardo
	 
	*'Amazônico' aqui, naturalmente, refere-se à localização atual dos povos de línguas Jê Setentrionais e Centrais, cujos territórios em sua maioria encontram-se em áreas banhadas por rios da Bacia Amazônica. Não se refere, naturalmente, a sua localização original, que é exatamente o que se está tentando determinar com precisão. 
	 
	**Uma outra possibilidade é que o termo *kupa teria se referido originalmente à mandioca, sendo aplicado posteriormente para se referir ao cipó kupá. Para ajudar a resolver esta questão, seria interessante saber como se chamaria o cipó kupá em Xerente (e, quem sabe, em Xavante). Eu não tenho aqui comigo, infelizmente, o livro The Serente, de Nimuendaju (onde é possível que ele mencione este termo).
	 
	-----------
	Eduardo Rivail Ribeiro
	Museu Antropológico, Universidade Federal de Goiás
	Grupo de Pesquisa "Estudos Histórico-Comparativos Macro-Jê"

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