Quarar

Simoni Valadares valadares_simoni at HOTMAIL.COM
Fri Mar 20 15:30:41 UTC 2009


Prezados colegas da lista,

 

Sou do Amapá - norte do Brasil e passei boa parte da minha infância numa ilha chamada "Ilha do Valério", em áreas ribeirinhas Pará/Amapá.  Na capital do Amapá, até hoje um local que era onde as mulheres costumam ir para lavar roupas chama-se "Igarapé das Mulheres".  Apesar de 'modernamente' os 'idealizadores da urbanização" tenham mudado o nome, as pessoas que são do local usam o termo ... só as pessoas chegando lá usam o nome 'moderno'. É nesse lugar que hoje a gente vê os barcos 'atracados' . Também há comércio nas próprias embarcações, feira ao ar livre - nada do tamanho da Feira Ver-o-Peso (decerto!).  Tudo isso para mostrar como é importante 'mirar' para esses termos e resgatar a história dos povos, de nós mesmos. Não mais há mulheres lavando roupas.

 

Lembro muito de ouvir o termo e que também 'tem que saber fazer'. Não só lá ouvi.  Em viagem a São Gabriel da Cachoeira encontrei mulheres ao rio e nos falamos e ela estava 'quarando roupa'.  Acho inclusive que este termo além de ter uma dimensão interessante de ser investigada para buscar uma relação com as línguas indígenas - ultrapassando as vicissitudes (e desafio instigante!) de se fazer reconstituição histórica, como apontou o colega Eduardo, eu diria também que tal termo inspira;....traz práticas sociais de diversos locais e um processo processual (tecnológico) envolvendo o saber/conhecimento. Eu acho por exemplo que há um conhecimento de se utilizar o sol, inclusive para manter roupas limpas - daí a questão de se pensar em 'corar' a roupa, que deve talvez significar não tirar a cor, mas realçar a cor.  Há também um processo não bem sucedido no processo se você deixar a roupa ao sol por mais tempo do que se devia; e daí o termo 'desquarar'. Nesse sentido,  acho que há uma relação com termos como sol, natureza. 

 

Cordialmente,

 

Simoni

 


 


To: etnolinguistica at yahoogrupos.com.br
From: corbera at uol.com.br
Date: Thu, 19 Mar 2009 21:42:08 -0300
Subject: Re: [etnolinguistica] Quarar






A palavra Quarar não teria sua origem em o termo Kwarachi ?  Na língua Kokama falada na Amazônia Peruana, Kwarachi significa 'sol', 'ceu', 'dia'

Angel Corbera Mori
IEl-UNICAMP



Em 19/03/2009 18:32, marlonlero   escreveu:





Companheiros,

Como vai? Sou de Mato Grosso do Sul,  Três Lagoas, divisa com São Paulo. A minha avó (sempre morou aqui,faleceu com 70 anos faz 4 anos) sempre usou este termo também  "quarar roupa", era deixar a roupa molhada com sabão no sol e depois bater no "giral", tipo uma rampa de madeira onde depois da roupa "quarada" iria bater para "corar a roupa", se me lembro bem, era para voltar a "cor".

Fazia tempo que não ouvia este termo.

Abraços, Marlon.



Em 19/03/2009 13:18, Beni Borja escreveu:




 

Eduardo e Nonato,
Se "quarar" não vier do tupi , é melhor desistir de vez de tentar estabelecer qualquer conexão entre as línguas indígenas e o português falado hoje.
Minha avó materna cuja ancestralidade era fluminense e bahiana , tinha uma verdadeira "psicose" de quarar roupa. Por isso ,  a palavra para mimé de uma total e completa familiaridade. De fato, ainda hoje aqui no Rio o termo é bem corrente, tendo caído num certo desuso em função da decadência do hábito de se estender roupas ao sol. Mas já  ouvi "quarar" aplicado em diversas outras situações com a acepção de expor ao sol.
Acho que a referência do Aurélio, que pretende uma ligação de "quarar" com "corar ", se deve menos ao preconceito linguístico do Bagno e mais a nossa velha e terrível supressão de qualquer traço de contribuição cultural indígena.
Acho mesmo que a sistemática supressão da contribuição cultural indígena é o inimigo mais claro a combater.
Ainda hoje , vejo muita gente que se considera desprovida de preconceitos ,circunscrevendo  a contribuição cultural indígena à AmazÃ?nia , enquanto bebe mate na praia.
A maior dificuldade de estabelecer conexões entre palavras e hábitos indígenas e o que nós falamos e fazemos hoje, é que a história conspira contra nós. Na medida em que grande parte dela foi escrita com um enraizado preconceito contra tudo que não fosse europeu.
Nesse sentido , a ausência de história favorece o nosso reconhecimento contemporâneo da contribuição cultural africana. Como só muito recentemente, à partir de Nina Rodrigues, se pretendeu historicizar a presença africana no Brasil , há muito menos elementos que perturbem a nossa pura e simples confrontação da África de hoje com o Brasil de hoje. Como não há possibilidade de se recorrer a fontes históricas, o óbvio fica provado pela sua própria obviedade.
abraço
Beni Borja
 

 













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