NPR.org - Tribe Helps Linguist Argue with Prevailing Theory
andrew.nevins
andrew.nevins at YAHOO.COM
Mon Apr 16 12:22:47 UTC 2007
Eu, pelo menos, prefiro essa versao da historia, que saiu na Folha de
SP hoje:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/inde16042007.htm
Tribo do AM causa guerra na lingüística
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Uma tribo de caçadores-coletores do sul do Amazonas está colocando
lingüistas e antropólogos em pé de guerra. Segundo um pesquisador, a
língua dos pirahãs, um grupo de 350 pessoas que habitam o rio Maici,
perto da divisa com Rondônia, é tão excepcional que põe em xeque a
principal teoria vigente sobre a linguagem humana. A tese, no entanto,
é contestada por outros lingüistas.
Os pirahãs ficaram famosos entre os acadêmicos devido ao trabalho do
americano Daniel Everett, 55, um ex-missionário cristão que hoje é
professor da Universidade Estadual de Illinois. Ele começou a estudar
a língua da tribo nos anos 1970, com o objetivo (que nunca foi
cumprido) de catequizá-los.
Enquanto aprendia a língua, vivendo numa aldeia pirahã com a mulher e
os filhos, Everett descobriu uma série de peculiaridades no idioma. Os
pirahãs não têm palavras para cores. Usam apenas oito consoantes e
três vogais. Não possuem mitos de criação, não têm tempos verbais, não
fazem arte só sabem contar até três.
Em 2005, Everett publicou no periódico "Current Anthropology" um
artigo no qual afirmava também que a língua pirahã não tem
recursividade, ou seja, a capacidade de formar sentenças encaixando
uma frase na outra. Assim, um pirahã seria capaz de dizer "a canoa de
João", "o irmão de João", mas nunca "a canoa do irmão de João". Como
vivem numa sociedade extremamente simples, onde o que conta é a
experiência imediata (o aqui e agora), os pirahãs, argumenta Everett,
têm sua língua (e, portanto, seu pensamento) limitados pela cultura
-um caso único.
O trabalho caiu como uma bomba no meio lingüístico. Se Everett
estivesse certo, o idioma pirahã seria um sério desafio à teoria da
Gramática Universal. Desenvolvida pelo influente lingüista americano
Noam Chomsky, a teoria afirma que todos os seres humanos possuem uma
faculdade inata da linguagem, uma espécie de "órgão da linguagem" no
cérebro. Essa capacidade independeria do meio cultural, tendo sido
impressa nos circuitos cerebrais do Homo sapiens pela evolução. E a
principal marca dessa faculdade é justamente a recursividade.
Uma exceção a essa regra significaria ou que os pirahãs não são
humanos ou que o arcabouço intelectual chomskiano -sob o qual se
formaram gerações de lingüistas- está falido. Everett, é claro, aposta
na segunda hipótese.
Bombando
A tese de Everett sobre como a chamada "experiência imediata" limita a
competência lingüística dos pirahãs saiu do domínio da academia na
semana passada e se espalhou como rastilho de pólvora na imprensa
popular. Uma reportagem de 20 páginas intitulada "O Intérprete - Será
que uma tribo remota da Amazônia virou do avesso nossa compreensão da
linguagem?" foi publicada na prestigiosa revista americana "The New
Yorker" e citada por jornais on-line, revistas e blogs nos EUA e no
Brasil.
No entanto, no final do mês passado, antes de a "New Yorker" ir para a
banca, um trio de lingüistas dos EUA e do Brasil postou no site
especializado Lingbuzz um artigo contestando ponto a ponto o trabalho
de Everett. Andrew Nevins, da Universidade Harvard, David Pesetsky,
colega de Chomsky no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e
Cilene Rodrigues, da Unicamp, afirmam -com base em trabalhos
anteriores do próprio Everett- que o pirahã não apresenta desafio à
Gramática Universal.
DA REDAÇÃO
No trabalho "A Excepcionalidade do Pirahã: uma reavaliação", os
lingüistas compararam o pirahã com várias línguas e descobriram que o
idioma, longe de ser um "caso excepcional", tem semelhanças com o
alemão, o bengali e o chinês.
A suposta matemática única dos pirahãs, afirmam, é compartilhada por
outras tribos da Amazônia, como os xetás (até mesmo o tupi tinha um
sistema de contagem limitado), que só contam até três. E há, sim,
evidências de recursividade.
Além disso, Everett tem despertado a fúria de antropólogos e
lingüistas brasileiros, que o acusam veladamente de "monopolizar" os
pirahãs, restringindo o acesso de outros às aldeias, e de pesquisar
sem autorização da Funai (Fundação Nacional do Índio) - o que a sede
da Funai confirma.
"No cerne disso tudo há uma confusão sobre o que é a Gramática
Universal", disse David Pesetsky à Folha. Acho que Everett confundiu a
teoria de Chomsky, Hauser e Fitch", afirmou, referindo-se à sua
reformulação, que Chomsky publicou em 2003 juntamente com Marc Hauser,
de Harvard, e Tecumseh Fitch, da Universidade St. Andrews (Escócia).
"O fato de não se poder dizer em pirahã "A canoa do irmão de João",
por exemplo, existe em alemão. Everett diz que esse fato em pirahã se
deve à cultura extremamente limitada, mas os alemães não têm essa
limitação cultural. Eles navegam na internet. Então, o fato em alemão
não se deve à cultura."
Sem elaboração Rodrigues afirma que Everett "não tem uma teoria e sim
uma hipótese", que padece de uma "falta de elaboração teórica". "A
experiência imediata, para nós, é uma forma que ele encontrou de
colocar todas as observações que ele acha interessantes no mesmo saco.
Isso é cientificamente frágil", disparou. "E, se fosse assim, por que
a limitação cultural só influencia a linguagem e não outras partes do
sistema cognitivo, como a visão?" -questiona.
Everett publicou no mesmo Lingbuzz uma resposta a Rodrigues e colegas,
a quem chama de "lingüistas de gabinete". Também os acusa de ter usado
seus escritos de 20 anos atrás para refutar sua tese.
"Não há evidência em pirahã de recursividade", disse Everett à Folha,
por e-mail, num português perfeito. "Além do mais, o Chomsky nem
define bem o que ele quer dizer com isso -muito menos o Fitch, que foi
comigo para a aldeia.
Everett, que tem visto de residente permanente no Brasil, diz que
sempre pesquisa com autorização "do delegado da Funai de Porto Velho"
e que sempre estimula, não impede, que outros visitem a área. "No
entanto, os pirahãs quase não falam português e eu sou o único
pesquisador secular que já aprendeu a língua deles."
Tecumseh Fitch diz que a questão ainda está aberta. "[Mas] é um
truísmo que a cultura molda a linguagem. É por isso que o brasileiro
tem a palavra "samba" e escocês tem a palavra "haggis". E daí? As
implicações disso para a Gramática Universal são nulas." Ele continua:
"Everett, como muitos críticos de Chomsky, tem uma concepção própria
da Gramática Universal, contra a qual ele se bate". Mas seus dados
"são tão convincentes quanto a falta de evidência pode ser -ou seja,
não muito". (CA)
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