ergatividade em l ínguas Jê setentrionais
Eduardo Rivail Ribeiro
kariri at GMAIL.COM
Sun Mar 14 02:23:40 UTC 2010
Olá, Flávia,
Minha opinião é que ergatividade em Jê Setentrional "is in the eyes of the beholder." Alinhamento é, como você sabe, uma questão de mais ou menos, não de tudo ou nada (todas as línguas que conheço têm pelo menos um pouquinho de ergatividade). E, no caso das línguas em questão, como eu venho dizendo, ergatividade é algo superficial (sem conseqüências profundas em outras áreas da gramática da língua) e epifenomenal (sendo efeito colateral da nominalização). Há, no mínimo, tanta ergatividade quanto haveria em inglês e latim. O único exemplo convincente de ergatividade sintática que conheço em Macro-Jê continua sendo, como eu menciono em meu artigo para a Encyclopedia of Language and Linguistics (http://www.wado.us/paper:ell2), o Karirí.
Sim, eu já conhecia o artigo do Aroldo (e, inclusive, já o havia incluído na Bibliografia Macro-Jê: http://macro-je.etnolinguistica.org/item:51). A análise dele é idêntica à sua? É que não tive ainda tempo de ler seu artigo do IJAL; e o da Ameríndia, pelo visto, ainda não está disponível online, está?
Então, o que me lembro da sua análise foi o que discutimos já há alguns anos, e pode ser que você tenha mudado desde então. Minha principal objeção, na época, era que você não admitia o caráter nominal dos verbos longos. Se são mesmo nomes -- como sugeria o Ludo, e como analisa também o Andrés --, então toda construção envolvendo verbos longos é (originalmente, pelo menos) nominal. E, se toda construção ergativa envolve um verbo longo, então a ergatividade é uma conseqüência do caráter nominal do "verbo", que, por sua vez, é uma conseqüência do fato de que os morfemas que o seguem -- adposições, auxiliares -- requerem uma forma nominal do verbo.
Há, por outro lado, aquelas construções em que o verbo não é seguido de nenhum "operador" (um rótulo interessante que vocês usam mas que, para mim, tem valor descritivo duvidoso). A suposição sua é, se me lembro bem, que tais construções são finitas -- e, portanto, não há como analisar-se o verbo nestas construções como sendo nominal. Se for este o caso -- e pode ser que eu tenha te entendido mal --, seria uma suposição equivocada quanto a "finitude" (finiteness), como se toda construção finita tivesse que ter um verbo -- o que não é o caso, necessariamente, nas línguas Macro-Jê e mesmo em línguas européias.
ERGATIVIDADE EM PORTUGUÊS. Então, aplicando a análise de Benveniste ao português, teríamos, como em latim, um padrão absolutivo na expressão do argumento de nomes deverbais: em "destruição da cidade", "cidade" corresponde ao O; em "entrada de animais", "animais" corresponde ao S. Para exprimir o A, um argumento externo é necessário: "destruição da cidade pelo inimigo". Enfim, S=O≠A. Eba, ergatividade!
Imaginemos, então, que um lingüista que não conheça a história desta construção encontre usos como:
Proibida e entrada de menores (S)
Permitido o consumo de leite (O)
Proibido o consumo de álcool (O) por menores (A)
etc.
Será que este lingüista hipotético analisaria "entrada" e "consumo" nestes exemplos como formas verbais finitas? E o português como língua ergativa?
Se puder, por favor, me envie os trabalhos que você mencionou, por email. Não poderei lê-los tão cedo, mas, assim que tiver mais tempo, gostaria de fazê-lo.
Abraços,
Eduardo
--- Em etnolinguistica at yahoogrupos.com.br, Flávia de Castro Alves <pahno at ...> escreveu
>
> Olá Eduardo.
> Aproveito para te perguntar uma dúvida que tenho sobre sua opinião a respeito do alinhamento ergativo nas línguas
> Jê Setentrionais: pelo que foi dito na sua última mensagem sobre a âchamada ergatividade nestas línguasâ (palavras
> suas), você considera que, sincronicamente, não há alinhamento ergativo? Se sim, quais seriam essas línguas.
> No caso do Canela, a partir do comportamento sintático exibido pela língua, não há outra alternativa a não ser
> considerar as construções ergativas sincronicamente como orações principais.
> Ainda sobre os estudos em sintaxe diacrônica do Jê Setentrional, te passo mais essa referência de um trabalho que
> orientei, defendido na Unicamp em 2008 (qualificação de área):
> ANDRADE, Aroldo Leal de. Percursos de gramaticalização da ergatividade em línguas Jê setentrionais. In: BRAGGIO, S.
