Kaing áng e Polinésio?

Eduardo R. Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Fri Mar 12 16:06:24 UTC 2010


Caro Marcelo,

Muito obrigado pela dica. Aproveitei para incluir este item na Bibliografia Macro-Jê Online:

http://macro-je.etnolinguistica.org/item:328

Aproveitando a ocasião, peço aos colegas que estudam línguas Macro-Jê que nos mantenham informados sobre novas publicações, entrando em contato diretamente com um dos editores da Bibliografia ou preenchendo um dos formulários disponíveis no site do projeto. A idéia é que tenhamos, por ocasião do próximo Encontro MAcro-Jê, uma bibliografia o mais completa possível, já incorporando o conteúdo da bibliografia impressa. Mas, para tanto, precisamos de mais voluntários e a participação ativa dos colegas.

Eu concordo que é salutar discutirmos questões metodológicas na determinação de relacionamentos genéticos de longo alcance e manternos a mente aberta para novas possibilidades de parentesco. Acho até que, no caso do Macro-Jê, o excesso de certeza tem contribuído para atravancar o progresso dos estudos comparativos (como a insistência em incluir o Guató, com base mais em tradição que evidências comparativas, demonstra).

No entanto, no caso do artigo de Pericliev, creio que não contribui nada novo em termos de rigor metodológico. Pelo contrário. É apenas a aplicação deficiente do método comparativo, semelhante às idéias que Guérios propunha (por exemplo, em "Cartas Etnolingüísticas", correspondência dele com Nimuendaju). A própria obviedade da semelhança fonológica entre algumas formas polinésias e Kaingáng deve ser vista com suspeita. Mesmo dentro do mesmo tronco, as semelhanças entre famílias são pouco óbvias, o que seria de se esperar depois de milênios de separação. No caso do artigo de Pericliev, a impressão que se tem é que o Kaingáng seria mais próximo das línguas polinésias do que de línguas Macro-Jê como o Karajá.

Na pequena lista de cognatos (selecionados da suposta centena de cognatos encontrados), vários casos são puramente onomatopaicos: trovejar, respirar, assobiar, tremer. Acho curiosa a justificativa que ele dá para o uso de formas assim: "Henry suggests that the Xokleng word is onomatopoeic; whether this is indeed the case or not, however, is immaterial in the present context insofar as the Kaingang and Polynesian languages do have similar forms, while other, non-Kaingang or Polynesian languages, would have quite different forms." Além disso, em pelo menos dois casos, o uso de óbvios casos de polissemia como diferentes entradas na lista de cognatos ('sol' e 'dia', 'roupa' e 'coberta') contribui para inflar o número de semelhanças (um caso de propaganda enganosa). É este tipo de lambança metodológica que me deixa com um pé atrás a respeito de trabalhos assim.

Condição sine qua non na determinação de parentesco, lingüístico ou não, é descartar a possibilidade de que as similaridades observadas sejam devidas a fatores outros que herança genética. Nenhum dos argumentos não lexicais de Pericliev passa este teste: semelhanças semânticas em sistema de parentesco; semelhanças superficiais no inventário fonológico; o uso de paralelismo como recurso discursivo. Tudo isto pode surgir -- e comumente surge -- independentemente, e mesmo línguas que obviamente pertencem a uma mesma família podem diferir nestes aspectos. Em um caso, características que parecem ser (caso Pericliev esteja correto) inovações em línguas oceânicas (a falta de contraste surdo vs. sonoro em consoantes obstruintes e a existência de consoantes pré-nasalizadas) acabam sendo usadas como "evidência" de parentesco com Kaingáng/Xokléng (onde tais características são reconstruíveis para o Proto-Jê e estavam presentes, provavelmente, já no Proto-Macro-Jê):

"Like Austronesian languages, and especially their Oceanic branch, which are known to have lost the voicing contrast in obstruents and to have developed prenasalized consonants in opposition to plain consonants, Xokleng (as described in Henry 1935, 1948) also does not have plain voiced obstruents, but contrasts plain voiceless with prenasalized voiced consonants."

Quanto ao trabalho de Vajda, eu conheço pouco e nem de longe tenho a competência para avaliar se está correto ou não. Há poucos especialistas no mundo que têm suficiente conhecimento de línguas dos dois lados do Estreito de Bering para avaliar se Vajda está correto -- e, pelo que tenho visto, muitos deles tendem a concordar com as conclusões de Vajda. Mas, se Vajda está correto, isto seria, na minha opinião, uma confirmação da eficiência do bom e velho método comparativo. Afinal, Vajda não compara isoladamente uma língua de cá com línguas de lá; ele compara proto-línguas, reconstruídas usando o método comparativo.

