Imprensa: "Estudo de ocupação da América revê identidade de Luzia"
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Tue May 20 16:59:58 UTC 2008
Matéria da *Folha de São Paulo* de hoje, disponível em
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20/05/2008 - 09h02 Estudo de ocupação da América revê identidade de Luzia
*CLAUDIO ANGELO*
Editor de Ciência da *Folha de S.Paulo*
Luzia, afinal, talvez não tivesse nada de extraordinário. Um novo modelo de
povoamento da América sugere que os primeiros habitantes do continente
vieram em uma única grande migração, mas eram um grupo muito mais
diversificado do que os cientistas têm sugerido.
Segundo essa nova visão, os fósseis humanos desenterrados em Lagoa Santa,
Minas Gerais, não eram uma população biologicamente distinta das populações
indígenas atuais. Eram mais provavelmente parte de uma imensa variabilidade
de tipos que esteve presente nas Américas desde que os primeiros humanos
botaram os pés aqui, cerca de 18 mil anos atrás, vindos da Ásia.
Ou seja, apesar de Luzia --o crânio mais famoso de Lagoa Santa e um dos mais
antigos das Américas, com 11 mil anos-- ser de fato mais parecida com os
aborígenes da Austrália ou com os africanos do que com os índios atuais, ela
não representa uma onda migratória separada que teria chegado ao continente
antes dos asiáticos típicos (mongolóides).
A singularidade de Luzia vem sendo defendida há quase duas décadas pelo
antropólogo Walter Neves, da USP, e por seu colega Héctor Pucciarelli, da
Universidade de La Plata, Argentina. Eles mediram dezenas de crânios de
Lagoa Santa e de outras populações antigas e chegaram à conclusão de que o
continente foi ocupado por "dois componentes biológicos principais": o
paleoíndio ("negróide") e o mongolóide.
O problema é que, até agora, as análises de DNA têm falhado em explicar como
os paleoíndios se extinguiram sem deixar rastro genético nenhum em
populações atuais.
*Reconciliação*
Entram em cena o antropólogo argentino Rolando González-José, do Centro
Nacional Patagônico, e os geneticistas brasileiros Fabrício Santos
(Universidade Federal de Minas Gerais), Maria Cátira Bortolini (Universidade
Federal do Rio Grande do Sul) e Sandro Bonatto (PUC-RS).
Disposto a reconciliar dados genéticos com as análises de ossos antigos, o
quarteto analisou mais de 10 mil dados genéticos e 576 medidas de crânios de
populações extintas e atuais do Novo e do Velho Mundo.
Os resultados do esforço, publicados on-line na revista "American Journal of
Physical Antropology", questionam tanto a identidade de Luzia quanto o
modelo mais famoso de povoamento da América, o das três migrações, proposto
também há quase duas décadas pelos americanos Christy Turner e Joseph
Greenberg.
"Os dois modelos foram abrandados", disse à *Folha* González-José, que
mantém colaboração com Neves e já defendeu a teoria do brasileiro em vários
artigos científicos.
Segundo o pesquisador, o estudo mostra que houve trocas genéticas recentes
entre populações asiáticas e americanas do Ártico. Isso fez com que os
caracteres mongolóides --desenvolvidos na Ásia há pouco mais de 12 mil
anos-- se fixassem mais fortemente entre os esquimós e os aleutanos,
habitantes da zona circumpolar.
Essa "mongolização" excessiva no Ártico acaba fazendo com que a média das
populações indígenas atuais pareça artificialmente asiática. González-José
diz que não é isso o que os dados mostram.
"Se você exclui das análises os esquimós e os aleutanos, [as outras
populações] não chegam a ser dois componentes tão claros", diz. Ou, numa
caricatura, os primeiros americanos seriam "a população de São Paulo menos
os japoneses".
Ao comparar diversas medidas dessas centenas de crânios e jogá-las num
computador, o que se vê é um grande contínuo de formas no qual todas as
populações indígenas se acomodam sem precisar recorrer a mais de uma
migração.
É aqui, aliás, que os dados genéticos se encaixam. O novo estudo confirma
algo que Santos e outros geneticistas vinham propondo: que todas as
linhagens de DNA americanas chegaram de uma vez. "Há uma migração principal
que explica 98% de toda a diversidade das Américas", diz o cientista.
Procurado pela *Folha*, Walter Neves foi lacônico: "Prefiro ignorar o
engodo".
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