> L. B.; SOUSA FILHO, S. M.. (Org.). Línguas e Culturas Macro-Jê. 1 ed. Goiânia: Gráfica e Editora Vieira, 2009, v. 1, p.
> 43-68.
> Fico no aguardo.
> Com um abraço,
> Flávia
>
>
>
> On Sáb 13/03/10 03:08 , "Eduardo Rivail Ribeiro" kariri at ... sent:
> > Cara Maísa,
> > A mensagem da Flávia me fez lembrar de uma outra possível
> > sugestão de leitura -- um pequeno texto que escrevi em 2003
> > sugerindo uma hipótese sobre a origem da "ergatividade" em línguas
> > Jê Setentrionais:
> > http://www.wado.us/paper:ergatividade
> > Já me intrigava então o fato de que as análises que eu havia
> > visto sobre a chamada ergatividade nestas línguas pareciam ignorar
> > um fato evidente: que tal alinhamento era, simplesmente, uma
> > conseqüência do caráter nominal das construções envolvidas --
> > já que as mesmas envolvem as chamadas "formas longas" dos verbos,
> > que são, afinal, nomes.
> > Assim, a situação em Jê Setentrional seria idêntica, em
> > princípio, ao que se vê no latim e no inglês (cuja
> > nominalizações também seguem um padrão absolutivo), como
> > descritos, respectivamente, em dois textos clássicos: o artigo sobre
> > o genitivo latino, de Benveniste; e "Remarks on Nominalization", de
> > Chomsky.
> > Talvez haja alguma utilidade em consultar este textinho -- pelo
> > menos pelas referências a estes dois textos fundamentais e a um
> > terceiro, importante para o assunto em questão: um artigo de
> > Ludoviko dos Santos propondo (pela primeira vez?) que os tais verbos
> > longos seriam, de fato, formas nominais.
> > Como no caso do Karajá -- em que um "split" ativo-estativo foi
> > proposto com base no comportamento de descritivos, que são, na
> > verdade, nomes --, este assunto demonstra a importância de se
> > estabelecer bem critérios para distinguir nomes de verbos, papéis
> > semânticos e gramaticais, etc., antes de se partir para a análise
> > de sistemas de alinhamento. Do contrário, corre-se o risco de se
> > fazer "translation-based linguistic analysis".
> > Abraços,
> > Eduardo
> > --- Em etnolinguistica at yahoogrupos.com.br, Flávia de Castro Alves
> > escreveu
> > >
> > > Olá Maísa.
> > > Eu tenho trabalhado com a nominalização (oracional) e sua
> > relação com os sistemas de alinhamento em Canela (Jê
> > > Setentrional), mais especificamente o alinhamento ergativo e um
> > outro, que tenho descrito como nominativo-
> > > absolutivo (neste, houve a perda da categoria ergativo). Indico
> > abaixo alguns trabalhos meus sobre esse tema.
> > > Havendo interesse, posso disponibilizá-los eletronicamente.
> > >
> > > 1) Castro Alves, Flávia de. No Prelo. Evolution of case-marking
> > in Timbira. International Journal of American
> > > Linguistics, October, 2010. 82pp.
> > >
> > > 2) Gildea, Spike & Castro Alves, Flávia de. No Prelo.
> > Nominative-Absolutive: Counter-Universal Split Ergativity in Jê
> > > and Cariban. Gildea, Spike & Francesc Queixalós (eds.).
> > Ergativity in Amazonia (Typological Studies in Language, 89).
> > > Amsterdam: John Benjamins Publishing Company. pp. 263-318. April
> > 15, 2010.
> > >
> > > 3) Castro Alves, Flávia de. 2010 Complement clauses in Canela,
> > atualmente submetido à publicação.
> > >
> > > 4) Castro Alves, Flávia de. 2008. O papel das nominalizações na
> > evolução do alinhamento ergativo nas línguas Jê:
> > > dimensões funcionais e estruturais. AMERINDIA 32. pp.11-25.
> > >
> > > Além disso, uma dissertação de mestrado foi defendida semana
> > passada no meu programa de pós-graduação (PPGL
> > > / UnB). Logo logo deve estar disponível. De qualquer forma, você
> > pode entrar em contato com o autor. Segue a
> > > referência:
> > > Título:
> > > As nominalizações na sintaxe da língua Krahô (Jê)
> > > Autor:
> > > Maxwell Gomes Miranda
> > >
> > > Com um abraço,
> > > Flávia
> > >
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