Bem, estas são algumas idéias que me ocorreram. Obrigado, Marcelo, por propor este tópico interessantíssimo aqui na lista!

Abraços,

Eduardo



----Original Message ----- 
From: Marcelo Jolkesky 
To: etnolinguistica at yahoogrupos.com.br 
Sent: Thursday, March 11, 2010 4:06 PM
Subject: [etnolinguistica] Kaingáng e Polinésio?


  
Prezados colegas,

Encontrei um artigo intrigante de Vladimir Pericliev comparando as línguas Jê Meridionais com línguas Polinésicas (tronco Austronésio), resultado de um trabalho conduzido em 2002 no Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology:
Pericliev , V. (2007). The Kaingang (Brazil) seem linguistically related to : Oceanic populations. Journal of Universal Language 8:39-59.
http://www.unish.org/unish/DOWN/PDF/8_2_2.pdf

Outras hipóteses de relações genéticas intercontinentais têm sido propostas ultimamente, como Mongol-Sahaptin (Qiuju, 2004) e Dene-Yenisey (Vajda, 2008).
Resolvi postar no grupo para levantar uma proposta de debate: até que ponto os argumentos somente lexicais, fonológicos ou morfossintáticos resultantes da aplicação do método comparativo são confiáveis em comparações de longa distância? O meu ponto de vista é que, de alguma forma, todos os domínios lingüísticos estejam necessariamente envolvidos e produzam conjuntamente as evidências de parentesco, não sendo provas cientificamente contundentes aquelas apresentadas isoladamente apenas de uma ou outra subárea. Neste sentido o trabalho de Vajda, dentre muitos,  deveria ser considerado um modelo para investigações neste campo científico.

obrigado pela atenção,
um abraço,
Marcelo

Referências:

Qiuju, Yu (2004). A Comparative Study of Proto-Mongolian and Proto-Sahaptian. Ph.D. dissertation. University of Regina, Saskatchewan.

Vajda, Edward (2008). A Siberian Link with Na-Dene Languages, Fairbanks: Dene-Yeniseic Symposium, http://www.uaf.edu/anlc/docs/vajda-2008.pdf
.
--- 11/03/10 Per tarihinde Biblioteca Digital Curt Nimuendaju <biblio at etnolinguistica.org> şöyle yazıyor:


Kimden: Biblioteca Digital Curt Nimuendaju <biblio at etnolinguistica.org>
Konu: [etnolinguistica] Viagem ao Redor do Brasil (Fonseca 1880, 1881)
Kime: nimuendaju at googlegroups.com
Tarihi: 11 Mart 2010 PerÅŸembe, 15:30


  
A Biblioteca Digital Curt Nimuendaju acaba de acrescentar a seu acervo os dois volumes (1880, 1881) de Viagem ao Redor do Brasil, de João Severiano da Fonseca (1836-1897). A obra resultou da participação de seu autor -- médico e militar, veterano da Guerra do Paraguai e irmão do futuro "generalíssimo" Deodoro -- na expedição da Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia, 
que percorreu os territórios fronteiriços do velho Matto Grosso (atuais estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia) entre 1875 e 1878.

Importante para o conhecimento da história do oeste brasileiro, a obra é também uma rica fonte de dados etnolingüísticos.  Além de descrever costumes de povos indígenas com os quais a comissão entrou em contato, como os Chiquitano e os Palmela, Severiano da Fonseca inclui vocabulários de várias línguas indígenas faladas no Brasil e na Bolívia (Chiquitano, Guarayo, Palmela, Baure, Itonama e  Cayuvava).  A obra serve de testemunha do papel desempenhado por índios de diversas etnias ("brasileiras" ou "bolivianas") como auxiliares na exploração e colonização do território; um exemplo anedótico desta diversidade é o grupo de quatro remadores contratados pela comissão, que incluía falantes nativos de três línguas (Itonama, Baure e Cayuvava).

A contribuição lingüística mais importante da obra é, provavelmente, o vocabulário da língua dos Palmela, cuja inclusão na família Karib (surpreendente, dada sua localização em Rondônia) seria sugerida já pelo próprio Severiano da Fonseca (com base em 
comparações com vocabulários de línguas como o Galibi, publicados nos Glossaria de Martius (1867)).

A obra pode ser acessada no seguinte endereço:
http://biblio. etnolinguistica. org/fonseca- 1880-viagem

Para saber mais:

Meira, Sérgio. 2006. A família lingüística Caribe (Karíb). Revista de Estudos e Pesquisas, v.3, n.1/2, p.157-174. http://www.etnoling uistica.org/ artigo:meira- 2006

Métraux, Alfred. 1942. Map of Eastern Bolivia and Western Matto Grosso. http://biblio. etnolinguistica. org/imagem: 2 

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